sexta-feira, março 14, 2008

Estratégia Instantânea (III)

Aqui há umas semanas sugeri que uma boa parte das estratégias clássicas estão em vias de extinção. Por exemplo, a dicotomia introduzida pelo Porter, a escolha entre o produzir barato e em massa ou produzir diferente e desnatar o mercado, foi, aparentemente, ultrapassada pelo produzir diferença para o mercado de massas, como nos casos da Zara e da Decathelon.
Depois, brincando um pouco com a extraordinária e prolixa pós-modernidade na teoria da gestão, sugeri que a sabedoria contida em os “três porquinhos gestores” e no “síndrome do macho alfa”, entre outros, poderia não bastar para substituir o modelo de crescimento do Igor Ansoff, que ainda me parece muito útil e talvez o melhor modelo de raciocínio estratégico. Mas, voltemos então à questão inicial: a estratégia tornou-se como os tempos. Instantânea. Mas quais serão os novos vectores de posicionamento?

Desde logo assistimos à desmaterialização das actividades antigamente associadas a transformação de materiais. Uma espécie de rotura entre o produto físico e a marca. ‘Brands Not Products’. A marca transforma-se num modelo de vida que comporta. O sistema de valores e atitudes que transmite. A experiência e a vivência que permite. Trata-se do que o símbolo nos permite sentir, ver, ser visto, e não no produto material que apenas serve de desculpa para a existência da marca. A marca fica assim associada ao conceito de atitude.

Estar “aqui e agora” é o ‘leitmotiv’ da estratégia pura e dura. A marca fornece um mecanismo de rápida identificação a uma tribo, como (re)nova(da) categoria sociológica. Tal como os ‘hot spots’ da noite aparecem e desaparecem com velocidade alucinante mas sem causalidade especial, as tribos aglomeram-se e desfazem-se à luz de conceitos polarizadores que se substituem rapidamente. Os instrumentos da estratégia estão, portanto, também em extinção.

Agora para saber que estratégia é que está na onda para a semana o melhor é ter ‘undercover agents’ entre o ‘crowd do people’... como faz a Nike ou a Tommy Hilfiger. A separação entre diferenciar e massificar pode estar a ser substituída pelo produto singular e despido de todos os ‘morphs’ tecnológicos e funcionais como o ‘low cost’ na aviação e os produtos com toda a hibridez do presente como as sapatilhas com leitor de mp3, gps e medidor de batimento cardíaco e dispensador de ‘chewing gums’.

Outra dimensão emergente como variável de posicionamento é o espaço. Os espaços em que existem e agem as pessoas, numa qualquer ‘megalopolis’. Por exemplo, numa farmácia atingem-se todos as pessoas do segmento maiores de 55 que habitam numa qualquer zona urbana. A partir desta constatação podemos conceber a farmácia como entreposto de satisfação de uma pluralidade de necessidades. Desde o sector de turismo; com organização de excursões, da venda de ‘time sharing’ em termas, na alimentação; produtos de macrobiótica, ampolas para a memória, calçado ortopédico, colchões ortopédicos, cadeiras anti-escaras...

O espaço em que existem pessoas com mais de vinte e menos de quarenta, profissionais, ainda com a expectativa de alcançar a presidência da Cisco ou da Amazon, podemos fornecer nos ‘health clubs’, além das tradicionais alimentações saudáveis e bebidas isotónicas, viagens de aventura ou de consciência ecológica e cultural, viagens de recreio, produtos financeiros, ‘ipods’ e outros bens da linha castanha como aparelhagens de alta fidelidade de marcas norueguesas, cursos de ‘reiki’, cursos de misticismo oriental e ocidental e do sul, cursos de equilíbrio do ‘stress’, roupas, máquinas de sumos, automóveis. Em breve num ‘shopping center’ poderemos ter consultas médicas, diagnósticos médicos, frequentar aulas de formação profissional, colocar o correio, depositar dinheiro, comer, ver cinema, bronzear o corpo, fazer ‘step’, nadar, reparar o carro, ouvir palestras, comprar tudo o que necessitamos para nos matermos vivos, limpos, frescos, seguros, com menor ansiedade...

