domingo, dezembro 23, 2007

Momento de Balanço

Julgo que tenho sido um razoável professor de gestão e de comportamento organizacional (nome pós moderno para psicologia aplicada ao que se passa dentro das empresas). Nos últimos tempos, contudo, sinto-me siderado pela minha incompetência. Numa rápida volta pelas livrarias, à procura de presentes não sei bem para quem, uma vez que uma pessoa até se pode sentir insultada quando lhe dão um livro, em vez de um frasco que custa no máximo quatrocentos paus dos antigos a produzir mas que depois quando se lhe junta um nome assim pró Dolce e Gabbana passa a ter de se expender sessenta ou setenta euros... mas dizia eu numa voltita às livrarias fui, inevitavelmente, dar também uma vista de olhos pela secção de gestão economia e ofícios correlativos. E, fiquei aterrado. Cuidava eu que saber qualquer coisa de análise financeira, mais de uns pózinhos pós modernos de psicologia social sob a forma de "segmentação de mercados" e os pês do posicionamento mais umas contas de estatística e investigação operacional e de estratégia mais dois dedos de conversa sobre motivação humana e a coisa safavasse.

Apanhei logo no focinho com "o que podemos aprender com os gansos". Os gansos? mas logo ao lado lá estavam eles, "os três porquinhos gestores"e o "sindrome do macho alfa". Pensava eu que era tudo pelas analogias do reino animal quando vi "o peixe que não quis evoluir" e sem paragem "o que podem ensinar os elefantes"e, claro está "um pavão na terra dos pinguins" tudo, quem sabe, incluido na "selva empresarial".

Passei à secção da gestão mística e secreta. Com "o poder de uma hora",o que faremos com duas? "a magia da estratégia", "os oito hábitos", "os sete poderes", "estratégia oceano azul", "re-imagine", "a chave do sucesso", "como ser brilhante" , "10 segredos simples". Seguia-se o menos homérico "Qualquer um consegue" e a necessidade de "gestores não mba's" escondidos na "a caixa dos tesouros"? Fiquei a saber que "talento não é tudo", que há também uma "inteligência moral", disseminadas n' "as leis não escritas"? pelo "o economista disfarçado"... que vai "de bom a excelente" e logo sem retomar o fôlego "de excelente a lider". Estive tentado com o "invista e fique rico", uma vez que investir e ficar pobre parece ser o caminho dos bancos ultimamente. Desconfiei fortemente do "winners never cheat" e desisti n'"o kama sutra dos negócios"....

Fiquei seriamente consternado e preocupado. Nada disto consta de Bolonha. Portanto será necessário um curso inteiro de gestão e mais dois ou três anos a ler estes estimulantes livros. Eu pelo menos fiquei a ver que ainda há vagas na secção do que podemos aprender com as salamandras, com o rinoceronte, com o coliforme fecal entre outros.

segunda-feira, dezembro 10, 2007

Conto de Natal

Olhou para o parapeito da janela onde dois pombos se entretinham a esconder da chuva. Lá fora fazia um vento frio e a humidade entrava pelos ossos adentro. Na prateleira da esquerda estava depositado o correio por abrir da ultima semana. Nem sequer a carta com a ameaça de corte da electricidade por falta de pagamento lhe tinha despertado curiosidade. Na parede em frente pendiam desalinhadas duas fotos dos seis netos. Da estante, junto à porta da sala, tinham caído meia dúzia de livros, que se espalharam pelo chão afora até à mesinha onde jazia um computador velho cheio de pó. A casa, já tinha conhecido melhores dias, estava agora sempre numa semi penumbra. Uma espécie de nevoeiro que parecia reter memórias de outrora. O homem continuou a olhar para o parapeito, de onde já tinham desaparecido os pombos. Estava congelado no tempo, perdido na perscrutação de lembranças que não pareciam ser nem boas nem más. A face estava como tudo o resto naquela casa. Sem cor, sem emoção e sem sentido. Jazia junto ao pé direito, calçado com uma chinela velha, um papel que parecia ser de análises ao sangue. Uma carta, na mão direita estava há largos minutos na iminência de cair para o chão abandonada na inutilidade das novidades que jão não importavam. Aparentemente as metastases tinham alastrado ao fígado. Finalmente. Pouco depois o homem sentara-se junto à mesinha onde jazia o velho computador e onde estavam as pastas com os exames médicos e os prospectos do lar de terceira idade que prometia uma velhice com "tranquilidade e qualidade". Tinha feito as contas e os filhos teriam de entrar com mais de metade do pagamento. A pensão de reforma de director do laboratório de qualidade não chegava para a mensalidade e todo o PPR seria para a entrada inicial. O fee. Além disso ainda era preciso suportar uma parte das despesas de saúde que o seguro já não cobria. Esgotara-se. Nem um terço da despesa da farmácia e da radioterapia. Esperava que pelo menos o seguro ainda cobrisse a operação à catarata da vista direita. Tinha feito as contas e concluira, com óbvia racionalidade, que o mais vantajoso para todos seria o seu desaparecimento. Os filhos mal conseguiam aguentar os pagamentos das mensalidades dos colégios dos netos, as fardas, as aulas de natação, os computadores, os softwares e o diabo que hoje tudo se paga como resgate do rei. A ordem natural da vida deveria ser o avô a ajudar e não a tornar-se num peso inútil. Um empecilho que se mija e gasta uma fortuna em fraldas. Abriu o estojo que estava na cómoda. Retirou a arma. Verificou o carregador e meteu uma bala na câmara. Puxou a culatra atrás e ouviu a bala a entrar no cano. Encostou a boca do cano à têmpora direita e premiu o gatilho. Clic. Clic. Clic. Clic. Clic. Foda-se. O cabrão do marroquino tinha-o aldrabado. Tinha trocado o ouro e um relógio de marca pela beretta. Tinha sido enganado. A puta da arma fabricada na China não chegava nem para um disparo singelo e redentor. Foda-se.

sábado, novembro 24, 2007

Por acaso

ou sem causalidade assinalável, devo confessar que não devo ler o mais recente livro do José Santos nem do Sousa Tavares. Também não tenciono ler a crónica do Pulido Valente em que, aparentemente, desconsidera forte e feio os dois escribas. Devo ainda informar que nunca li nenhum livro do Valente. Tal como devo informar que nunca li nenhum livro dos outros dois. Não planeio manter esta determinação para o resto da vida. Pode bem ser que um dia destes leia alguma coisa destas personagens. De resto penso que estas decisões pouco ou nada contribuam para a minha tensão arterial nem para a degradação ecológica do planeta. Um dia, incenerados, todos seremos devidamente esquecidos.

terça-feira, novembro 20, 2007

Outra área

de grande qualidade é o fornecimento de água no concelho de Cascais. Nos últimos dois meses já me calharam pelo menos seis interrupções de fornecimento... fico muito feliz porque a coisa é privada e portanto estou certo que os cortes são devidamente programados....

Ultimamente

tenho apanhado em pleno focinho com a lógica que nos invade um pouco por todo o lado. Paga-se menos por cada hora de trabalho e paga-se ao fim de alguns meses. Em breve, poderemos ser todos homens e mulheres a dias, numa qualquer actividade, sendo que todas as actividades se assemelharão quanto aos termos de pagamento. Podemos mesmo organizar um banco de tempo... hoje mudamos as velas numa oficina automóvel, amanhã damos formação em programação, depois de amanhã atendemos chamadas num call center, na semana seguinte podemos, quem sabe, ser auxiliares de cuidados paliativos...

O que me diverte mais é que no meio deste movimento, aparentemente inexorável, nos solicitam papelada que prova a preocupação com a qualidade do serviço...

segunda-feira, novembro 05, 2007

A missiva

Ora no dealbar do segundo ciclo do ensino básico na escola EB+2/3/1,65+NO+ER+ES ou coisa parecida de Carcavelos fomos (criançada e pais) recebidos pelo "gerente do projecto pedagógico" ou melhor pelo "grande timoneiro do projecto educativo" que entre outras coisas nos seduziu com o cuidado colocado no refeitório e na excelência da comidinha prás nossas crianças... aliás, já no dia da cerimónia de recepção ficou ali logo patente a excelência do pequeno lanche que a malta tinha direito enquanto os pais se reuniam pela primeira vez com os(as) diretores(as) de turma. Não só a comida parecia um festim como era quase luxuriante visualmente entre papaias, mangas, uvas, kiwis, melancias e melõe e saladinhas de pinhão e eu sei lá que mais...

Tudo devidamente enquadrado por nutricionistas que, ali logo e sem aviso prévio, fomos notificados, era inovação de relevo daquela equipa dirigente e daquela escola aspirante a subir fartos degraus nos rankings. Comida saudável, fresca, de frescos devida e cuidadosamente confeccionada por pessoal carinhoso e avós de outras crianças, selo de qualidade que tranquiliza qualquer pai que já foi neto. Ponto final. Parágrafo, senhores ouvintes.

Posteriormente, reforçava-se a atenção e preocupação com os estouvados infantes, pois nem sequer sopinha de legumes e fruta abocanhavam na cantina e iam directamente ao bar cultivar o colesterol em pizzas e cachorros pelo que os pais deveriam estar atentos. Isto e novo aviso de piolhos à solta era o saliente e sublinhado na segunda reunião de pais.

Hoje, foi reposta a normalidade. Veio missiva afiançando que a avó principal se tinha reformado, de modos que a Direcção Geral Regional do Ensino Básico de Lisboa e do não menos imponente Vale do Tejo, competentíssima para o assunto tinha adjudicado o fornecimento da paparoca a uma dessas empresas de catering que, porventura, terá sobrevivido à sanha da ASAE. Ignora-se o que terá acontecido às restantes avós da cantina e às benditas técnicas de nutricionismo....

Uma coisa é certa, o projecto pedagógico sofreu rombo assinalável, o nutricionismo nem se fala, e agora a comida da cantina é pré fabricada e refrigerada e requentada numa promiscuidade de óleos e sebos e margarinas e ranço, os frescos liofilizaram-se (com sorte) e o equilíbrio de ácidos e proteínas e hidratos foi chão que deu uvas...

segunda-feira, outubro 29, 2007

O teste de matemática

Hoje o garoto mais velho, no quinto ano, teve o primeiro teste de matemática. Ainda não sei o que aconteceu, mas duvido que lhe tenha corrido mal (temos um negócio de jogos prá playstationportable dependente de 95% pra cima a ciências português e matemática). No fim de semana fez uma série de exercícios (fichas na moderna terminologia....) e amanhava a coisa com limpeza. De qualquer modo tive oportunidade de ler com mais atenção o manual. E tinha lá umas páginas sobre a calculadora. Por exemplo como carregar na tecla On.

Não sei se por iniciativa da professora, se por causa do projecto pedagógico da escola ou se por outra razão qualquer, o meu filho ainda não tocou nessa maravilha da técnica, de modos que a tabuada, o conjunto dos números naturais e o conjunto dos números inteiros, os números decimais, o eixo do xis, as operações de seriação de maiores e menores e igualdades e as operações artiméticas básicas ainda são manipulados por ele (e pelos colegas) à força de pensar e usar o cérebro, sem recurso à magnifica calculadora.

Tanto melhor. As páginas que li são absolutamente surrealistas. Eu só conheci uma calculadora no primeiro ano da faculdade e mesmo assim a sua utilização só começou a sério no terceiro ano, num tempo em que os cursos tinham cinco... deverei pedir indemnização ao ministério? Por sofrimento atroz e desnecessário? Ou devo ficar feliz por o meu filho não ter ainda travado conhecimento com os pedófilos intelectuais que conceberam as "abencerragens" que vêm naquele manual?

sábado, outubro 20, 2007

Então agora que o íamos promover é que se vai embora?

Um dos problemas mais fascinantes da moderna vida organizacional consiste na determinação do “valor” dos recursos humanos. Valor do desempenho, valor potencial do seu desenvolvimento. A forma como procuramos determinar esses valores é, em si mesma, outra coisa fascinante. Claro que poderíamos dizer que os rituais de “avaliação de desempenho” são, apenas, mais uma forma de protecção que encontrámos para evitar ter conversas normais e vulgares, com os que nos rodeiam, por forma a estabelecermos relacionamentos satisfatórios, simples, eficazes e produtivos. Mas não. Parecemos preferir evitar completamente enfrentar o “outro”, mormente em aspectos em que a dissensão pode emergir, com todo o cortejo de coisas desagradáveis e viscosas, como emoções, que daí, em geral, advêm.

