quinta-feira, dezembro 29, 2011

não sei se me devo penitenciar mas tenho pruridos em o fazer

Chegamos a uma altura da vida em que os problemas quotidianos começam a superar a energia que conseguimos desenvolver. Os filhos são constante fonte de preocupação e de projecções (nas mais das vezes das fantasias dos pais, mais ou menos benignas desde que os pais tenham a sensatez de as conservar para si mesmos...) os pais, quando ainda são vivos começam a precisar de nós com frequência quase diária. Alguns amigos verdadeiros enfrentam circusntancialmente dificuldades que nos tocam emocionalmente e que por vezes exigem de nós uma ajuda e nos obrigam a redescobrir ainda mais fontes de energia que nem sequer sabíamos em reserva. E lá nos vamos aguentado. Na maior parte dos casos, suponho eu, já deixámos há muito de acreditar no Pai Natal e em várias formas de perfeição, todas elas adolescentemente inadiáveis, impreteríveis, irrecusáveis e, se tivermos juízo começamos a ser bafejados por uma certa serenidade tranquilizadora sobre o mundo e sobre as coisas humanas.

Os entusiasmos afloram já com uma certa película envolvente de cinismo quanto baste, e a ilusão de juventude eterna começa a chocar com as dores nos ossos e nas articulações. Nada de grave se mantivermos alguma dose de optimismo e de esperança mais ou menso abstractas e não desenvolvermos em concreto grandes expectativas de vir a conhecer um mundo irrealisticamente a caminho da perfeição qualquer que seja a sua idealização. Eventualmente podemos até ficar zangados perante coisas realmente inadmissíveis, mas convêm não ignorar de onde vem a enxurrada e neste momento elas são fortes e nem sempre pautam pela racionalidade ou pela honestidade ou pela sensatez.

Neste quadro teremos de começar a ignorar alguns disparates mais ou menos pueris que resultam de entusiasmos de adolescências tardias que vêm de alguns dos figurantes da vida na Cidade. Como esta asserção que para "os Ronaldos das diversas áreas haverá sempre lugar em Portugal". O autor desta magnifica frase é um qualquer secretário de estado cujo nome é realmente e genuinamente irrelevante. Exactamente como a criatura que produziu tamanha boçalidade e estupidez.

Eu já nem força tenho para tentar explicar ao secretário de estado a dimensão estrondosa da bestialidade que afirmou em contraponto com qualquer noção de Humanismo Renascentista porque para isso teria de ter nele, secretário de estado, alguém com um módico de cultura e leituras feitas fora do ocasional manual de resumos do pensamento do Mendes Bota.

Resta-me apenas pedir desculpa de ser um tipo preguiçoso e por não ter elegido como teleologia da minha vida o contributo para a competitividade da Nação em geral e quiçá de Trajouce em particular, nem sequer ver como escatologia final da minha existência o pagamento do imposto municipal sobre imóveis, nem pretender ser o melhor e maior ensaísta sobre a natureza da renda Ricardiana. Não obstante estas alarmantes falhas de carácter que me impendem de vir a pertencer a uma ou mais seitas de seres superiores, nem sequer poder ser assessor de um qualquer secretário de estado, gostaria de reclamar o direito a existir aqui e agora como gajo normal. E, se ainda me for facultada a permissão, de salientar que a tolerância para com a existência de gajos normais ainda é o que vai permitindo a abrunhos como tanto governante poder viver aqui sem ter de emigrar para países onde pudessem tornar-se socialmente úteis limpando urinóis.

quarta-feira, dezembro 21, 2011

A esquizofrenia como regime político e normalidade social

Nesta questão do ide lá para fora se aqui achais que não tendes futuro é um dos mais fantásticos double binds que já tive oportunidade de conhecer. Não só os governantes se põem na posição exactamente simétrica àquela que seria de esperar de quem busca a eleição, que é a de resolver os problemas da zona sob sua jurisdição, e consequentemente melhorar as condições de existência das pessoas a quem serve e em nome de quem são eleitas, parecendo "empurrar" os eleitores a fugir de si e do país que é suposto melhorarem como diabo da cruz, como ainda se propõem "facilitar" a fuga através de uma instituição como foi proposto pelo deputado Rangel. Em lugar de oferecer expectativas oferecem o negrume da desesperança. Mas de forma científica e organizada.

