segunda-feira, março 28, 2011

o recauchutar dos discursos ou a dissolução das ideologias

vivemos épocas de admirável reciclagem ideológica. Nunca terá sido tão verdadeiro o aforismo que faz lei no mundo, sempre exemplar, do futebol. Aquilo que hoje é verdade amanhã é mentira. E, não me refiro primordialmente ao aumenta impostos não aumenta impostos que corre nestes dias como panaceia ou como falta de espinha e negação do se disse ou não disse. Faltar à verdade ou mentir é uma coisa trivial entre os políticos ao sabor das circunstâncias. E as circunstâncias, hoje, ditam paladares amargos que todos temos de engolir como óleo de fígado de bacalhau. Eu essas coisas já dou de barato. O que me deixa verdadeiramente encantado é mais fundo. Ou não.

Mas se vos recordais, aqui há uns anos/meses quase todos clamavam (políticos de todos os quadrantes, banqueiros, nobres e altruístas membros dos diversos compromissos com e por Portugal, jornalistas, opinadores, comentadores de opinadores e por aí adiante que a fauna é vasta e isto não é uma apreciação às últimas evolução darwinianas) que existiam essas coisas chamadas empresas estratégicas e uns fascinantes centros de decisão nacionais de que seria pecado inominável abrir mão.

Agora, em face das mãos, pés, cabeças, e outros apêndices de significação freudiana mais profunda, correrem riscos sérios todos parecem dispostos a vender os anéis. O que parece mesmo estar em questão é quantos anéis há, se estão penhorados ou não, se chegam, se os credores os apreciarão.

O que há míngua é dos apêndices que serão salvos pela vendas dos anéis mais propriamente dos apêndices que a literatura e o saber consuetudinário consagrou como símbolos da coragem e da dignidade (e que embora resultem duma certa visão marialva são, ainda assim, genericamente aceites como metáfora da coisa). Portanto, tomates.

No vai e vem das vagas e da espuma, já nem se percebe bem o pastelão ideológico servido por todos. Os discursos misturam-se num ruído indistrinçável. As soluções propostas são gongóricas, fantasiosas, florentinas, idiotas, tipo one size fits all amplificadas pela gritaria.

No final, os mais frágeis da sociedade lixar-se-ão como de costume. A delícia, é que o número dos frágeis cresce de modo alarmante. E quando a fragilidade lhe bater à porta? não será tarde demais para fazer ouvir a voz e participar no debate, ou melhor exigir o debate? 

quarta-feira, março 23, 2011

expectativas e incentivos

quer venha o FMI ou outra qualquer forma de supervisão dos meninos mal comportados, verificar a instalação de regras leoninas e draconianas do ponto de vista da legislação laboral e da carga fiscal, assistiremos à explosão da economia subterrânea. O ser humano foi e será um ser adaptativo e criativo. É a vida.

E quem sabe alguma coisa de cultura dos autóctones sabe que a ausência de clamor, de revolta, de escândalo, não significa outra coisa para além de que a chusma encontrou uma alternativa aceitável à degradação da dignidade e, em lugar de por uma vez se erguer e afirmar a existência de espinha dorsal, preferiu, again and again, o esquemazinho, a aldrabilhazinha com robalos, chernes ou carapaus alimados conforme a posição social do verme. 

terça-feira, março 22, 2011

Manifesto Irrealista por um País Respirável e quiçá Decente

Nesta hora em que se aproxima mais uma escolha daqueles que nos vão lixar o futuro a troco de notoriedade, de empregos porreiros no day after, mais uma volta no carrossel, permitam-me pelo menos que grite, com compostura e procurando não incomodar ninguém em particular, o meu nojo por tudo isto. Isto sendo a situação para a qual por omissão também contribuí. 


Mas desta vez eu não me vou calar. Eu quero olhar os meus filhos nos olhos podendo dizer-lhes que me ergui da dormência e do comodismo e do torpor. Que pelo menos gritei contra este estado insuportável de coisas. 


1. Quero um país em que as pessoas sejam tratadas com com consideração, urbanidade e dignidade que são direitos naturais e básicos dos cidadãos, independentemente do seu género, raça, credo, orientação sexual, filiação política, idade, opções clubísticas, posição social e nível de habilitações literárias;


2. Um país em que se faça o máximo para que todos tenham à partida condições semelhantes e que depois progridam apenas com base no mérito, competência e esforço honesto


3. Um país em que  cunhas, feudos, compadrios, injustiças, nepotismos, discriminações, negligências e falta de profissionalismo sejam censuradas e punidas sem piedade e sem o beneplácito corporativo e cúmplice de ordens  de associações de amigos de "no fundo é boa pessoa" "amigo do seu amigo"... 