Através de esquemas, sofisticadíssimos, determinamos em “score cards” complicadíssimos a “importância” para a organização de cada um dos seus recursos humanos. Há uns anos, um amigo meu tendo ficado furioso com a sua avaliação de desempenho, numa multinacional, ameaçou sair, tendo os “scores” sido, assaz rapidamente, “reavaliados”. Tinham sido, oportunamente, descobertos erros na primeira avaliação talvez, e quem sabe, porventura, relacionados com a “descoberta” facultada pelo meu amigo que o irmão era chefe de gabinete de um ministro particularmente essencial para a vida da multinacional. (Esta história, apesar do que possam pensar, não se desenrolou em Portugal, não é portanto, necessário tentarem adivinhar quem é o meu amigo...).

O valor das pessoas, é assim de geometria variável, aumentado com circunstâncias e coincidências como a anterior e baixando quando a saída das pessoas parece inevitável ou desejável. Se as pessoas saem por sua iniciativa, parece existir um fenómeno de rejeição sentido por quem fica, traduzido num processo de dissonância cognitiva, que só pode ser resolvido pela desvalorização da pessoa que sai, ao fim ao cabo um inútil ou um “desgraçado” a quem só já mantínhamos por mera caridade. Se a pessoa que sai era importante para a organização trata-se, adicionalmente, de um “mal agradecido” a quem estávamos à beirinha de promover a director geral de sistemas transversais, e que afinal saiu como um “traidor” por vezes sem “escrúpulos”...

Sempre achei extraordinários os diálogos de separação, quer nas relações pessoais quer nas relações de trabalho.


Curiosamente, nos últimos tempos o valor das pessoas não está associado ao seu passado. O valor da pessoa não apresenta correlação com os desempenhos anteriores mas sim com uma noção de “potencial”. Com esta subtil transformação de sentido, quase podemos dizer que poderemos eliminar as avaliações de desempenho, processos caros e demorados que ainda por cima geram expectativas, irrealistas por certo, às pessoas que são avaliadas de modo positivo. Reenquadrando tudo no “potencial”, fazemos depender do futuro, sempre deslizante, uma opinião sobre o valor de qualquer pessoa. Poderemos sempre argumentar que ainda não “vimos” nada de extraordinário, colocando, sistematicamente, tudo em questão, nomeadamente gerando na pessoa uma angústia sempre renovável pela necessidade de “provar” de novo e sempre no futuro o que vale, o que, mormente em contextos voláteis com os do presente, se torna um exercício de aceitação da incerteza e de insegurança verdadeiramente notável. Isto tem a vantagem de desgastar bastante as pessoas cujo património de vida, de experiência e de bom trabalho numa qualquer organização será sempre desvalorizado e sem relevo.

Criam-se organizações sem memória, sem lealdades nem cumplicidades duradouras entre os seus habitantes, mas a quem será, necessariamente, exigida uma dedicação e comprometimento organizacional unilaterais. É talvez por isso que a muitos de nós, pensando nas relações e “contratos psicológicos” de trabalho com algumas organizações, ocorre a memória da figura imortalizada pelo Bordalo Pinheiro.
©José Manuel Fonseca

segunda-feira, outubro 08, 2007

Entretanto

e continando no fascinante e difícil mundo dos projectos e percursos educativos, esta semana na actividade de estudo acompanhado cá de casa descobrimos coisas fabulosas. Confrontando dois livros de História para o primeiro ciclo, ficamos a saber que:

- num livro os Romanos estiveram por aqui cerca de 700 anos noutro estiveram mais de 400 anos....
- num livro o Conde D. Henrique morreu quando o D.Afonso Henriques tinha três anos enquanto para o outro livro já tinha quatro anos
- num livro a batalha de Covadonga foi em 718 noutro foi em 722
- num livro D. Afonso Henriques conquistou Beja noutro foi o D. Sancho II

O livro solo é uma coisa corporativa, passadista, gera menos emprego, menos lucros, menos impostos. Mas os livros à molhada podiam disfarçar mais....

sábado, setembro 29, 2007

projecto educativo

aqui há uns tempos dei-me ao trabalho de ver leis e estatutos do ensino. Descobri que a palavra instrução era maldita. Que a palavra ensinar também não era grande coisa. Que disciplina ou o acto de disciplinar eram malditos, que aprender era um processo complicadissimo.....

Ontem participei pela primeira vez numa reunião de encarregados de educação na escola EBD+S2+3+ES+PL+EP ou coisa parecida...

Eram os pais dos miúdos do 5 ano que pela primeira vez estão na escola secundária de carcavelos. A dada altura porque houve uns qui pro quo entre um dos garotos de dez anos e outros de treze (os calmeirões a quem estão a rebentar as borbulhas e se estão a acomodar a outros fluidos...) e porque os de dez anos já descobriram que se podem baldar da fila da cantina e ir ao bar comprar cachorros e pizzas, e porque há um muro de onde podem cair dois metros, um dos pais, que já levava uma listagem de crianças com nomes números e origens anteriores para recolher emails e telefones dos outros pais por via de esperar ser eleito o representanto dos encarregados de educação daquela turma.... um aprendiz de político portanto (que naturalmente acabou eleito para se representar a si próprio no que bem entender...), inquiriu se poderiam os pais assistir aos almoços. Dado o adiantado da hora e porque o meu cérebro já tinha desligado imaginei logo este voluntarismo a causar uma desnecessária dose de sofrimento psicológico e físico ao filho dele.... levando umas rodas de calduços ou outras coisas ainda mais humilhantes e dolorosas....

É fabuloso como os pais e mães não se recordam como era quando andavam por ali.... e como era humilhante e embrarçoso ter a famelga no espaço em que agente circulava com os amigos....

Depois fiquei a saber que no processo de avaliação, o "saber estar", os tpc's, os trabalhos adicionais e voluntários (como colorir os distritos de Portugal em três cores diferentes...), as fichas dos livros principais, as fichas dos livros adicionais, as fichas fotocopiadas na escola contam mais que os testes....

Como se trata do futuro dos meus estou a aprender a exercer o direito de tar calado... tava com vontade de dizer que no décimo segundo tem um exame que conta tudo para seguir em frente sem ser para engenharia do turismo rural nas Berlengas na Universidade Independente mas calei-me, sem dizer também que "saber estar" devia ser o mínimo exigível e que contar trinta por cento para a nota final só porque não guincham como macacos não cospem no chão como o resto dos tugas não os ajudará quando tiverem de disputar empregos com engenheiros de Bengala ou de outro sítio qualquer na India ou na China que preenchem desde há vinte anos todas as vagas do mestrado de matemática de Harvard e as vagas dos odutoramentos em Economia de Stanford..... mas resolvi aconselhar o meu a portar-se bem nas aulas e fazer todos os trabalhos idiotas ou inteligentes que lhe apareçam pela frente com o irreparável argumento que ele, tal como o pai e o avô e o bisavô e os demais concidadãos tem acesso normal a idiotas e imbecis tal como às moscas.....

Entretanto outro episódio interessante tinha sido o da funcionária responsável pelos balneários do ginásio que tinha arrancado miúdas dos chuveiros onde algumas delas se tinham juntado aos pares para pouparem tempo no duche a seguir à ginástica e chegarema tempo ou à fila de almoço ou à próxima aula.... esta briosa funcionária terá berrado com as miúdas de dez anos e dado uns encontrões e puxões às miúdas acusando-as de coisas que as miúdas não conseguiram compreender bem mas que as deixou aterradas.... apreendeu os cartões das miúdas e entregou-os à directora de turma...

Aparentemente a mulher vê lésbicas em todo o lado, possuirá a missão na Terra de impedir mais a proliferação dessa maldição... pior, parece que nunca existiu semelhante regra que impedisse os miúdos de tomarem banho aos pares aos magotes ou sózinhos....

Ilustrativo do que é o funcionalismo público ainda entre nós, é que a cara da directora de turma espelhava bastante indignação com isto, mas uma certa dose de impotência conformada sobre o que se deveria fazer à senhora funcionária, ignorando se o conselho executivo tinha tomado alguma iniciativa como falar com a mulher e dizer-lhe que crianças de dez anos não são já totalmente experientes nos domínios da volúpia e da depravação moral que ela parece temer e que a acção dela pode causar mais mal que bem ao seu Santo Graal.... ou quem sabe, não perdendo tanto tempo mandar dois berros à mulher.... mas não....dá para entender que a mulher está lá desde a fundação da escola e que os professores pelo contrário estão mais numa plataforma giratória e logística de distribuição pelo que ela vai lá ficar....

enfim, mais uns avisos porque aprareceram piolhos no oitavo ano, já há horários de oficinas, os pais devem escrever na caderneta as alergias e os problemas auditivos e a coisa passou mais ou menos sem que o Rousseau se sentisse desafiado ....

segunda-feira, setembro 17, 2007

O ritual

de autoflagelação que foi imposto hoje a um colega meu pareceu-me demasiado cruel para ser verdade. Hoje percebi o que devem ter sido os tempos da China de Mao no tempo da Revolução Cultural. Não se faz aquilo a uma pessoa com sessenta e cinco anos. Inacreditável. O que poderá legitimar uma aleivosia daquelas? Um dia talvez consiga entender o que será a puta da compaixão para um que tem sempre na boca a beatitude de um catolicismo que deve ser de uma versão anterior ao Velho Testamento.

quinta-feira, setembro 13, 2007

De facto

na hora da separação, confesso que com alguma acrimónia, agastado e desencantado, fico perplexo com o que se vai passando na Instituição onde exerci durante nove anos, o melhor que soube e pude, funções de docente, embora aparentemente com algum mérito.....

Mas fico sobretudo atarantado com o facto de na única instituição, que conheço a nível do globo todo, onde o decisor máximo (senão único) tem mais de noventa anos!!! e, em face de decisões já incompreensíveis e inverosímeis, todos os demais decisores ou "responsáveis" fingirem que nada se passa, que não é nada com eles. Que no meio do faz de conta o dinheirinho ao fim do mês não lhes falte.

Eu é que confesso, a uns dias de comemorar o aniversário do meu enfarte....., prefiro não arriscar outro....

sexta-feira, agosto 10, 2007

Eventualmente

um dia deste talvez venha a compreender esta coisa pós moderna da "governância" nas empresas. Para já, à pala deste conceito, um pouco por todo o mundo cresceram como hidras os orgão de controlo decisão execução planeamento supervisão...
Uma excelente desculpa para os salários e indmnizações e compensações e bónus absolutamente extraordinários e pouco católicos e pouco calvinistas.
O show particular dado nos últimos meses pela rapaziada do BCP, embora um pouco forçado pelo "outsider" Berardo, que parece ter mesmo particular prazer em ser inconveniente, é uma delícia.
Claor está a figura dos accionistas é verdadeiramente fabulosa. Parece ser necessário gostar de ser otário.

terça-feira, julho 17, 2007

Hard Line

A concretização do negócio da compra da Chrysler pela Cerberus parece simbolizar o triunfo da visão “hard line” em Gestão. Isto é, o abandono do pós modernismo que atribuía misteriosos good will a empresas cujos activos cresciam, as despesas explodiam e as vendas eram pouco mais que anedóticas, mas as acções subiam de modo consistente e incompreensível para aqueles que foram formados na escola da análise fundamental e que nunca tinham sido seduzidos pelos head and shoulders dos programas tipo MetaStock. O crash da “economia da bolha” terminou com esses delírios. De volta ao mundo real, a aterragem da Banca, entre outros, foi dolorosa. Hoje, a exigência de resultados palpáveis, i.e. mensuráveis em dinheiro é um must. Voltámos mesmo à sabedoria mais “ancestral” de um marketing em que dos quatro pês, só o pê do preço é que é mágico porque gera cash inflow. Todos os outros representam dinheiro a sair...

A Cerberus é uma private equity com uma, aparente, estratégia de portfolio de base financeira pura e dura. Embora se consultarmos o seu website sejamos presenteados com uma linguagem mais tranquilizadora e com uma aparente vocação industrial, o carácter do negócio parece ser bem mais simples. Comprar empresas falidas e produzir um turnaround rápido e eventualmente doloroso mas eficaz. Depois a empresa pode ser recolocada no mercado para venda. A Cerberus mereceu alguma atenção, recentemente, porque segundo a Business Week comprou nos últimos tempos empresas em valor superior a dez biliões de dólares.

Em boa verdade o fenómeno não é novo. A Omnicom , a Cendant , a LVHM, são apenas alguns exemplos de empresas cuja vocação financeira aparece aliada à vocação de gestão de marcas para segmentos ou actividades específicas. Mas a base financeira é inequívoca. A exigência de rendibilidade mínima de x% por ano é imperativa. Estas empresas, algumas cotadas na bolsa outras completamente privadas, utilizam métodos de portfolio para avaliar o sucesso dos posicionamentos das empresas que titulam e, em geral, são constituídas por meia dúzia de especialistas com formação em finanças. Uma das coisas curiosas sobre estas empresas é que toda a gente é vice presidente, mas basicamente vice presidente de si próprio...