Se os leitores analisarem o léxico utilizado nas mensagens da comunicação publicitária verão que em todo o lado há um mercado e todo o momento e todo o lado é um mercado, e nós, ‘homo economicus’, ‘homo faber’, ‘homo sapiens’, existimos enquanto consumidores ... nem que para isso tenhamos de criar mais ‘subprimes’...

Diário Económico 14 Março 2008

segunda-feira, março 10, 2008

À partida

não sou nem adepto nem sequer entusiasta do que é público como moralmente superior ao privado. Tenho, de igual modo, muitas dúvidas sobre a bondade "por definição" do privado como alternativa lógica a todas as esferas do público. Num e noutro caso, sou pouco dado a exaltações de prefixo e de premissa. Acho que o Estado resultou do consenso a que fomos chegando sobre a forma de nos protegermos da incerteza e da arbitrariedade da natureza. Não surpreendentemente os abusos começaram logo tão cedo quanto estabeleciamos acordos sobre os benefícios a tirar do sacrifício colectivo. Não surpeendentemente descobrimos claustrofobias no excesso de protecção a que chegámos. Talvez a solução mais racional não seja o regresso à incerteza pura a enfrentar cada um por si numa espécie de fascínio pelo estado de "pureza" original e selvagem que premeia o esforço individual e castiga os madraços...

A solução não será também, a passagem à obsessão pelo controlo aparentemente absoluto, mas na realidade apenas paranóico. Quer pela via de arrasar tudo o que foi feito quer pelo "remédio" de redobrar os procedimentos de triplo e quádruplo controlo do que é incontrolável. Do mester ético do passado que comportava dignidade e valor socialmente estabelecido passámos à sequência de acções isoladas sem fio condutor sem gradiente humano alegadamente a troco de maior eficiência. O quer que isso seja.

Vem isto a propósito do meu filho mais velho estar encantado com a tarefa de monitor da semana da matemática na escola dele. Não há mecanismo de avaliação que capture a satisfação e o orgulho que ele exibe aqui em casa. Nem a motivação que ele pode arranjar para seguir estudando. Os professores que o ajudaram a treinar para esta semana devem estar também orgulhosos do trabalho que fizeram. Ajudaram na sementeira. Os frutos serão colhidos mais tarde. Muito mais tarde. Tão tarde que já só restará uma memória daqueles que influiram na carreira dele. Não há sistema de avaliação que permita aferir a vida. Eu ainda recordo com grande carinho a Emília Marques, professora primária da escola 52 da Calçada da Tapada, escolhida pelo meu pai em alternativa à escola Avé Maria. No primeiro ano de escola interclassista partiram-me a cabeça umas quatro vezes até que descobri o caminho da Tapada de Agronomia onde podia caçar salamandras e osgas que serviam de "argumentos" negociais para o fim das hostilidades com os "calmeirões". Além dessa experiência inolvidável, a escola 52 deu-me a "Dona Emilia", que organizou várias "semanas da matemática"... que dava aulas de inglês, em 1966... que arranjava maneira dos pais mais abastados pagarem as excursões aos miudos mais pobres, que arranjou maneira de termos uma equipa de hóquei em campo, e tinha o brio, a vocação, o orgulho, o culto dos mestres artesãos da Idade Média e pertencia à guilda secreta dos contadores de estórias.

A Emilia Marques foi avaliada por nós, seus alunos, várias vezes. A maior professora que jamais tivemos. Não sei se ainda irei a tempo de preencher os papéis da avaliação.Sei que reconheço nas estórias que os meus filhos trazem das escolas velhas coisas familiares. Há mais Emilias por aí. A papelada nunca lhes fará justiça.

segunda-feira, março 03, 2008

Land of the Brave

Uma das coisas espantosas da politica americana é a ausência de separação entre o Estado e a religião. Separação efectiva. Um dos maiores pecados na politica norte americana é ser ateu. Pior que defender a segurança social, ou o New Deal, ou mesmo (deus nos livre) ser comunicsta, é ser ateu. O segundo pior é ser muçulmano. O Barack Obama passou a última semana a "defender-se" de "acusações" de islamismo. Não sabia que ser muçulmano era um pecado tão grande. Uma "vergonha". Mas parece que sim. E ele lá se vai justificando e desmentindo a insinuação e a "calunia". Espantoso. Na terra da transparência e da liberdade dos "founding fathers" (que por sinal eram incréus)...