4. Um país em que não se aceite como argumento desculpablizador a evidência estatística que todos fazem qualquer coisa de negligente, de ilegal, de laxista, de trafulhice, ou que explorar lacunas das normas e das leis é uma coisa habitual normal e louvável


5. Um país em que não se atribuam culpas a terceiros por coisas que estavam sob  a nossa alçada e responsabilidade, e em que as pessoas não se apropriem do mérito de terceiros como vulgares proxenetas 


6. Um país em que as crianças no ensino básico (e nos restantes)  não sejam denominadas de "arguidos" em "processos" disciplinares, em que os pais sejam chamados à responsabilidade e em que para professores vão apenas aqueles com efectiva vocação, em que as crianças sejam tratadas com disciplina, mas desafiadas e estimuladas em lugar de compactadas na mais opressiva dormência e paternalismo tentando infatilizá-las e torná-las nuns idiotas sem capacidade crítica através de repetições infindáveis de coisas tão básicas que os miúdos sentem o cérebro a mirrar apenas porque as disciplinas foram criadas para empregar gente que devia procurar emprego noutro sítio 


7. Um país em que não se subsidiem as intenções mas os resultados, não se subsidiem os "amigos" e "contribuintes" para o "partido", mas o sucesso, a criação de emprego digno e o respeito pelo meio ambiente,  a criação de produtos inovadores de qualidade e que respeitem os consumidores e que tentem atingir mercados amplos, um país em que o Estado não represente sete sextos da vida, e em que alguém que inicie uma actividade não seja imediatamente expulso com pedidos de luvas e chantageado com contribuições para o partido...


8. Um país em que a lei seja apenas ....aplicada....


9. Um país em que alguém que aceite ou solicite ou dê luvas, um suborno, uma prenda, uma compensação pelo cumprimento do seu dever seja tratado como um bacilo de Koch


10. Um país em que ao lado do indispensável sucesso económico seja mais valorizada a cultura a capacidade de escolha crítica de discussão e participação cívica 


11. Um país que agradeça aos seus velhos o esforço que expenderam independentemente da notoriedade da contribuição e que os ampare na velhice com a dignidade que antigamente se atribuía aos anciãos, procurando que essa seja a idade de ouro






domingo, março 06, 2011

no dia 12

em boa verdade a coisa é anárquica. Comme il faut. É bem possível que toda a qualidade de oportunistas apareçam. Mesmo alguns abortos sem cabelo e neo nazis sem escrúpulos. É bem possível que apareça gente idiota que a única coisa que pretende é armar confusão. O terreno é d'ailleurs propício. Gente que pretende instrumentalizar a coisa não faltará. Gente que se colará a um protesto inédito. Que procurará dividendos. Tudo isso é quase "natural".

Eu vou porque quer ir a um sitio onde outras pessoas querem dizer Basta! Chega! Precisamos de gente sã, honesta, normal, tolerante. Precisamos de mudar. Precisamos de tentar melhorar isto e construir um futuro melhor para as gerações que aí vêm. Mudar de rumo. Mudar de agulha. Mudar de actores. Chega de escroques. Chega de corruptelas. Basta de esquemas. Basta de argumentos miseráveis de "se não for eu algum outro fará".

É possível que o "sistema" se sinta ameaçado. Uma parte dos sistema grita histérico com fantasmas de totalitarismo. Agita-os. Mas, totalitarismo é a asfixia e claustrofobia actuais. O "vê lá não te prejudiques" que premeia a cumplicidade com a mediocridade, enquanto esmaga a honestidade. Com a promoção de incompetentes amigos. E o aviltamento da competência que não se verga.

Eu vou porque é altura de dizer pelo menos fui à rua tentar melhorar a qualidade do ar que se respira . Que é irrespirável. Eu vou pelos meus filhos. 

terça-feira, março 01, 2011

a densidade do irrelevante e a ascensão do insignificante

É verdaderamente atroz a quantidade de tempo e de recursos que se perdem, se desperdiçam, em processos que mais não fazem do que sublinhar o que toda gente já sabe. Ou de dar uma expressão matemática ao óbvio ululante. Ou pior. De tentar criar uma realidade cor de rosa, mascarada em que reafirmamos as ilusões bondosas e perigosas em que queremos ou gostaríamos de viver. E o bizarro é que muitas vezes chamamos a isto "processos de certificação de qualidade" ou de "avaliação" ou de "programação e aferição". Ou de outro nome pomposo qualquer. Ao mesmo tempo, a quantidade de informação que procuramos passar aos alunos subiu acima do suportável. Ele são papers, videos, artigos, livros, sebentas. Uma boa parte das vezes todo este conjunto de materiais prolonga ou amplifica ou sedimenta os anteriores defeitos. Isto é, fala de coisas que não existe e que na "opinião" de alguém, contudo e não obstante, deveria existir.

Ao mesmo tempo os miúdos adquirem conhecimentos por métodos não certificáveis mas úteis. E criam coisas fabulosas mas não enquadradas nos programas quadrados e maçadores e do século dezoito.

É cansativo.