Quem sabe, este será o modelo de gestão de futuro reservado ao ocidente. Massas monetárias geridas por magos financeiros sem espírito empreendedor nem interesse pela inovação, muito menos pelos produtos e serviços, nem pelos clientes ou colaboradores, mas que garantem rendibilidades interessantes aos participantes privados/accionistas/obrigacionistas. Sob o guarda-chuva protector de marcas telúricas, criadas para que os consumidores estabeleçam relações de lealdade para além da materialidade dos produtos, numa verdadeira dimensão e domínio de transcendência, (com as quais a própria Igreja aprenderá), com produções totalmente deslocalizadas, com I&D deslocalizadas, com serviços administrativos deslocalizados, com assistência técnica e call-centers deslocalizados. Tudo a caminho das actuais periferias, permanecendo nos centros, eventualmente, apenas as private equities que gerem estas verdadeiras networks de actividades e processos como puzzles organizacionais descartáveis e efémeros e que em gestão de modo entusiasmado se tipificam como loose couplings.

Entre nós, esta visão pura e dura, assente na separação clara entre propriedade e gestão, com a gestão contratada sem eufemismos para gerar efectivo e inequívoco valor para o detentor do capital não colhe muitos adeptos. Entre nós, além dos colaboradores e dos clientes são ainda claramente preteridos os accionistas em favor dos gestores de circunstância.

Possivelmente esta visão é um bocado “dantesca” e manifestamente exagerada. Não obstante tem algumas “virtualidades” como costumam dizer algumas pessoas em politiquês. Nomeadamente, e, como membros da private equity deste país, a de permitir perguntar se existirá algum inconveniente em proceder ao outsourcing de governação desde Bangalore...

©José Manuel Fonseca

terça-feira, julho 10, 2007

A retórica

Hoje em dia, somos bafejados pela afortunada aparição de produtos que nos oferecem quase tudo o que um cidadão da pós modernidade necessita para ser completamente feliz e integrado na sociedade e nos seus grupos. Objectos híbridos e minúsculos que nos permitem telefonar, ver filmes, assistir em directo à novela das sete, das nove, das dez e, quem sabe, mesmo e inclusive, a das onze, para além, de armazenarem as fotos dos casamentos, baptizados, festas realizadas em todo o hemisfério norte, mais os vídeos do National Geographic ou de todas as séries de conselhos práticos do it yourself do Turquemenistão, mais a nossa agenda com dezoito níveis de alarmes, para nunca esquecermos o dia em que se comemora o aniversário da primeira vez que comprámos uma garrafa de azeite no supermercado com aquela que viria a ser a nossa mulher (uma coisa que os homens tem particular tendência a não recordarem e que está na origem dos divórcios), armazenar os álbuns de músicas da nossa juventude, ter online os conselhos úteis para nos relembrarmos do que se espera de nós numa entrevista de emprego mesmo com tutorial de ensaio final, ligação automática de hora a hora ao centro de domótica lá de casa para sabermos da evolução do stock de alho francês na prateleira da esquerda do frigorífico, ligação contínua ao GPS localizado no telemóvel dos nossos filhos e com os mapas de Azeitão e Ullapool, marcação automática de consultas de reiki, monitor cardíaco, consulta de saldos do cartão de débito, planeamento fiscal...

No marketing, há muito que se fala de uma dimensão mental dos produtos. Para alem do produto em si mesmo (as suas características físicas, a electrónica ou a química da coisa, as dimensões, resistências, energias), e do produto “estendido”, com as suas assistências pós venda, garantias, peças de substituição e acessórios, há aquilo que cada um “vê” no produto. E, com correcta identificação dos segmentos de mercado e das idiossincrasias de cada um, pode-se “desenhar” a politica de comunicação adequada à motivação da acção de compra por parte de pessoas convencidas ou persuadidas que irão adquirir, por exemplo, através de um mero leitor de mp3, a entrada para a galeria dos famosos, senão do país, pelo menos do salão de cabeleireiro da paróquia. A posse dos produtos, já nem sequer estamos a falar de utilização, porque a utilização é por vezes bastante complexa e incerta, está associada, a significados que transcendem as suas características funcionais e reais. Neste sentido, assistimos à explosão da dimensão “retórica” dos produtos. À construção de mensagens que nos transportam para universos paralelos e fabulosos de fantasias mais ou menos benignas, se, nos deslocarmos a um qualquer estabelecimento e adquirirmos um magnifico e extraordinariamente exotérico seguro de acidentes pessoais ou automóvel...

No meio deste mundo admiravelmente novo emergem palavras que comportam ressonâncias arcanas e mágicas como Customer Satisfaction! Em qualquer universidade que se preze, mormente já em Bolonha, a litania da satisfação do cliente deve ser administrada como um mantra. Embora na próxima revisão da coisa se deva, quem sabe, ensinar aos alunos os simples sistemas de equações de trinta e quatro variáveis necessários para descodificar os planos de tarifários das operadoras de telecomunicações...

E, é difícil não sermos contagiados por este verdadeiro vírus da felicidade, quando passados os dois anos de garantia do produto, é mais barato comprar um produto novo que mandar reparar o antigo, sendo que o novo produto já tem mais cem milhões de pixels que o antigo, ou as rpm mais que triplicaram entretanto, ou quando, ainda dentro da garantia, apenas passados dois ou três meses de espera nos devolvem o produto completamente novo e com um chip de cem “menréis” devidamente reparado na Lapónia Oriental...

Eu confesso que, enquanto aguardo a realização do sonho de um vida inteira, de ter um telemóvel que me permita ver em cinemascope o último episódio da novela das seis, não me importava de possuir produtos que simplesmente funcionassem...
©José Manuel Fonseca

segunda-feira, julho 02, 2007

A Não Comunicação

Todos os dias inventamos coisas novas e sofisticadas para evitar falarmos uns com os outros olhando-nos de frente. Parece um paradoxo na era dos telemóveis cada vez mais sofisticados e dos milhões de esseêmeesses que se trocam, dos emails, da internet 2.0 com comentários online e fóruns para tudo e para nada....

Pois é. Mas, não obstante tanta fartura e variedade, fazemos cada vez mais esforço para nos evitarmos. Claro que é impossível não comunicar como sustentou o Paul Watzlawick em divertidos, e por vezes inquietantes livros, mas nós persistimos em inventar formas de não comunicar. Sobretudo de não conversar. Simplesmente conversar sobre as coisas e sobre os problemas. Não senhora. Fazemos logo uma reunião, ou várias, com actas. E anexos. Tudo o que evite ter de enfrentar o problema e o possa reduzir a coisas que se possam arrumar em procedimentos. Idealmente desenhamos mais um belíssimo sistema de gestão documental.

E regulamentos. Regras, normas. Abstractas, impessoais. Protectoras. Aqui há uns anos, entrei numa sala de aula que tinha um aviso seco, frio e formal. “É proibido utilizar telemóveis durante os exames”. Pensei imediatamente que os alunos tinham dado algum passo em frente nas técnicas de copianço. Que algures no bar da faculdade uns comparsas de livros abertos estavam a enviar por sms as respostas ao exame. Ou que por auriculares minúsculos e disfarçados pelos cabelos e perucas recebiam as respostas vírgula a vírgula. Mas não. Não era por causa desses manhosos. Tinha acontecido que um assistente de direito, durante uma prova, se entretivera a ditar umas minutas de cartas e outras importantes deliberações, à secretaria. Que no escritório tomava notas, de forma, quiçá, pouco diligente, porque o assistente berrava desalmado e insultava a dita secretaria que possuiria apenas uma escassa percentagem do cérebro, para além de moral sexual duvidosa...

Claro que até à sexagésima fila da sala de exame (que possuía apenas dez filas...) a rapaziada teve dificuldade em se concentrar, não conseguiu responder às perguntas, agitou-se, mas evitou chamar a atenção do assistente que, já se sabe, tem a faca e o queijo senão na mão pelo menos à mão de semear. E, depois, claro está, pela calada fez queixinhas ao director da faculdade. O assunto mereceu superior consideração e, em lugar de se chamar o assistente e de lhe pedir encarecidamente que não repetisse a façanha, ou, quem sabe, perguntar-lhe se era assim um imbecil de modo consistente ou tinha sido meramente episódico o fenómeno. Não senhora. Fez-se uma regra abstracta, pública, dirigida a todos, mesmo os noventa e nove por cento dos que nunca lhes tinha passado pela cabeça serem tão idiotas. Com essa regra, insultou-se a inteligência de muitos mas, poupou-se a alguém um confronto que eventualmente poderia ser penoso e comportar angústias ou mesmo medos.

Na área da gestão de carreiras, de atribuição de recompensas, de promoções, de avaliação de desempenho também se observa este esforço insano para evitar a comunicação face a face. Evitar confrontarmo-nos com o “outro”. Temos arranjado múltiplos sistemas de pontos e critérios e ponderadores para reafirmar e sublinhar o que toda a gente sabe à partida. Mas que aparece disfarçado em fórmulas, para que não sejamos forçados a explicar as escolhas, que toda a gente sabe que já estavam feitas mas que deste modo realmente “científico” ninguém tem de argumentar.

Um dos sintomas de esquizofrenia organizacional consiste no avolumar destes procedimentos que nos protegem das ansiedades da vulgar conversa e da descoberta que o outro é um ser muito razoável e até simpático...

© José Manuel Fonseca

O Plano de Negócios

Parece que nos encaminhamos para a “empresarialização” das escolas públicas. Aparentemente, as escolas primárias e secundárias terão de encontrar “unidades de negócio” alternativas como forma de financiamento das suas actividades escolares e da renovação das suas instalações e equipamentos. Os professores, para além das aulas propriamente ditas, poderão ter de se preocupar com a “rentabilização” dos espaços e equipamentos. Talvez num futuro não muito distante possam também “rentabilizar” os recursos humanos, quem sabe através de inovadoras actividades de fabrico de croquetes, serviços de catering, de karaoke e de jongleurs...

No fundo nada que não ocorra já em muitos estabelecimentos por esse pais fora. Há, contudo, uma diferença entre poderem recorrer ao aluguer de espaços ao fim de semana, como forma de arredondarem os parcos orçamentos, e a “necessidade”, ou imperativo, de se preocuparem com a “rentabilização” dos recursos tornando-se mais especializados em eventos e tendo deliberadamente de concorrer com empresas vocacionadas para essa actividade. Supõe-se que, apesar desta descoberta sociológica do fascinante mundo empresarial, os professores, quem sabe alguns deles ao menos, continuem a ter como missão ensinar os alunos.

Mas, nesta onda e na trajectória, podemos ir bem mais longe. Rapidamente poderemos assistir a aproximações de marcas e empresas que poderão oferecer patrocínios apelativos. A troco da visibilidade de cartazes no interior, ou para o exterior, das escolas, as instituições poderão ter chamadas de telemóvel mais baratas, vouchers de desconto no Feira Nova, quem sabe poderão receber computadores portáteis, a troco de visionamento de publicidade nas salas de aula, poderão receber material multimédia, a troco de corners temporários poderão receber equipamentos de educação física dignos de ginásios de topo, a troco de stands permanentes e alternativas ao bar e à papelaria, podem-se assinar contratos mais completos de apoio. Daqui a presenças na sala de aula no tempo lectivo é um curto passo. E porque não manuais escolares patrocinados por marcas de chocolates, yogurtes ou de roupa cool?

O projecto educativo do ciclo da água pode ser substituído pelo importante ciclo de fabrico de ténis em qualquer sweat shop na Ásia. A circulação do sangue nos seres humanos pode ser vista em cd rom em casa e na sala de aula pode ser substituída pelo ciclo de fabrico de hambúrgueres de uma qualquer marca de franchise. Os projectos de “investigação” criadores de “competências” poderão ser apenas formas de arranjar ainda mais dinheiro para as escolas. Por exemplo, e sabiamente contornando as leis de trabalho infantil, podem-se instruir os miúdos para recolherem inquéritos de mercado preenchidos pelos alunos e famílias, e por transeuntes nas bombas de gasolina ou nos centros comerciais. Promovendo ainda uma política activa de “estágios” dos alunos no sector da macdonaldização de empregos para adolescentes. Tudo isto resultando em sérios incrementos da capacidade de interacção social dos alunos e de fortíssimo reforço da “empregabilidade” da população escolar.

