terça-feira, março 17, 2009

ruidos

Finalmente temos uma palavra. Grande depressão. Até os bens de Giffen ou de luxo caem nos índices de consumo, contrariando a teoria económica que se ensina logo na terceira semana de micro economia. O Financial Times fez um ‘endorsement' de um livro que, entre muitos outros, arrasa com a hipótese do mercado eficiente. O doutor Trichet, contudo, parece dizer que a crise acaba já numa destas quintas-feiras e quiçá nem se dá por ela. Os juros caem a pique no BCE e os juros nem tugem nem mugem nos empréstimos, porque os ‘spreads' parecem de ajustamento automático. Um banco falido e nacionalizado lá fora continua a oferecer crédito a torto e a direito em centros comerciais ao pé de si, apenas por 30% de juros ao ano, e, naturalmente, a pessoas financeiramente iletradas, que parecem não ter condições de reembolsar nem uma parte do capital. Já se suspeita que o presidente Obama não caminhará sobre as águas.

Na vertente da gestão psicológica da crise, portanto com impacto nas expectativas que se desenvolvem e nos incentivos que se percebem, o que segundo os economistas acidentais ou economistas e psicólogos da ‘freakanomics', constitui a pedra filosofal da coisa, assistimos, finalmente, a algum ressarcimento. Ou seja, o autor do esquema de Ponzi foi dentro. O do esquema americano naturalmente. Pelo menos teremos um bode expiatório razoável. Estimulando a ideia de que afinal é capaz de não compensar ser um escroque mesmo que com a atenuante de padecer de megalomania, delírios de grandeza e paranóias conexas. Por cá, assistimos dia sim dia não a uma procissão de vítimas indefesas de um malévolo Mefistófeles que está detido. Só o dito filho de Satã é que fazia e desfazia. Todos os outros seres de vez em quando arriscavam uma pergunta que, segundo os próprios, ficava sem resposta e, naturalmente, já nem arriscavam uma segunda via, não fosse parecer indelicadeza. Incapazes de realizarem alguma acção mais arrojada parece que o dito Belzebu, inclusive, os impedia de saírem do banco e procurarem outro emprego. Eu confesso que tenho ficado extremamente compungido com o horrível e silencioso sofrimento que tantos e tantos administradores e quadros tiveram de suportar e do qual nem agora conseguem fazer uma catarse redentora.

Noutra novela mexicana bancária que parece também termos o dever (quiçá, obrigação patriótica?!) de defender, parece que se passaram coisas estranhas, opacas e também aí o mercado teve de ser refreado e a mão invisível teve de ser enclausurada. Entrementes, assistimos a procissões de associações de interesses a pedir ajuda do pai protector e omnipresente. O doutor Medina Carreira reafirma o que já vem dizendo há umas décadas, pelo menos desde que eu me recorde de pensar em recursos escassos e coisas afins. Decorrerão outras tantas décadas e saberemos qualquer coisa vinda de operação tornado. Fomos visitados por eminentes e importantes dignitários da metrópole. Descobriu-se que a língua de Camões é uma prova hercúlea para o "legislador" e para o "tradutor". Sabe-se que a despesa pública pode ter efeitos imediatos e mediatos. A bondade da dita despesa é de geometria variável consoante parâmetros complexos e indecifráveis para os leigos que vão ter de produzir escolhas a breve trecho sobre o nosso futuro colectivo no meio desta incerteza e confusão. A opção pela hipótese imediata, pôr gente a fazer "piquenas" reparações em todos os concelhos do país pode gerar mais emprego que, não obstante, será pouco reprodutor a prazo, mas rende mais votos já. A opção pelas grandes obras poderá ter efeitos multiplicadores a prazo a não ser que nos tenham mentido e todas as anteriores grandes obras afinal não tiveram efeitos. Coisa certinha com os estádios de bola feitos para o Euro que, ainda por cima, não estão preparados para uma final ou abertura do Mundial de 3298...

Estes folhetins naturalmente fortalecem a confiança nas instituições democráticas e nas instituições em geral, reforçam a percepção de justiça e de expectativa no futuro e fornecem bastos incentivos a que o Bordalo Pinheiro seja recordado, mesmo que a fábrica propriamente dita mande mais gente para a fila dos desempregados que aguardam o desenrolar dos próximos capítulos.

publicado hoje no diário económico