domingo, dezembro 23, 2007

Momento de Balanço

Julgo que tenho sido um razoável professor de gestão e de comportamento organizacional (nome pós moderno para psicologia aplicada ao que se passa dentro das empresas). Nos últimos tempos, contudo, sinto-me siderado pela minha incompetência. Numa rápida volta pelas livrarias, à procura de presentes não sei bem para quem, uma vez que uma pessoa até se pode sentir insultada quando lhe dão um livro, em vez de um frasco que custa no máximo quatrocentos paus dos antigos a produzir mas que depois quando se lhe junta um nome assim pró Dolce e Gabbana passa a ter de se expender sessenta ou setenta euros... mas dizia eu numa voltita às livrarias fui, inevitavelmente, dar também uma vista de olhos pela secção de gestão economia e ofícios correlativos. E, fiquei aterrado. Cuidava eu que saber qualquer coisa de análise financeira, mais de uns pózinhos pós modernos de psicologia social sob a forma de "segmentação de mercados" e os pês do posicionamento mais umas contas de estatística e investigação operacional e de estratégia mais dois dedos de conversa sobre motivação humana e a coisa safavasse.

Apanhei logo no focinho com "o que podemos aprender com os gansos". Os gansos? mas logo ao lado lá estavam eles, "os três porquinhos gestores"e o "sindrome do macho alfa". Pensava eu que era tudo pelas analogias do reino animal quando vi "o peixe que não quis evoluir" e sem paragem "o que podem ensinar os elefantes"e, claro está "um pavão na terra dos pinguins" tudo, quem sabe, incluido na "selva empresarial".

Passei à secção da gestão mística e secreta. Com "o poder de uma hora",o que faremos com duas? "a magia da estratégia", "os oito hábitos", "os sete poderes", "estratégia oceano azul", "re-imagine", "a chave do sucesso", "como ser brilhante" , "10 segredos simples". Seguia-se o menos homérico "Qualquer um consegue" e a necessidade de "gestores não mba's" escondidos na "a caixa dos tesouros"? Fiquei a saber que "talento não é tudo", que há também uma "inteligência moral", disseminadas n' "as leis não escritas"? pelo "o economista disfarçado"... que vai "de bom a excelente" e logo sem retomar o fôlego "de excelente a lider". Estive tentado com o "invista e fique rico", uma vez que investir e ficar pobre parece ser o caminho dos bancos ultimamente. Desconfiei fortemente do "winners never cheat" e desisti n'"o kama sutra dos negócios"....

Fiquei seriamente consternado e preocupado. Nada disto consta de Bolonha. Portanto será necessário um curso inteiro de gestão e mais dois ou três anos a ler estes estimulantes livros. Eu pelo menos fiquei a ver que ainda há vagas na secção do que podemos aprender com as salamandras, com o rinoceronte, com o coliforme fecal entre outros.

segunda-feira, dezembro 10, 2007

Conto de Natal

Olhou para o parapeito da janela onde dois pombos se entretinham a esconder da chuva. Lá fora fazia um vento frio e a humidade entrava pelos ossos adentro. Na prateleira da esquerda estava depositado o correio por abrir da ultima semana. Nem sequer a carta com a ameaça de corte da electricidade por falta de pagamento lhe tinha despertado curiosidade. Na parede em frente pendiam desalinhadas duas fotos dos seis netos. Da estante, junto à porta da sala, tinham caído meia dúzia de livros, que se espalharam pelo chão afora até à mesinha onde jazia um computador velho cheio de pó. A casa, já tinha conhecido melhores dias, estava agora sempre numa semi penumbra. Uma espécie de nevoeiro que parecia reter memórias de outrora. O homem continuou a olhar para o parapeito, de onde já tinham desaparecido os pombos. Estava congelado no tempo, perdido na perscrutação de lembranças que não pareciam ser nem boas nem más. A face estava como tudo o resto naquela casa. Sem cor, sem emoção e sem sentido. Jazia junto ao pé direito, calçado com uma chinela velha, um papel que parecia ser de análises ao sangue. Uma carta, na mão direita estava há largos minutos na iminência de cair para o chão abandonada na inutilidade das novidades que jão não importavam. Aparentemente as metastases tinham alastrado ao fígado. Finalmente. Pouco depois o homem sentara-se junto à mesinha onde jazia o velho computador e onde estavam as pastas com os exames médicos e os prospectos do lar de terceira idade que prometia uma velhice com "tranquilidade e qualidade". Tinha feito as contas e os filhos teriam de entrar com mais de metade do pagamento. A pensão de reforma de director do laboratório de qualidade não chegava para a mensalidade e todo o PPR seria para a entrada inicial. O fee. Além disso ainda era preciso suportar uma parte das despesas de saúde que o seguro já não cobria. Esgotara-se. Nem um terço da despesa da farmácia e da radioterapia. Esperava que pelo menos o seguro ainda cobrisse a operação à catarata da vista direita. Tinha feito as contas e concluira, com óbvia racionalidade, que o mais vantajoso para todos seria o seu desaparecimento. Os filhos mal conseguiam aguentar os pagamentos das mensalidades dos colégios dos netos, as fardas, as aulas de natação, os computadores, os softwares e o diabo que hoje tudo se paga como resgate do rei. A ordem natural da vida deveria ser o avô a ajudar e não a tornar-se num peso inútil. Um empecilho que se mija e gasta uma fortuna em fraldas. Abriu o estojo que estava na cómoda. Retirou a arma. Verificou o carregador e meteu uma bala na câmara. Puxou a culatra atrás e ouviu a bala a entrar no cano. Encostou a boca do cano à têmpora direita e premiu o gatilho. Clic. Clic. Clic. Clic. Clic. Foda-se. O cabrão do marroquino tinha-o aldrabado. Tinha trocado o ouro e um relógio de marca pela beretta. Tinha sido enganado. A puta da arma fabricada na China não chegava nem para um disparo singelo e redentor. Foda-se.