Tudo isto me parece bastante legítimo e lógico. Pelo menos numa sociedade em que a preparação das crianças para a vida passe a enquadrar a preparação para os actos de consumo. Poderemos finalmente reduzirmo-nos ao momento de consumo. Sem passado e sem futuro.
© José Manuel Fonseca

quarta-feira, junho 20, 2007

Tradição

Existe um sitio onde aqueles que podem mandar o fazem com particular, e tradicional, desconsideração dos demais. Neste periodo antes das férias estivais torna-se mais saliente esta tradição de aviltamento da dignidade dos outros. Existem populações inteirinhas que aguardam ansiosas o descortinar se continuarão a constituir fauna da Instituição no ano lectivo seguinte. Eu, por mim, admiro profundamente os seres titânicos que títulam, deste modo soberano, a vida dos outros. E, claro está não há míngua de criaturas que esperam venerandas a suprema e sábia decisão sobre o seu direito à vidinha e à sopinha. Há, claro está, também os mal agradecios, os mal formados que já preparam o processozinho em tribunal...

Os que mandam, entretanto, não comunicam uns com os outros pelo que de vez em quando saem "novidades" e contra novidades num circuito particularmente esquizofrénico. É um sitio onde a teoria do double bind do Bateson ganha um significado novo. Dir-seia mesmo uma banalização assinalável.

O que seria da nossa vida sem aquela grande inovação das gargalhadas enlatadas.

segunda-feira, junho 11, 2007

e todos comeram dos restos do banquete...

ainda há dias tive de comparecer numa daquelas sessões de fustigação que se constituem rituais de sofrimento desnecessário... finalmente compareceu o senhor morgado que informou a plebe que há restos de comida para todos os que decidirem passar da penhora do ser para o rastejar definitivo e sem eufemismos....

não faltou quem ficasse venerando e agradecido...eu por mim sempre pensei que o feudalismo era coisa dos livros de história mas afinal é de beija mão e genuflexão bem vivinha da silva....

segunda-feira, maio 14, 2007

Agora que se aproxima o Exam...

retorna o famoso Dicionário de Economia e Gestão para candidatos à McKinsey*

* com o patrocínio do Domestos III sabor a Maracujá e sobre o livro do Economist Guide To Management Ideas do genial Tim Hindle

ETA Zurich 13:42

É aparentemente difícil aceitar que a jornada não possui destino final que possamos conhecer antecipadamente. Que a cada manobra, criamos colectivamente infinitas possibilidades de portos ou apeadeiros finais sem que se vislumbre qualquer deles. Aparentemente, não concebemos que o prazer está na jornada e não na chegada. Porventura, o que nos resta tem então a ver com a qualidade da participação na viagem, e não com a possibilidade de melhorar o planeamento da rota.

E Deus? Perguntam algumas pessoas de vez em quando. Bom, há lugar para Deus. Não o Deus das cartas e rotas pré-definidas e totalitariamente acabadas. Mas o Deus da possibilidade e da escolha de viajar.

quinta-feira, maio 10, 2007

Normalidade

Não sei se já repararam mas todos temos acesso a uma distribuição normal de moscas...
Isto é, por um lado não há maneira de evitar que os ricos tenham acesso gratuito à sua dose de moscas, mas por outro lado, os ricos por mais que se esforcem não consegue monopolizar as moscas todas para si. É uma coisa que dificilmente os próceres da economia mais fundamental terão oportunidade de privatizar.

De igual modo quando fenecemos todos temos igual direito a apodrecer e a uma dose razoável de vermes que tomam por pitéu o invólucro em que circulamos na nossa existência ...e não há maneira de alguns de nós cheirarem a Channel 5 depois de bater a bota....

é reconfortante...

sábado, maio 05, 2007

A Injunção

Um dos problemas mais dramáticos que enfrentamos é o risco enorme que corremos de ser felizes. De modo que, por todo o lado, se observa um esforço titânico para minorar significativamente esse horizonte. Por vezes, este esforço, chega ao nível de assinalável profissionalismo. Mas são ainda poucos os que obedecem ao imperativo de um esforço continuado e sistemático de vigilância. A maior parte de nós é pouco diligente na redução desse risco.

segunda-feira, abril 30, 2007

sexta-feira, abril 27, 2007

O momento

À escala do tempo atómico, a pequena perturbação introduzida pelos recentes acontecimentos políticos não será registada por nenhum observador galáctico. Infelizmente, tratamos de assuntos menores e com figurantes de opereta numa companhia que já se arrasta penosamente por feiras de província. Não obstante, para aqueles mais motivados para assuntos de intendência, a coisa é séria. Mas, bem vistas as coisas, a sucessão será uma questão de zapping. Em breve, a estes pantomineiros seguir-se-ão outros de igual qualidade, e, a encenação será de novo facilitada pela fraca audiência cuja exigência é apenas que as pipocas estejam quentes.

O Dia de Todas as Excitações - O tribuno

É para dias como o de hoje que este blogue existe. Dias ímpares na tugalândia. Dias em que nos aproximamos do céu. Não o céu dos poetas, mas um proxy. O céu dos figurões. Alguém sentirá, ou está já a sentir, o inebriente caminhar nas nuvens. Elevado ao clube dos eleitos. Não pelo voto dos energúmenos mas pela escolha dos seus pares. Em circunstâncias destas, é sabido que a visão se torna em farsight, o ouvido médio passa a sintonizar música celestial. O cérebro sofre mutações e convulsões. O Ser cresce mesmo alguns centímetros. Relativizam-se as coisas espúrias. Estas alvas e castas figuras elevam-se acima do Monte Olimpo e revela-se-lhes em toda a sua beleza o segredo da vida politica. É a verdadeira ascensão ao grau trinta e oito do segredo dos pedreiros livres. Para nós que ficamos cá em baixo, a olhar o vazio e os, ocasionais, pontos brilhantes, quais estrelas cadentes, só nos resta tomar como nosso o êxtase alheio....na certeza que amanhã, ou quiçá depois de amanhã, uma vez que mais uma vez temos a hipótese de resgatar a nossa impotência numa vitória efémera de futebol, poderemos voltar ao quotidiano mais descolorido mas perene e certo. Menos excitante, mas conhecido, menos desafiante , mas para o qual já construimos variadíssimos mecanismos de defesa.


e não é que somos de novo favorecidos pela bondade do tribuno em perder tempo connosco?! Bem haja.

terça-feira, abril 24, 2007

Reposta a estabilidade

está quase reposta a normalidade certificada. O túnel abre ao público e aos veículos. O Portas voltou ao PP. O Pinto da Costa lançou um livro. O Isaltino não se demite. A Universidade (?!) Independente será substituida por outra sendo a primeira fechada num acto digno da proposição sublinhada pelo Watzlawick. Se cumple pero no se hace.

terça-feira, abril 17, 2007

de uma vez por todas

Ontem decorreu mais um debate sobre temas de importância crucial. Mais uma uma vez se apelou a que se resolvessem questões de uma vez por todas. Mais um exercício inútil de retórica, que nunca acabará nem de uma vez por todas...

sexta-feira, abril 13, 2007

Coito Interruptus

Uma das consequências do fenómeno Independente e diplomas sem livros de termos foi a questão da pressão a que alegadamente foram sujeitos os querubins, perdão, os directores de alguns meios de comunicação. Ficámos a saber que houve pressão mas não foram condicionados. Estamos mais tranquilos. Portanto o acto não foi levado até ao fim. Nenhum dos cidadãos corre o risco de emprenhar.

terça-feira, abril 10, 2007

O fio de prumo

O meu pai um dia, a propósito de um comentário meu, virou-se para mim e disse-me que eu nunca deveria alugar o meu cérebro a ideias de outros nem fazer trespasse da minha dignidade por dinheiro algum. Na altura, era eu estudante universitário, ficaram-me retidas as metáforas. E, claro está o sentido da coisa. Hoje, eu próprio começo a ser questionado pelos meus filhos, estando na altura de lhes começar a transmitir valores à medida que a atenção deles se desloca, por vezes...., do gameboy para o que acontece na sociedade à volta deles. Claro que já se falou do diploma mais famoso deste país. E claro está que eu recomendo vivamente que se esforcem e dignifiquem a sua vida com a progressão das suas aprendizagens. Claro está que não me mostro excessivamente entusiasmado quando me dizem que foram os melhores da turma, e digo sempre que a mim e à mãe basta que se tenham esforçado honesta e diligentemente. Os resultados acontecem com naturalidade como resultado do esforço e da honestidade, que não é preciso ser sempre o melhor em tudo nem em nada. Claro está que mais cedo ou mais tarde me podem perguntar se no final isso é assim tão importante e mesmo necessário. Claro está que nessa altura se calhar me posso lembrar doutra vez em que o meu pai me disse que apesar de ser perfeitamente possível viver como uma puta (e ele sempre se referia àqueles e àquelas que vendiam outras coisas que não a carne...) mas que no fim da vida quando olhamos para trás poderemos sentir vergonha ou orgulho ou alívio ou satisfação. Tudo dependia do que queriamos sentir quando estivessemos na vêspera do fim. Pode ser divertido ser capa de revista cor de rosa ou mesmo cor de merda mas deve ser fodido passar a vida a esconder os fantasmas no armário.

quinta-feira, abril 05, 2007

O lodaçal e a porcalhota

Nos últimos dias temos assistido a uma novela deveras hilariante. A intriga, a trama é excelente. Os personagens também são óptimos. E quase todos os dias há uma pequena variação que mantém a tensão e a possibilidade de surpresa e reviravolta.

Já mete dó a involuntária participação do senhor ministro da Ciência em figuração, que é de facto incómoda, no papel de ceguinho. Tem de conseguir um equilíbrio de trapezista. Não enterrar mais o chefe no lodaçal da coisa e tentar sair ileso da dita cuja. Quadrar círculos foi sempre coisa delicada. O chefe por enquanto reservado aparecerá no final como herdeiro da fortuna da tia Genoveva ou como detentor do genuíno coelho da cartola. Lugar maldito parece ser o de reitor. Finalmente terá sido ocupado por um cavalheiro doutorado embora ainda na semana passada. A lista de ex alunos da bendita universidade é notável. A lista de ex professores aparentemente também. Igualmente notável a lista de doutores da mula ruça que eventualmente terão, pelo menos, acabado o liceu mas que foram ou serão potenciais vice reitores quando não mesmo reitores da coisa.

No meio desta ópera bufa é bem possível que a audiência comece a suspeitar que a Universitas é afinal um local de comédia e de gajos cuja característica estatística mais saliente é que dão peidos e arrotos. Pelo menos assim parece. E não há maneira de alguém contrariar a flatulência...

Convinha manter o carnaval quotidiano mas, quiçá, evitar descer já para a porcalhota assim de modo tão abrupto.

domingo, março 18, 2007

A ascensão do irrelevante fútil

Fascinante o número de objectos que adquirimos e as suas propriedades mágicas. Há tempos tive de trocar a pilha num relógio. Aparentemente o dito tinha de ser enviado para longe por forma a que pessoal especializado procedesse à troca da pilha repondo a "estanquicidade" da caixa, possibilitando de "novo" que o relógio mergulhasse a 200 metros de profundidade. Toda esta operação custava o suficiente para adquirir dois ou três relógios novos e demorava pelo menos umas semanas... Em alternativa gastava uma quantia insignificante e fazia logo ali, no relojoeiro, a troca da pilha e o relógio continuava a dar horas...
Ora como nunca o bendito relógio mergulhara a "200 metros".... a coisa ficou logo ali resolvida....

Depois, olho em redor e tenho forma de arquivar a história de vida da população inteirinha do hemisfério norte. Mais as fotografias das respectivas famílias nos últimos seis séculos e os videos das festas de anos e de Natal. Possuo numa única divisão da casa mais capacidade de armazenamento de informação que o governo norte americano dispôs na década de sessenta no período do psicopata que comandou o FBI...
toda esta capacidade de armazenamento de informação jaz por aqui e por ali...
presumivelmente nunda darei uso (ou bom uso) a tantos teras de capacidade, mas parece haver um conforto em tanta redundância e tanto excesso....

quinta-feira, março 15, 2007

As Classes e a falta de classe

Ainda hoje um amigo meu me chamou a atenção para as classes na nossa sociedade e para a fraca mobilidade social. Existem, para mim, pelo menos duas classes. Uma que parece estar vacinada à partida e por definição. Estas pessoas por natureza e com naturalidade circulam entre ocupações e postos independentemente da sua competência ou vocação. Estas pessoas possuem uma espécie de direito natural a ganhar uma remuneração pela simples razão que existem e ocupam espaço físico e temporal. Reajem muito mal às manifestações de terceiros pela mesma sinecura que parecem possuir sem necessidade de justificação.

