quinta-feira, setembro 26, 2019

Muito cansaço

Como é que poderemos exigir aos nosso filhos, aos nosso alunos, aos nosso concidadãos que sejam boas pessoas? Que cuidem do ambiente. Que se comportem de modo íntegro e digno. Que paguem os impostos devidos ainda que estejamos a caminho de uma situação de esmagamento fiscal. Que sejam solidários com os menos bafejados pelas circunstâncias. Que sejam tolerantes para com os shortcomings que todos exibimos. Que sejam tolerantes para com os diferentes e intolerantes para com quem apouca e exclui os que são diferentes.

Confesso que estou cansado. A balcanização de todo o espaço público no matter what the subject and the issue are é claustrofóbica. É insuportável.  E o acantonamento de aprovação do despudor aberto, exuberante, quase obsceno do que se vai passando, quando a autoria da façanha é "dos nossos" é demasiada.

Imaginem que o país era um desses recantos do norte da Europa onde alegadamente a ética (nem sequer republicana...) é levada, ainda, bastante a sério. Imaginem que um ministro tinha enviado a um deputado do seu partido uma mensagem em que confessava que sabia de uma coisa inacreditável, criminosa, impensável quase surreal. Mas que, e avisava na mensagem, se dispunha a mentir ao parlamento. A ocultar o que sabia. A utilizar a usual langue de bois para mistificar as coisas, os factos, as datas, as circunstâncias. O habitual portanto (mas entre nós).

Por certo acreditam que nesses países mágicos do norte estas duas criaturas sofreriam os danos adequados ao seu comportamento. E no caso do ministro a cadeia seria inexoravelmente o destino. No caso do deputado no mínimo seria retirado do convívio social e do plano político.

Pois como é expectável, por aqui no burgo, o ex ministro possivelmente sairá incólume. Depois de um pequeno período de nojo será nomeado para outro cargo mais compensador do ponto de vista monetário. O deputado poderá continuar a exibir os predicados de virgem ofendida. Ambos serão louvados internamente pela sageza da sua Omerta. E, em geral, com a disseminação pública da mistificação pelos serviçais e putas ao serviço.

Começamos por fechar os olhos às cábulas manuseadas de modo canhestro. Viramos a cara ao desfalque na receita da venda de cervejas e sandes de couratos na festa da aldeia ou da faculdade. Encolhemos os ombros à escolha da prima em detrimento da candidata sem cunha que tem mais óbvias capacidades. Achamos "natural" a promoção do graxista lambe cús. O favorecimento de familiar do colega de governo, desde que disfarçado entre outras duas propostas combinadas num tranquilo repasto nem sequer escandaliza o conselho superior da magistratura que tratou de caucionar estas salutares práticas.

Acabamos no pântano do outro manhoso que fugiu. Num manicómio a céu aberto.
Numa estrumeira em que o pilar essencial da esperança na remissão da porcaria, a Justiça, não estranhamente escolhe a antevéspera de um acto eleitoral para despachar uma acusação, abrindo, necessariamente, lugar à suspeita e, yet again and again, de agenda escondida, de frete, de tudo menos aquilo que necessitamos de uma Justiça que não sejam parceira voluntária da chafurdice.

E o desencanto sobrevêm. Uma angústia plácida e já quase serena de quem sabe que só sobeja histeria, crendice e imbecilidade.






Um grande bem haja para todos os que diariamente despejam mais merda na estrumeira. 








segunda-feira, setembro 09, 2019

The Age of Aquarius


Há poucas décadas proliferava pelo mundo um optimismo assente na esperança que a ciência, a tecnologia e novos estados de “consciência colectiva” nos transportariam para uma espécie de paraíso na Terra. O fim, talvez exagerado, da ideologia colectivista e determinista do comunismo soviético, abria fronteiras de liberdade individual e de transformação social com a resolução de velhas opressões: de raça; de género; de orientação sexual; de classe; de acesso à educação entre outras.

O consenso social democrata, e o seu primo, o marxismo de paladar mais europeu e selecto,  repousavam nas universidades, em particular nos departamentos de linguística onde eram desenvolvidas utopias de mais “homem novo”, agora um ser de sexualidade fluída livre de preconceitos, do passado e das amarras materiais. O welfare state  morrera, mas felizmente o dinheiro barato e o crédito universal colocavam o consenso de Washington e o mercado (ou seja o capitalismo) ao serviço de todos. E, todos ficariam contentes. Liberdade  económica e liberdade de costumes. Uma sociedade livre de seres livres e iguais e, próspera, com seres ricos como Gates que achavam que os impostos deveriam ser mais altos e financiar uma visão mais igualitária. 

Mas algo correu mal. As elites iluminadas e frequentadoras de Davos e de outros lugares prenhes de panache, categoria e charme, alimentaram e alimentaram-se de uma ilusão que deixou na penumbra os “deplorables”.  E os deplorables vêm em várias tribos, alguns até de colete amarelo. E do arrumo que era uma sociedade com classes, mas poucas e sem complexidade assinalável, ao fim ao cabo eles e nós são categorias simples, damos por nós submersos numa cacofonia de vozes agressivas e polarizadas. Infelizmente o mundo é hoje uma imensa balcanização de tribos de consumidores e de estilos de vida que não parecem acomodar-se aos padrões desejados pelos próceres da engenharia social dos departamentos de estudos de género nem  das business schools.

O controlo social, que no fundo todos desejavam, perdeu-se num mar de tecnologia que proporcionou voz e espaço social a toda a sorte de pessoas. Ampliando até ao delírio as fantasias e os preconceitos de todos. E, em vez de liberdade de costumes temos hoje um espaço social cada vez mais hostil, agressivo, anti-científico em que tudo se dilui e relativiza. Pior, a riqueza gerada foi também presa fácil de gente mais criativa nos processos de corruptela e de invenção de esquemas de ponzi, a que a banca se acabou por dedicar de modo bastante claro. E aqui estamos,  com a noção de que a evolução do paradoxo formulado pelo biólogo Edward Wilson; temos emoções paleolíticas, instituições medievais e tecnologia dos deuses, não parece ser a mais promissora. 

As elites, sem surpresa,  de ambas as aisles do political spectrum, reagem com sugestões de supressão de liberdade que já conhecemos no e do passado. As divisões sociais escancaradas e muito visíveis remetem-nos igualmente para tempos sombrios do passado.   Dark times ahead.