Neste discurso, aparentemente, esta gente não se apercebe da dimensão humana do problema nem da compaixão que seria o registo discursivo adequado em lugar de uma avaliação alegadamente racional que fazem com uma frieza que chega a ser gélida.
Mas o pior, e neste campo nem sequer parece existir nos inúmeros conselheiros e spin doctors alguém que tenha um módico de razoabilidade, seria pedir demais que tivessem um espírito cristão e inteligência, para ver da violência emocional e psicológica destas afirmações. Que quem é ministro ou primeiro ou segundo ou ajudante não pode não deve produzir barbaridades destas. Por muito racionais que sejam . Puta que pariu. Desde quando existe uma merda chamada "realidade objectiva"?

Não só empurram as pessoas para fora da sua terra, escorraçam será o termo preferível, mas até se apropriam do "mérito" da decisão! O processo de partir daqui para fora é um processo sofrido que comporta a angústia da quebra dos laços com o passado e com os afectos, com as raízes e com as referências e com os símbolos. É um processo de dissonância terrível. É um processo amargo e revoltante. É um sofrimento individual. É um vencer de inércias e medos. Não é uma aventura seus cabrões. Não é épico nem desafiante. Para a esmagadora maioria das pessoas é uma incerteza que comporta ansiedade sem fim. É uma decisão que se toma em face do beco sem saída a que se chega no nosso sítio, na nossa terra. Um dia percebemos que temos de partir. Que não há nada para nós aqui. Que o nosso país é uma merda. Que nós deixámos que ficasse uma merda. Onde é que nós nos distraímos e perdemos o rumo? Onde é que cedemos?

Mas aqui estamos a ser escorraçados. E até o sofrimento nos é negado. Até a angústia nos é expoliada. Para quem quer liquidar o Estado até aqui mete o Estado a ser "dono" das hesitações e dos choros de separação e das expectativas dos que querem ver daqui pra fora. Pra quem tudo é decisão individual. Escolha racional. Até aqui querem reduzir quem parte a objecto de paternalismo do Estado. Até na hora de compreendermos nem tempo temos, outros "melhores" que nós "ajudam-nos" a compreender que devemos temos de ir embora.

Há uma diferença fundamental entre fazer o luto da saída e ser empurrado. Quem não entende isto nem pai de filhos devia ser. Fodaçe.

quarta-feira, dezembro 14, 2011

Perplexidades? talvez não... (2)

Em face do "reenquadramento" das expectativas e do desencadear de mecanismos adaptativos, o que será que se segue?

Segundo uns recuaremos para níveis de há quarenta anos atrás. Penso que não. Duas coisas acontecerão. Aqueles que perspectivam o mundo como um mar de injustiças desencadearão algumas formas de revolta e resistência. Outros, que acham que o futuro será sempre melhor, por definição e fé, tentarão inovar e encontrar novas soluções com as tecnologias "enabling" de hoje. Talvez, destas duas forças resulte uma tensão dialéctica positiva. Em certa medida as duas manifestações são positivas. E necessárias.

Por um lado Schumpeter tem razão quando afirma que em épocas de crise se processam ondas de destruição criativa, talvez não no sentido que os próceres da economia neo-clássica agora tomam de empréstimo o conceito à "escola austríaca", mas no sentido em que os seres humanos neste processo "irrealista" against all odds de tentar encontrar esperança mesmo no meio de um campo de concentração nazi, tentarão inventar saídas e algumas surgirão. Por outro lado as camadas de população esmagadas pela austeridade em contraponto com a exposição mediática da riqueza obscena de outros que regurgitam opulência até ao vómito podem, e devem, exigir uma nova redistribuição da riqueza. O avistamento quotidiano do "outro lado do 1%" que já não se pode mais esconder em condomínios privados porque o Google Earth nem isso permite, possivelmente causará mais "Indignados" mais "Occupy this and that", mais pórticos a arder. Torna-se insuportável tanto double bind. Tanto double standard.
Tanta hipocrisia. A bola está do lado dos vilipendiados e do 1%. É o jogo mais interactivo que existe. Não há árbitros e as regras vão sendo construídas à medida que se joga.