Ainda esta semana fui muito desagradavelmente surpreendido por uma destas criaturas. Aparentemente, eu, membro inequívoco da outra classe, a que tem de se penitenciar e pedir desculpa por existir e por usufruir de um income em troco do seu trabalho, portanto uma classe que tem de expiar uma "culpa cristã" sem hipótese de redenção, fui amavelmente aconselhado a sacrificar-me pela "Instituição" em que ocasionalmente a criatura desempenha magnificas funções. Mais, estaria eu em débito irresolúvel e perene por a "Instituição" me ter "aceite de volta" quando há algum tempo eu miseravelmente trai a "confiança" depositada em mim e saí. O facto de por defeito ou por mérito ficar sempre entre os melhores avaliados na bendita "instituição" de ter um passado na dita, parece não contar. O tempo é, assim, sempre o presente e o potencial no futuro. Mas, para a outra classe, a das criaturas, nem sequer existe essa dimensão de tempo. São imortais. São verdadeiros titãs e seres arcanos. Na feira de carcavelos podem-se comprar em bonequinhos. Sem classe nenhuma.

segunda-feira, março 12, 2007

A ilusão

uma das coisas que me interessa, é a criação de realidades imaginária, através das quais as pessoas racionalizam o que lhes acontece no quotidiano, e as ameaças que sentem advir de uma realidade fragmentada, imprevisível e sem vinculação aparente entre as coisas. O post anterior ilustra os rituais de "qualidade" que nos atormentam mas que diligentemente e sem sentido crítico (só às escondidas e com pessoas de confiança ou em voz baixinha...) deixamos correr sem questionar da irracionalidade da liturgia e da litania e, sobretudo sem perguntar onde está a qualidade que era suposto resultar disto tudo. Mas, noutras áreas de sofrimento humano também nos deixamos ir atrás de realidades virtuais. Outra palavra mágica é a "mudança". Porquê? porque sim. Basicamente toda a gente sabe que tem de mudar. Porquê e para quê aparentemente ninguém sabe a não ser que mobilize como justificação outras abstracções. A eficiência. O progresso. A modernidade. A sobrevivência. Como se medem estas coisas? Como se evidenciam? Ninguém parece saber ou concordar....

sexta-feira, março 09, 2007

Psicopatia Geral

De vez em quando meto-me em sarilhos. Quer isto dizer que de vez em quando meto-me no meio de processos e projectos com chancela de qualidade e subsidiados pela União Europeia através de uma qualquer das suas incontáveis directorias e subdirectorias e agências e comissões e grupos e comités ou outra qualquer designação. Nas duas últimas semanas tive de dar uma formação (um dia inteirinho) a dois grupos de seres humanos. Em negociação e aspectos associados com a persuasão e vendas e compras de utensílios domésticos ou maquinaria e alfaias agrícolas.

No início da sessão distribuí um questionário de avaliação de conhecimentos que se repetia no fim da sessão. É, naturalmente, suposto que uma atenta análise comparativa entre os dois questionários assinale, evidencie, demonstre uma evolução durante o dia, mercê da excepcional formação "recebida"... é, portanto, suposto que a formação ilumine as almas e o caminho teleológico daquelas pessoas que sem, aquela formação em concreto, teriam como destino, eventualmente, o negrume do falhanço social económico familiar e pessoal. Através de múltiplas sessões de formação como aquela, e da óbvia evidência da progressão, as pessoas resgatam-se do desespero. Qualificam-se. Elevam-se.

Claro que além deste questionário há ainda mais papelada para preencher. Utilíssima. O formador, será julgado pelos formandos. Pode-se dar o caso do formador não possuir qualidades suficientes para ajudar, no processo de elevação ao nirvana, daquelas pessoas. O formador também deve preencher uma folhinha por cada formando. Pode-se dar o caso do formando não vislumbrar a genialidade do sistema e de não ser merecedor da participação nestes benfazejos cursos e processos. Há ainda as folhas de presenças, as folhas de sumário por sessão, as folhas de objectivos por sessão, o plano da sessão propriamento dito e as folhas de incidentes e anomalias e não conformidades, bem como o relatório final.

Dúvido, claro está, que algum destes inquéritos passados em milhares de formações não demonstre que os formandos melhoraram imenso (num único dia...), que os formadores não sejam todos quase semi deuses, e que os formandos não tenham demonstrado enorme empenho, dedicação, atenção, vontade de aprender e particpação construtiva.

Claro está, uma parte substantiva da sessão de formação é gasta a preencher esta papelada que no final será inspeccionada e terá de bater a bota com a perdigota...

quarta-feira, fevereiro 28, 2007

Prazer

Estou neste preciso momento a assistir à defesa de uma monografia de mestrado por uma pessoa que orientei. E há momentos, como docentes, em que sentimos um certo orgulho. Este é um deles. É clarissímo que o candidato nada me deve em termos da excelência da defesa que está a produzir. Nem sequer em termos do trabalho que apresenta, embora o tenha elaborado no quadro de teorias e métodos que eu subscrevo e de que até possuo laivos de autoria, mas no fundo isso é irrelevante.

Eu estou apenas orgulhoso de ter podido ajudar e estar associado ao seu trabalho. É raro ver um professor agradecer aos alunos que teve o simples facto de o terem sido. É o que eu pretendo fazer quando chegar a minha vez de falar.

sexta-feira, fevereiro 23, 2007

Surrealismo e infelicidade

lá terá de ser...pode bem caracterizar a atitude e a emoção que me assalta neste momento. Estou no meio duma "infindável" reunião cujo horizonte se espraia se estende se expande até pelo menos ao meio dia e meia... nesta reunião estão contidas as razões pelas quais a Europa está a perder todo o balanço em relação à China e aos Estados Unidos...

É, claro está, uma reunião cheia de "boas vontades" e, em que um conjuto absolutamente irrepreensível (e absurdo...e claustrofóbico) de procedimentos pretende substituir o "mercado". O que se traduz numa retórica absolutamente inenarrável de paternalismos e presunções e água benta...

Isto tudo, tem tendência a produzir "realidades" que batem certinho no universo fictício da "papelada", que helás, agora já é digital.

quinta-feira, fevereiro 22, 2007

Carnaval

No meu outro blogue em que um dos motes é que neste país é carnaval todos os dias, vai sendo difícil arranjar posts que se distingam da banalização do carnaval quotidiano em que vivemos. Todos os dias há desfiles em múltiplos e variados locais e momentos e com personagens inusitadas ou habituais. Só que já são tantos e ao mesmo tempo que é impossível manter um registo de todos.

sexta-feira, fevereiro 16, 2007

A propósito

da onda de excitação que invade uma certa, ou melhor, certos extractos da intelligentsia lusa, à esquerda ou à direita com a eleição de figurantes das peças de teatro já executadas, também tenho um pequeno contibuto. Não que seja especialista na coisa. Nem por sombras. E fico mesmo quase constrangido perante gente que deve ter lido o Pascoaes, mais o Pessoa, o Vieira, o Mattoso, o Lourenço, o Cortesão, o António José, ou pelo menos a monografia do Miguel Real.
Eu confesso desde já que dei uma vista de olhos. Mas foi de vistas curtas. E, estou seguro, que deve haver aqueles que foram ainda mais dentro da problemática e tem o António Quadros e o Pinharanda Gomes. Eu, por mim, já saber enunciar estes heróis do Joachim dei Fiori é um monumental achievment.
Mas regressando ao Salazar. Parece que o homem teve inúmeras virtudes e pairou acima da carne do pecado e da tentação. Quase um santo, que nos deixou largamente abastecidos de poupanças, economias de uma vida de asceta que impôs com grande gosto aos demais sem cuidar de lhes escutar preferências ou opiniões. Foi, isso é certo, um grande gestor das invejazinhas entre os industriais e banqueiros. Esse mérito ninguém o pode retirar. Dividir para reinar é um truque de prestigitador bastante conhecido qualquer manual de estratégia do it youself nos diz isso. Mas entre o enunciar e o fazer há um mundo de obstáculos. Que o nosso herói foi ultrapassando até à malograda queda e metafórica cadeira. O nosso herói foi um magnifico gestor da adrenalina nacional, da seiva da lusitaniedade, a invejazinha que nos corrói. Sempre desejámos ao "outro" que amouchasse com o focinho no chão como nós. E isso parece que o psicólogo Salazar compreendeu muito bem. Tanto melhor. Venham mais beatos como ele. Mantenham o aeroporto aberto.

quinta-feira, fevereiro 15, 2007

Tem dias

em que é muito difícil fingir que somos idiotas e que acreditamos nas peças de teatro em que, segundo o Goffman, participamos na nossa vida social. Alguém me devia ter avisado que à medida que se vai envelhecendo estes papéis que temos de desempenhar são, crescentemente, cansativos e monótonos.
A natureza humana e a sua condição são bem mais simples que o que parecem. Qualquer observador distraído ao fim de algumas repetições começa a notar regularidades. Ter de fingir que se acredita que um qualquer figurante da peça em representação está preocupadissímo com os seus concidadãos começa a requerer uma dose de energia que já não está à mão de semear. A dramaturgia é, afinal, muito mais pobre do que se supunha. Os encenadores são medíocres, os actores bastante amadores e a cenografia está a cair aos pedaços. Fingir que se leva isto mesmo a sério é o diabo. Eu confesso que me é penoso. Tem momentos em que nem sei como é que ainda não me desmancho a rir incontrolavelmente.

quarta-feira, fevereiro 14, 2007

O meu pai

faria hoje 76 anos. E faz, hoje. exactamente nove meses que ele morreu. Era a pessoa mais generosa que eu conheci, tinha um sentido de humor terrível e paradoxal, uma parte do qual consegui herdar. A generosidade e a capacidade de perdoar é que não herdei. Uma vez, tinha eu uns quinze anos, a caminho do monte no Alentejo, parou o carro saiu e mandou-me fechar os olhos, perguntou-me o que é que eu via. Nada. Pois é isso mesmo que vais herdar de mim, vou dar-te o que puder em vida, mas não esperes grandes heranças. Deu-me um mundo em vida. Outra vez, já eu era adulto e pai, pergutou-me se eu ficava aborrecido com o facto de ele dar dinheiro a pessoas da família e a amigos ou pessoas que simplesmente precisavam de ajuda. Como se eu tivesse direito a reclamar ou tivesse o direito de realmente ficar aborrecido. Fiquei um pouco embaraçado e sem saber o que dizer. Que o dinheiro era dele, que eu não tinha nada a ver com isso. Mas ele fitou-me e voltou à carga. Apeteceu-me abraça-lo e dizer que era um pai sem igual. Mas um gajo nestas ocasiões mantêm sempre a puta da compustura e voltei a dizer-lhe as mesmas merdas que já tinha dito. Podia ter-lhe dito que raramente se conhecem pessoas como ele, com capacidade de olhar realmente para o "outro" e para o compreender sem julgar, que ele encarava as dificuldades da vida com resignação mas sempre rindo-se na cara da adversidade, o que nos dava um suplemento de coragem.

As memórias já vão sendo mais doces, embora me custe ainda escrever sobre ele. Lembro-me de um dia chegar a casa e ele estar com o neto, o meu filho mais velho, sentados no chão da sala reordenando por cores os cd's que estavam espalhados num mar... devo ter ficado embasbacado e chateado, eles olharam pra mim encolheram os ombros e continuaram...

Nunca lhe ouvi nenhuma recriminação aos muitos que se aproveitaram da generosidade dele nunca devolvendo empréstimos. Nunca lhe ouvi expectativa de reconhecimento ou de agradecimento de terceiros. Fazia porque achava que devia fazer. Dava porque achava que devia dar e sempre sem expectativa que alguém sequer viesse agradecer. Nunca aguardou louvor. Pediu-me, quando me tornei adulto, que não me vendesse. Foi quando me contou a história do meu avô, o pai dele, e me relembrou episódios da vida dele. Não aceitar dinheiro que não tem o nosso nome. Não trocar por dinheiro a nossa dignidade, a nossa consciência a nossa alma. Obrigado pai por me teres ensinado que há um conforto gigantesco em podermos olhar os outros nos olhos, podermos circular por aí de queixo levantado mesmo que a roupa que podemos vestir já não estejam na moda e o orçamento seja curto para parecermos o que nunca fomos.

Gostaria apenas de vir a ser, para os meus filhos, um bocadinho daquilo que ele foi para mim. Se isso acontecer terei sido um ser humano decente. Ele era excepcional. E eu tenho muitas saudades dele.

terça-feira, fevereiro 13, 2007

Conversas do Quotidiano Vulgar (12)

Nick Quase Sem Cabeça

A maior parte de nós consegue passar pela vida balbuciando escassas centenas de vocábulos. Não necessitamos de articular mais do que umas dúzias de frases para nos fazermos entender. Com ou sem inovações bizarras no domínio da semântica e da sintaxe, o país “real” sobrevive magnificamente com recurso a um léxico reduzido. Gente famosa ou gente com aspiração à fama entendem-se às mil maravilhas nestes códigos simples. Se o leitor ou leitora deseja dominar esta linguagem basta-lhe adquirir algumas revistas e frequentar salões de cabeleireiro. De facto a coisa é indolor. Não requer, sequer, muitos neurónios funcionais.

O mundo, por outro lado, acomodou-se a esta existência. A sociedade não é, realmente, feita de instituições, de processos ou de sistemas. Luhmann estava profundamente equivocado. O “tecido” que serve de base à sociedade são os “eventos”. Podem ser “escândalos”, “casos”, “doenças”, quaisquer “dificuldades” ou “aspirações” menores ou maiores das pessoas “que são faladas e fotografadas”.

A sociedade é, realmente, um continuum de descontinuidades. Aparentemente, todos os eventos são, por natureza, singulares. Não existem conexões entre eles. Constituem um borbulhar aleatório e espontâneo. O “próximo” episódio simplesmente toma o seu espaço na arena social substituindo o escândalo anterior. Não há memória. São eventos singelos sem relação e não existe a possibilidade de aprendizagem. Nada é legado ou transmitido. Numa sociedade sem aprendizagem e sem memória em que não há legados, não há tempo, apenas coisas que se sucedem umas após as outras. Numa sociedade em que não há tempo, há apenas caras que se tornam iguais, gestos iguais, pessoas que se repetem como clones. Nesta sociedade, precisamos de poucas palavras para nos entendermos.

É o triunfo final do solipsismo, o tempo é aqui e agora e só eu existo. Sem estes “eventos” não existe vida. Nem imprensa. Nem politica, nem políticos nem jornalistas. No limite trata-se de estar num determinado espaço e tempo e produzir uma ou outra afirmação sobre os benefícios do botox ou da última cirurgia plástica às mamas que alguém fez ou pensa fazer. Ou sobre o que comeu fulano ou fulana. Ou sobre a atribuição de recursos para uma obra. Ou sobre a instalação de uma empresa num concelho. Ou sobre uma pessoa que morreu porque demoraram sete horas a transportá-lo para um hospital. Ou sobre uma criança, mais uma, que era queimada com cigarros por um “pai” psicopata. Ou um futebolista que estava bêbado mas a lei foi aplicada na versão suave porque sim. Uma hora depois, estas coisas pereceram, e foram substituídas por novas afirmações sobre outras coisas quaisquer. O período de vida útil de um “evento” é inferior ao de um iogurte. É também, o triunfo final do nihilismo. Tudo se torna igual e equivalente. Muito embora não seja realmente verdade, parece que todos poderemos aceder a tudo. Todos podemos ser famosos. Esta é a suprema ilusão de uma sociedade sem memória e sem tempo. Parece. Tudo parece. Pouca coisa é.

© José Manuel Fonseca

sábado, fevereiro 10, 2007

O Retorno

Daqui a algumas horas (dia e meio...) regresso à minha actividade de iluminar as almas que se me apresentam sequiosas de aprender as mágicas.... adiante...regresso, portanto, à actividade docente. Ironicamente, é uma espécie de restart, porque foi justamente no arranque do semestre anterior, perante uma turma a quem fiz a apresentação da cadeira, que me começou a dar aquilo que mais tarde aprendi ser um enfarte agudo do miocárdio. Portanto, após seis meses de multiplas aprendizagens sobre problemas coronários, antiagregantes plaquetários, vasodilatadores, tensões arteriais, necroses, escleroses e outros interessantes assuntos, eis que, de novo, e já no entusiasmante contexto da interpretação nacional do sistema de Bolonha, volto a comparecer perante uma mole humana para dizer coisas inteligentes e inteligiveis. Enfim, melhores dias virão.

terça-feira, janeiro 30, 2007

A disponibilidade

Causa-me alguma estranheza a profusão de gente que se disponibiliza para ser consciência de outros. Que se oferece para padrão moral a ser seguido. Que se auto-estabelece como referência e standard. Nesta questão do aborto parece-me existir uma verdadeira inflação de gente que sabe imenso do assunto nos múltiplos planos em que o debate decorre. De repente médicos percebem imenso de doutrina de direito, advogados descodificaram genes e ligações neuronais, sociólogos distinguem-se em conhecimentos sobre neuroses e psicoses, religiosos castos falam com profusão de detalhes de relacionamentos íntimos que por certo leram algures, escritoras rasgam as fronteiras da filosofia, economistas teorizam sobre priões, psicólogos dirimem o código de processo penal. Não há míngua de gente tresloucada e destemperada pela ocasião. O “outro” tornou-se mesmo um local insalubre. Para além disto, há ainda uma dose cavalar de paternalismo nas posições de uns e de outros que me irrita um bom bocado. Eu tenho mesmo dificuldade em ser tomado por imbecil, por garoto e por atrazado mental. São feitios.

Eu confesso que sendo uma coisa de consciência não estou muito disponível para revelar a minha, que a vou utilizar no dia aprazado, mas não faço questão de converter ninguém à minha enorme sabedoria no assunto.

domingo, janeiro 28, 2007

As escolhas de quem nunca escolheu

Parece que os portugueses mais notáveis, ou mais famosos, ou mais grandiloquentes, ou maiores, não agradam à grande maioria dos opinadores. E, em particular a de Salazar causa grande comoção. E, entusiasmo também. Já vi de tudo na justificações e lamentações para a figuração de Salazar e Cunhal entre os dez maiores.

O assunto, confesso, não vai além de um bocejo, mas ainda assim arrisco a mais um "contributo" para a justificação. Trata-se da "idealização" de um tempo estável, regular, ordeiro, monótono do ponto de vista matemático. O de Salazar e o de Cunhal. Tempo e espaço em equilíbrio hamiltoniano. Especialmente atractivas, as idealizações, em períodos em que a densidade da mudanças e a contemporaniedade da bagunça faz do presente uma coisa sem nexo e do futuro uma coisa alarmante, inexplicável, não entendível,e, sobretudo não controlável. Só que o presente sempre foi o que se nos afigura agora e o futuro sempre terá parecido o que agora parece. Portanto se a pergunta tivesse sido colocada há dez ou dois séculos atrás as respostas talvez reflectissem sempre o descontentamento com o presente a ansiedade com o futuro e o sobrevalorizar de algum ser mediocre mais recentemente apontado como autor da ordem e da segurança e da diminuição da ansiedade.

O fenómeno pode ser amplificado por séculos de ausência de gente com espinha e com vontade e nunca habituadas a decidir e a aguentar as incertezas e consequências das decisões. Mas sobre isto outros, tantos outros tem escrito já toneladas de coisas. E este escrito apenas junta mais alguma poeira a outros tantos.

Em todo o caso os semelhantes atraem-se, e a pequenez, a obediênciazinha, a ignorância, a insularidade e o paroquialismo, a paranóia e a ilusão de controlo sempre foram companhias excelentes e deram-se bem umas com as outras. Os escolhidos são óptima companhia para os que escolhem, a sessenta cêntimos mais IVA.

sábado, janeiro 27, 2007

As conversas

foram artigos publicados (não necessariamente pela ordem apresentada aqui no blog) na revista Psicologia Actual no ano de 2006.

Conversas do Quotidiano Vulgar (11)

“Mas depois, isto é mesmo assim?”

Ora esta pergunta é, frequentemente, feita por alunos com ar desconfiado, ou mesmo céptico, quando não, mais que abertamente trocista, questionando a pragmática da coisa. E, eu, nas mais das vezes, lá amanho um “bom pelo menos devia ser assim...”!

E a pergunta nasce do facto de uma boa parte do meu tempo, ser gasta a industriar os meus alunos, na adequada utilização de semânticas e sintaxes cruciais nos tempos que correm. Ou seja, tento torná-los proficientes numa das linguagens mágicas da contemporaneidade – a da gestão de empresas. Uma das coisas que é essencial que aprendam são algumas declarações de valor, ou de fé, que hierarquizam e adjectivam os sentimentos e emoções que é suposto experienciar posteriormente na vida real. Por exemplo, que os “Clientes” são a razão de existência da “empresa” e, que devemos fazer tudo para os satisfazer, modalidade ou via única para os preservar e manter fiéis aos produtos ou serviços que fornecemos, em concorrência com outras empresas sequiosas de ocupar o nosso espaço no mercado. Este pequeno desígnio justifica toda uma monumental série de sub-ciências, que se ramificam em modelos (mais léxico e regras semânticas e sintácticas a aprender), como Marketing, Estratégia, Qualidade Total, Engenharia Simultânea, Análise de Portfolios, e eu sei lá que mais... Claro que estas palavras se “desmultiplicam” numa complexa teia de considerandos que se espraiam em técnicas e acções a executar por forma a vencer esses marafados da concorrência e alcançar o Éden.

Eu confesso, há neste Universo áreas, que mesmo para mim, já são obscuras. Suponho mesmo que já existam alçapões por onde cairia em abismos dignos dos filmes que envolvem elfos e criaturas mágicas... Já não estou seguro se as técnicas para retermos a fidelidade dos clientes não envolvem, inclusive, o controlo mental, voodoo ou outras técnicas ocultistas. Uma coisa é certa, entre a nossa comunidade emerge uma verdadeira transcendentalidade da expressão “Customer Satisfaction”. Um anglicismo que faz o coração bater mais depressa, e que culmina a litania da glorificação do “Cliente”. O cliente satisfeito e motivado para nos premiar com a sua preferência.

Mas, há luz das experiências recentes, tenho grandes dúvidas sobre a utilidade de uma bela parte deste esforço linguístico que faço na Universidade. E sou assaltado pela descrença dos meus alunos. Ultimamente, ocorreu na minha casa uma verdadeira hecatombe de avarias. Televisões, aspiradores, computadores, consolas de jogos, quem sabe em solidariedade com a minha nova condição de cardíaco, resolveram fenecer ou cessar a sua função. E, dentro ou fora do período de garantia, a interacção com as empresas que fabricaram ou assistem os equipamentos, têm constituído experiências inolvidáveis. Passado o período de garantia, invariavelmente, a solução aconselhada é deitar fora e comprar novo! E, parece de facto mais racional do ponto de vista económico, e do ponto de vista estritamente individual. A reparação é sempre orçamentada pelo dobro de um equipamento que já tem pelo menos mais do quádruplo das rotações por minuto, dos pixels, do ratio de resolução e sabe Deus que mais misteriosas coisas. Mas, e do ponto de vista social? Confesso que me fascina o destino de toneladas e toneladas de televisões e computadores e outros lixo electrónico. Confesso que sou um cínico e que desconfio que a bendita reciclagem seja um conto de fadas que um dia desabe sobre nós. Sob a forma de máquinas auto-construídas com desejos de vingança e angústias existenciais!

Por outro lado, quando a coisa ainda está no período de garantia, como uma consola portátil com três mesinhos de vida de um dos meus garotos, a troca por outra é imediata, nem se discute. Aquilo de qualquer modo já está tão miniaturizado que nem vale a pena pensar numa intervenção humana para substituir um qualquer micro chip de cem menréis. Só que o nem se discute é um belo eufemismo. Afinal o processo demora o seu tempo, mais concretamente umas largas semanas. E, logo por azar, os presentes de Natal eram jogos para a bendita consola. Aparentemente a nova consola que substitui sem mais delongas nem discussões (que o consumidor tem sempre razão e temos de o tratar bem...) vem de Saturno! Ao mesmo tempo que todos estes processos decorrem, o telefone toca. Constantemente. De todo o lado surgem ofertas magnificas. De cartões de crédito sem pagamentos, de operadores de telefones sem mensalidade. De promessas penhoradas de que a empresa que nos contacta tem um mundo de delicias e prazeres à espera de um pequeno click ou sim da nossa parte.

Eu por mim já nem sei o que deva dizer aos alunos. Provavelmente que não deliciem tanto os pobres clientes. Que os deixem em paz e quem sabe, lhes vendam produtos e serviços que simplesmente funcionem...

©

José Manuel Fonseca

quarta-feira, janeiro 24, 2007

Conversas do Quotidiano Vulgar (10)

A culpa de ter partido, a raiva de ter ficado e a saudade de não voltar

Há quem diga que Portugal sofre de uma doença bipolar. Seriamos, portanto, possuidores de uma natureza maníaco-depressiva, oscilando, sem realismo, entre a fuga megalómana para o prognóstico de realização imperial e, o soçobrar, o colapso colectivo, que se afunda no diagnóstico auto-punitivo de tragédias anunciadas a que se segue um desejo de regeneração que nunca é concretizada. Ora o problema parece-me ser outro.

Parecemos mais um povo infantilizado. Eterno adolescente imberbe, cheio de angústias e de crises de auto confiança. Inseguro e incapaz de largar de vista a mão do pai idealizado contra o qual, paradoxalmente, se quer afirmar. Típico dos adolescentes, vivemos em eterna auto perscrutação, numa zona nebulosa e ambígua, ansiosos e hesitantes sobre os desígnios a perseguir e incertos quanto às acções a executar.

Oscilamos, de facto, entre a amargura do falhanço antecipado e a euforia irrealista e inebriante de um futuro radioso e grandioso. Em qualquer dos casos, em termos absolutos e definitivos, para além de qualquer ponto de equilíbrio redentor. Por vezes, apresentam-nos cheios de manhas e de mecanismos de defesa, somos ardilosos de modo um pouco cobarde, e sentimo-nos inferiores. Outras vezes, cheios de sonhos de importância perene e esmagadora, somos arrogantes e megalómanos e sentimo-nos superiores. No fundo, como qualquer adolescente à procura do seu lugar no mundo e do seu papel.

Um povo adolescente eternamente à procura do pai ideal que alumie o caminho a percorrer e sempre a rejeitar qualquer pai que se afigure possível. Um povo prisioneiro, há séculos, deste paradoxo. Sempre em busca de um líder/pai carismático idealizado que nos exima de nos maçarmos com a angústia do trabalho e do pensamento e a quem possamos transformar em bode expiatório para a nossa própria inépcia e preguiça. Um povo que teme a incerteza tanto, que “compra” qualquer certeza ilusória. E que se acostumou a estar naquela zona cinzenta em que se pode atribuir às circunstâncias e a terceiros a “culpa”, por coisas que, de outro modo, poderiam ser corrigidas como parte de processos de aprendizagem e crescimento. Um povo que por vezes cede à impotência, disfarçada pelo marialvismo e pelo misticismo barato. Não raras vezes, consumimo-nos na cobardia de não denunciar pela frente aquilo de que nos entretemos a fazer a dissecação em voz baixa, sempre lestos a condenar, antes de prova irrefutável, elaborando longuíssimos e amplos juízos de intenção e de valor. Um povo demasiado habituado a não tomar decisões e a assumir a responsabilidade pela escolha produzida. Um povo ignorante que se presume sabichão. E choramingas. Sempre coitadinhos.

Seremos antes um povo de indivíduos fracos, incapazes de relacionamento de iguais, ansiando pela validação e afago do chefe? Mas somos mais um povo sem individualismo, porque, aparentemente, a nossa individualidade é apenas uma mera expressão da diferença percebida ou desejada em relação ao outro, e não base de autoconfiança e crescimento próprio. Antes pelo contrário, dependentes do reconhecimento do e pelo outro, que contudo nunca é suficiente, porque é sempre relativo, pedinchamos constantemente atenção e carinho que depois não aceitamos porque somos incapazes de assumir uma relação igual em que tenhamos de nos dar também. Preferimos pois, a adulação distante em lugar da emoção genuína. Basta ver como por circunstâncias e ocasiões várias, sempre que há eventos, cá dentro ou lá fora, mandamos repórteres perguntar aos estrangeiros de modo retórico: “- Então o que diz de Portugal? Somos um povo simpático e que se desenvolveu imenso, não acha?” “Não acha que podemos ser campeões do mundo?”
E o pobre turista apanhado desprevenido lá balbucia, com um sorriso de perplexidade, um “pois”...

Incapazes de enfrentar o confronto com o outro. De dizer frontalmente aos milhares de “protagonistas” da ausência de ideias e de estratégias, que é tempo de arranjarem roupas porque, para além de nus, vão monótonos e saloios...

Mas enfim, sempre temos um solzinho que faz inveja aos nórdicos e um tinto de Pias que é um espectáculo... no fundo no fundo para quê mudar se virá sempre alguém resolver os nossos problemas por nós... hã?

©

José Manuel Fonseca

terça-feira, janeiro 23, 2007

Conversas do Quotidiano Vulgar (9)

Miragem Perdida


Vivemos uma época nova. Prenhe de coisas admiráveis. Prometedoras. Parecemos finalmente libertos da dependência do meio físico, que os nossos antepassados louvavam e amaldiçoavam. Libertos da doença e com delírios de eternidade. Mas esta época de novidades pós modernas, também nos deixou cínicos e relativistas. Há coisas ameaçadoras que nos deixam ansiosos e angustiados. Respondemos de modos vários. Com hedonismo, que nos faz deleitar com excrementos, necrofilias voyeurs de podridões e dissoluções caricatas, que se podem observar em muitos programas televisivos. Com misticismo e ocultismo apressados e ignorantes, que permitem e possibilitam conexões aparentemente universais de forças misteriosas e telúricas, mas que esquecem o sentido pragmático da origem das lendas, mitos e práticas antigas. Com hiper-racionalismo, que nos faz pedir mais observatórios de coisa nenhuma e de medições e certificações de processos e de realidades imaterializadas cuja unidade de medida se torna delirante nas mãos dos novos sacerdotes ocultistas da gestão e da economia....

Mereceria antes uma reflexão sobre a origem desta aparente desorientação. E, na sua raiz existem, pelo menos três causas simples. A primeira, uma perda de referências básicas do nosso quotidiano durante milénios. Os ciclos da natureza. Que pautavam a nossa vida colectiva: económica; social e mesmo espiritual. Quando a nossa actividade económica era essencialmente agrícola e a indústria era artesanal, dependente do meio físico e dos seus caprichos, as colheitas marcavam um ponto alto da nossa vida colectiva. Uma espécie de fim teleológico sempre repetido. Que nos levava a organizar rituais de fertilidade e a adorar deuses dela encarregues. Que nos levaram a construir simbolismos, ordens e litanias. E que regularizavam a nossa vida mesmo em aspectos de transição entre a idade de criança e a idade adulta, com cerimónias iniciáticas, que regularizavam a perpetuação da espécie com as épocas de festivais pagãos de acasalamento. Com a complexificação da nossa vida económica e social, à medida que nos transferíamos para cidades, este vínculo foi-se esbatendo. Fomos ganhando autonomia da nossa dependência imediata dos ciclos das estações, da nossa relação com o meio físico como primeiro ambiente de sobrevivência. E, chegámos à sociedade industrial, às megalópolis, ao consumo intensivo de materiais e de energias, cada vez com menos mistério. Perdemos a noção de um tempo. Um tempo sempre renovado. O tempo actual, tem outro sabor e não tem rituais. Ou melhor, tem outros rituais, mais rápidos mais inclementes. Temos menos tempo.

A segunda, é a perda do significado, do papel e da função da família. Durante milénios a família, herdeira do clã, da horda, não necessitara do Estado para ver nascer os seus, para os educar, para os ver procriar, para cuidar da velhice e para enterrar os seus mortos. Num espaço por vezes demasiado exíguo, e com pouca mobilidade geográfica e social, coexistiam três quatro ou mesmo cinco gerações. O mundo corria ao sabor dos ciclos lunares, a memória era perpetuada através de histórias e saberes transmitidos com vínculo de sangue. Hoje, estamos espartilhados, sem tempo nem lugar para amar e honrar os nossos, que se encontram à incomensurável distância de dois quarteirões, ao abrigo dos quais se constroem solidões insuportáveis.

A terceira é a perda de sentido teleológico e teológico da existência. Uma certeza de espiritualidade e de deslumbramento que se perdeu. Por isso se procuram mistérios de plástico em sítios imbecis. Não sei se Deus existe ou não. Não sou muito crente em explicações transcendentais e divinas. Não acho que a revelação seja superior ao racionalismo de Descartes. Não obstante, apeámos Deus do pedestal e no seu lugar não pusemos ninguém nem nada. Um vazio. Coisa que a natureza abomina. Talvez estejamos a substituí-Lo pelo dinheiro, pelo poder e pela fama. De certeza que não pela cultura, nem pela integridade nem pela compaixão.

©

José Manuel Fonseca

segunda-feira, janeiro 22, 2007

Conversas do Quotidiano Vulgar (8)

Futuros em Aberto

Aqui, 23 de Agosto 2087. Na minha rua foi descoberta uma pessoa que lia livros e possuía mesmo um dicionário. Denunciado por um comité de cidadãos preocupados, de que faziam parte a D. Célia e o Sr. Marco, o meliante foi encaminhado para o Tribunal Supremo da Grande Inquisição dos Comportamentos Socialmente Aceitáveis. Os Meretissímos Juízes E. Rangel, J. Moniz e En de Mol e outros membros do colectivo, de que se tornaria fastidioso dar conta, conduziram um rigoroso inquérito. Concedendo em média dois segundos para cada resposta, colocaram perguntas de grande relevância jurisprudencial e objectividade, como por exemplo “já deixou de ser um perigoso facínora e um ser desprezível? Sim ou não?”
Aguardando com paciência o que o arguido tinha para dizer, o inquérito prolongou-se por mais de quinze minutos, excedendo a norma de eficiência interrogatória MJ67/2077, enquanto o arguido murmurava coisas incompreensíveis sobre um denominado princípio do terceiro excluído. Instado a comentar, por uma, competente e culta, jovem jornalista do canal 34 da Grande Televisão Unificada, o PM balbuciou a frase “é necessário aguardar com serenidade”, tendo a jovem jornalista concluido com autoridade, “portantos, concorda com a pena perpétua aplicada, portantos….”

Aqui, 8 de Maio de 2056. Devido a um feliz acaso, um cidadão da minha rua descobriu num velho baú, um documento que vem por fim a especulações sobre a viagem de Vasco da Gama. Prova-se, finalmente, que a 4 de Junho de 1447, Vasco da Gama recebeu o “go ahead” para a expedição por parte da 12ª comissão de avaliação de projectos de risco. A comissão, presidida pelo Conde Economicus Rationalis, ficava satisfeita quanto ao cálculo do valor actualizado do cash flow a gerar pelo empreendimento, quanto à bondade do cronograma do projecto, e, sobretudo, quanto ao formato dos relatórios a enviar trimestralmente ao “review board”. Foram nessa altura dissipadas as dúvidas quanto à nau “Bérrio” que tinha sido indevidamente inscrita e referenciada como caravela no formulário entregue na 3ª Comissão de Avaliação Global de Hierarquização Múltipla de Projectos. Recorde-se que este erro, tinha levantado dificuldades à configuração do sistema de avaliação de desempenho global bem como ao sistema de monitorização parcelar, com vista à certificação do “final report”. O Capitão Gama, tinha proposto que a descoberta da Índia ocorreria pelas 18 horas e 35 minutos (tempo local) do dia 22 de Maio de 1498, facto que levantou alguma celeuma dadas as calendarizações de outros projectos. Por sugestão do Barão Precisus Cartesianus, o cronograma foi revisto tendo sido acordada a data de 20 de Maio pelas 3 horas com uma tolerância de 26 minutos de acordo com a norma de qualidade de investigação fundamental em projectos oceanográficos ISO 0897/65 e com a norma de assertividade na navegação 342/87.

Face a esta magnifica descoberta, o ministro da educação qualificante pós doutoral, apanhado de surpresa no intervalo das gravações do popular concurso “A Minha Vida é ver Televisão”, em que como sabem, todas as terças feiras é sorteado um concorrente da casa, a quem é implantado um receptor neural de televisão e removida a zona que controla o sono, por forma que o felizardo consiga ver seis mil canais em simultâneo sem necessidade de perder tempo a dormir, declarou, “trata-se de mais um sucesso da política de rigor e modernidade que vimos trilhando”.

Aqui, 14 de Janeiro de 2071. Um cidadão da minha rua decidiu requisitar uma ama a tempo inteiro, aos serviços de estrutura social do Ministério da Reforma de Grupos de Risco. O jovem cidadão C. Malhadas, de quatro anos, foi o primeiro cidadão da minha rua a exercer o direito que a nova lei de apoio a “orfãos de pais ausentes” confere. No formulário 24/B/25HG, que recorde-se substitui o anterior formulário ER/89/GK, o declarante assinala que os pais se encontravam em casa (definido o espaço casa em termos sociais de acordo com a norma TY453/ISO/32) menos do que a média de 19 minutos, o que viola a norma de tempo parental mínimo de qualidade definido pela norma IPQ/8900. Para além desta violação grosseira, os pais de C. Malhadas, não cumpriam ainda a norma que regula o tempo mínimo de qualidade comunicacional. A comissão que avaliou a fase de apreciação preliminar do pedido do cidadão Malhadas verificou, adicionalmente, que os pais dele não aferiam os cronómetros instalados na residência dos Malhadas nos últimos sete meses. Esta violação, gravíssima, da utilização de artefactos centrais, conduziu o casal a um julgamento sumário no Tribunal de Inquisição Média da Família em Conceito Lato, que sentenciou o casal a dois meses de interdição da frequência de espaços comercias bem como à cessação do direito de requisitar anti-depressivos por igual período, adicionalmente o casal fica proibido de enviar postais para castings em programas televisivos.

©

José Manuel Fonseca

sábado, janeiro 20, 2007

Conversas do Quotidiano Vulgar (7)

As escolhas e as consequências

À beira de mais um ano lectivo proponho alguns tópicos para reflexão.

Poderá o Estatuto de Carreira Docente não incluir as palavras “educar”, “ensinar”, “instruir”, “aprender”? Pode, claro que pode. Mais, poderá a Lei de Bases do Sistema Educativo não conter a palavra “educar” e a palavra “disciplinar”? Pode pois. Em contraponto, pode, no que se refere aos objectivos do ensino primário, conter coisas bizantinas como: “Fomentar a consciência nacional aberta à realidade concreta numa perspectiva de humanismo universalista, de solidariedade e de cooperação internacional;” . Confesso que não faço a mínima ideia como é atingido este objectivo. Chegados ao ensino superior, os bravos alunos enfrentarão um contexto que visa: “Suscitar o desejo permanente de aperfeiçoamento cultural e profissional e possibilitar a correspondente concretização, integrando os conhecimentos que vão sendo adquiridos numa estrutura intelectual sistematizadora do conhecimento de cada geração;”. Sou franco, não sei muito bem o que é uma “estrutura intelectual sistematizadora do conhecimento de cada geração”. Eu, que também sou pai, tenho a expectativa que na escola primária, os meus filhos desenvolvam consciência cívica, moral, capacidade crítica, sentido de solidariedade, sensibilidade estética, vontade de reciclar, de lavar os dentes e de não extrair macacos do nariz em público. Procuro assegurar que também lhes ensinem aritmética, gramática e que adquiram mais léxico que o dos presidentes dos clubes de futebol. E que lhes exijam respeito pelos professores e por si próprios.

Poderão os pais, no ensino secundário, assinar justificações de faltas dos seus filhos, com a expectativa muito razoável que sejam deferidas, porque os filhos foram ao funeral de uma “actor” de telenovelas? Poderão os pais assinar justificações de faltas dos filhos, com igual expectativa à anterior, porque os filhos foram a “castings” para telenovelas? Aparentemente, sim senhora. Porque, parece que muitos e muitos pais acreditam que há duas soluções de vida para os filhos. Serem famosos ou ganharem o euromilhões. Até porque as trágicas consequências dos comportamentos do jovem “actor” passaram sem apreço, nomeadamente que visasse “Desenvolver a formação moral da criança e o sentido da responsabilidade, associado ao da liberdade”. Ficou-se apenas pela exploração até ao vómito da imagem idílica do personagem na novela. A consideração e homenagem ao jovem que morreu nunca foi feita.

Poderá um professor ser incomodado porque sobre um garoto, de onze anos, apresentado como “não lente e não escrevente” simplificou e reduziu a coisa ao analfabetismo? Aparentemente sim, pode ser mesmo criticado com dureza. Porque na terminologia “adequada” não deveremos traumatizar a “criança”. Devemos antes remete-la para um mundo de ilusão paternalista, pelo menos até ela sair finalmente do “sistema educativo” e deixar de ser “actor do processo” e, finalmente, lhe bater no focinho o mundo desencantado. Claro está, pode entretanto ter “sorte” e pode chegar a alguma telenovela.

©

José Manuel Fonseca

quinta-feira, janeiro 18, 2007

Conversas do Quotidiano Vulgar (6)

Mudanças

Suponho que os leitores(as) estejam entre aqueles(as) que recebem, constantemente, correio electrónico cheio de bons conselhos. Sobre as coisas efectivamente importantes da vida, sobre a prudência financeira, sobre a gripe das aves, sobre as cautelas a ter para evitar assaltos enquanto se está parado nos sinais vermelhos, sobre os perigos dos micro-ondas, sobre os malefícios do tabagismo, sobre educação de adolescentes, sobre a preservação da juventude de espírito, eu sei lá....

Em geral, estes conselhos implicam mudança de comportamentos. Os apelos à mudança de comportamentos são tantos que é difícil atender (e entender) a todos. Ao lado destes imperativos éticos e estéticos, florescem variadíssimas actividades económicas. Se olhar em seu redor observará que já há disponíveis no seu minimercado local quase todos os produtos que incluem coisas misteriosas como bífidos activos, antioxidantes, ou ainda mais bizantinas como elkazéimunitazes, ou mais triviais como alho em pílulas para o coração que combatem os radicais livres, soja sob a forma de croquetes a sobremesas de morango, e claro está o aloé vera incluído em quase todos os produtos mesmo os de higiene doméstica ou corporal. Toda esta infinidade de produtos aparecem associados a serviços de meditação transcendental, de ginástica tântrica, de leitura de runas, de redecoração do ambiente em que vive sob a égide do feng shui, de massagens em diversas partes do corpo, cada uma com um nome e um diploma de proficiência quando não de deontologia e carteira profissional associada, ou de actividades com nomes menos ocultistas e mais fashion como body pump, ou step ou cardiofitness... Quando não resultarem estas mézinhas, podem os mais afluentes recorrer a múltiplas formas de preservar a juventude sob a forma de injecções ou de cirurgias com ou sem introdução no corpo de objectos artificiais.

Em psicologia, não se fica de fora deste mercado promissor. A discussão sobre mudança ou inovação de comportamentos em psicologia é um dos melhores diálogos de surdos que conheço. Desde as escolas mais analíticas às das terapias breves todos possuem uma solução para mudarmos e nos tornarmos melhores pessoas. Em geral, estou certo, se seguíssemos mesmo, ainda que uma percentagem pequena, de todos os conselhos que recebemos, seriamos mais saudáveis, mais espontâneos, mais felizes, mais equilibrados, e eventualmente nem sequer teríamos prisão de ventre, ou colesterol alto.

O que me fascina nesta questão toda é a dificuldade que temos em envelhecer. Em nos sentirmos bem nas e através das diversas fases de vida em que vamos passando. Acho surpreendente, a quantidade de pessoas que parecem dependentes de ilusões de juventude eterna, de saúde infinita, de beleza imortal, de perfeição sem mácula. É bem possível que esta percepção seja fortemente enviesada pelos mídia. Provavelmente não há assim tanta gente a viver neste mundo de seres com dentição completa e sem vestígio de cárie...

A maior parte de nós, olha para toda aquela classe de conselhos através das lentes de outra ilusão perigosa. A de que somos mesmo imortais, não precisamos de nada daquelas coisas e podemos prosseguir com a nossa vida sem aquelas “obsessões” todas...

Curiosamente, descobri muito deste mundo nas circunstâncias em que me encontro enquanto escrevo estas linhas....aguardando, por horas, que me serrem o esterno e me “reparem” três artérias que fazem bastante falta... E, portanto, agora sou objecto, não só por correio electrónico, como de viva voz, da atenção de vários familiares e amigos que me favorecem com conselhos de variadíssima índole e amplitude. Desde que experimentei o que era um enfarte agudo do miocárdio, já provei inúmeros produtos, que tivesse eu consumido em programas cientificamente testados teriam eliminado o excesso de colesterol que justamente me tramou... Entretanto deixei de fumar, para grande satisfação de amigos médicos que fumam bastante, só tenho comido peixe e legumes sem sal e sem sabor, judiciosamente aconselhados por amigos que se deliciam com secretos de porco preto e um tinto de Portalegre...

©

José Manuel Fonseca

terça-feira, janeiro 16, 2007

Conversas do Quotidiano Vulgar (5)

A minha geração

A minha geração está agora no poder. Entreteve-se em meados da década de setenta a discutir politica com um entusiasmo pueril, tipicamente adolescente, cheio de certezas e absolutos imperativos incontornáveis e inexoráveis. Participou em RGA’s loucas e exuberantes, colocando tudo em questão, construindo futuros imaginários inadiáveis e inelutáveis. A minha geração respirou a explosão do ar da liberdade sem verdadeiramente conhecer o cheiro fétido do medo de pensar e safou-se da guerra. A minha geração fazia directas na praia à luz da fogueira e de sonhos generosos discutindo filmes de Tarkovsky e as obras de Milan Kundera. A minha geração descobriu o inter-rail, andou pelos campos e pelas cidades vivendo sem barreiras e quase sem limites. A minha geração experimentou quase tudo o que havia para experimentar. Mas a minha geração envelheceu. É como aqueles pêssegos descongelados nas prateleiras dos supermercado. Era brilhante e radiosa. Mas quando chegou a casa já estava definhada. Macilenta e sem fulgor. A minha geração rendeu-se. Ao dinheiro, ao estatuto, à fama, à capa de revista em que se anuncia ao mundo que se planeia um divórcio ou que se vai repuxar centímetro e meio de pele no focinho. Ao óbvio, ao pragmatismo, ao leasing da mota, ao silêncio.

A minha geração entregou-se. Vive de memórias do que poderia ter sido. A minha geração que tudo questionava aceita agora o absurdo como estado natural. A minha geração vira a cara e olha para os dias de ontem, quando uma pessoa tem um filho queimado e tem de ir com ele para Espanha, porque aqui há armazéns com aviões de combate no valor de milhões e milhões e milhões de euros encaixotados há anos mas não há um sitio para tratar crianças queimadas. A minha geração rendeu-se. A minha geração que produziu motins por segundas chamadas de exame fica agora impotente perante os concursos de promoção que já toda a gente sabe antecipadamente qual o resultado.

A minha geração que produzia acusações terríveis e insofismáveis contra os injustos e injustiças, na cara deles, de dedo em riste, fica agora calada perante a exibição de seres medíocres sem vergonha de serem escutados a combinar resultados de jogos. E, que vão para tribunal declarar que vivem à beirinha da pobreza e da quase indigência para evitar as custas judiciais ao mesmo tempo que os vimos de Armani no aeroporto. A minha geração que discutia as letras do Lamb Lies Down on Broadway como se a seta do tempo dependesse da exegese, consome agora doses cavalares de imbecilidade telvisionada a que constitucionalmente temos todo o direito. A minha geração que era inconveniente e comentava alto durante as sessões de cinema e levava a casa abaixo de riso, assiste agora sem reacção às nomeações de afilhados do jardineiro da cunhada do gajo da concelhia para directores do centro cultural de Alguidares de Centro. A minha geração que prometia solenemente mudar o mundo, muda de camisa para ir assistir ao lançamento da primeira pedra da empresa presidida por um ex futuro deputado que enquanto foi subsecretário de estado a ajudou a criar facilitando tudo e um par de botas. A minha geração que repudiava como heresia e pecado inominável a falta de honestidade comprou uma casa na falésia com desconto da sisa mas dando de vez em quando um donativo para a Liga de Protecção das Minhocas em Extinção.

A minha geração envelheceu. Amadureceu e tornou-se igual a todas as outras que capitularam perante o “fado”. Não há nada de especial na minha geração. Vai a Bruxelas e tem casas de cinco assoalhadas com estacionamento e jacuzzi. Acomodou-se. Vai a despacho. A minha geração aprendeu que o respeitinho é muito bonito. A minha geração acotovela-se para aparecer na TV atrás do senhor ministro enquanto ele diz coisas com ar grave e advérbios de modo. A minha geração tornou-se numa força incontornável de amanuenses venerandos e realistas.
Eu sou da minha geração. Mas não tenho orgulho nisso.

PS. É claro que isto não é a minha geração. Mas eu escrevi isto quando assistia a um programa com uma daquelas criaturas do esplêndido mundo da bola, que não é pior que os outros mundos. Podia ter sido escrito enquanto assistia a um programa com um autarca a incentivar o sábio uso de pedradas, ou com um ministro a explicar porque é que temos de fazer o que ele diz mas não que ele faz... tanto faz...

©

José Manuel Fonseca