quarta-feira, dezembro 15, 2010

Ah o Natal

essa época em que se montam tendas para distribuir comida quente aos sem abrigos entretanto arrebanhados um pouco por todo o lado e entrevistados à força enquanto se debatem com uma espinha do bacalhau, forçados a agradecer a caridade de circunstância, em que se vê pela ducentésima sexagésima oitava vez o "Sózinho em casa 4", em que os diversos familiares insistem para que abocanhemos e deglutamos o sêxtuplo do que é necessário, em que outras famílias insistem em que brindemos com um daqueles whiskys de qualidade duvidosa parecidos com soda cáustica e que deixam o estômago ácido durante seis dias, em que levamos no focinho com gente apressada cheia de sacos e pisadelas e caneladas se porventura tivermos a bela ideia de comprar na antevêspera o que deveríamos ter cuidado de comprar no mês de Setembro, em que se recebem magnificas quantidades de inutilidades devidamente embrulhadas em papéis e laçarotes que transbordam os contentores do lixo durante seis dias misturados com os restos de toda a sorte de comidas libertando odores abundantes de azedo. Ah o Natal essa época de fraternidade e boa vontade em que as famílias vão visitar em breves momentos os parentes depositados nos lares e caves e anexos de garagens, em que os velhos são abandonados nos hospitais pra não atrapalharem as consoadas...

eu adora as férias da Páscoa

sexta-feira, novembro 19, 2010

Grande Maçada

o que é aborrecido, nos dias que correm, não é que as pessoas sejam o que sempre foram. Independentemente do género, do upbringing, das habilitações literárias, somos o que somos. E nunca fomos grande coisa. E, ainda bem. Seres perfeitos seriam ainda uma maçada maior.

Mas o que aborrece tanta gente, hoje, é que o escrutínio voluntário ou involuntário, a que nos sujeitamos e por maioria de razão afecta as "figuras públicas", revela-nos despidos. E de repente gente que nos ensinou a falar português na televisão, com ares e modos particularmente afectados e pomposos, é escutada ao telemóvel a falar como uma vulgar cabeleireria de bairro fala da concorrente da esquina da rua. O que aborrece esta gente é que é cada vez mais difícil parecer o que nunca se chegou a ser. Nem se pode ser.

sexta-feira, outubro 22, 2010

Expectativas e Incentivos

Esta semana que passou fartei-me de repetir ad nauseam esta asserção. Gente que me parece em perpétuo tirocínio olha-me de maneiras diferentes mas estereotipadas. Uns acham simplório em demasia que a Economia e o Comportamento humano se unam de forma tão óbvia. Outros não acham nada, aguardam apenas que chegue o fim da aula. Outros não fazem a mínima ideia do que diabo se está a falar, e a que raio de propósito vem esta história das pessoas desenvolverem expectativas e reagirem a incentivos. Mantenho, claro está, a secreta esperança que alguns alcancem a coisa...

Os exemplos ilustrativos são abundantes. Mas o que importa é que as minhas expectativas são tão baixas que poucos incentivos possuo para fazer alguma coisa...

terça-feira, outubro 05, 2010

Subversão

é colocar a questão sobre porque é que "temos de ser mais competitivos", porque é que "temos de crescer os negócios senão somos expulsos do mercado", porque é que "temos de nos reinventar e mudar constantemente antes que outros o façam por nós", porque é que "temos de doar a alma, o sangue, a inteligência e as tripas". Colocar estas questões é um pecado capital aos olhos daqueles que definem a doutrina dominante do optimismo institucional, do pensamento positivo, do "é preciso mandar vibrações positivas para o Universo". Claro está todas estas teorias são formidavelmente úteis num contexto de crise e de desemprego que atinge já não só os pouco qualificados. São úteis para os que partem renovarem a esperança na possibilidade de "regressar à luta", como uma "oportunidade de relançar a carreira em novos trajectos de desafio pessoal" e são úteis para os que ficam com carga de trabalho a triplicar aceitarem com bonomia a sua nova situação de escravos até um dia que a grande lotaria da competitividade os escolha como novos excedentários e supérfluos. 

Claro está, a cedência perante a ideologia, conduz a dias que começam às seis da manhã e acabam às onze da noite e em que é esperado que as pessoas demonstrem energia, entusiasmo, fé e determinação em participar na mágica criação de um mundo admirável e azulíssimo, postecipando, de modo calvinista, alguma vã esperança de reconhecimento e recompensa. Porque, o tempo é único e só conta o agora. O passado não nos concede créditos e o futuro exigem a permanente demonstração que nele caberemos. Para quê?

Claro está, gera orfãos de pais ausentes, e acéfalos jogadores de actividades online que decorrem aqui e agora e não têm nem história nem futuro. Apenas disponibilidade para automatizar algumas competências que farão excelentes operadores de sistemas homem máquina no futuro. Vivemos disconectados da realidade, uns dos outros, em sofrimento que acreditamos ser mitigado por uma realidade virtual que nos é concedida em doses de choque na empresa pelos "motivational speakers", pelo "team building", e, na vida em geral pelos programas da Oprah... ou pela Julia Pinheiro....

Sempre à espera do euromilhões ou de poder aliviar a alma no facebook enquanto o euromilhões não chega...

subversão é perguntar porquê e para quê? 

segunda-feira, setembro 27, 2010

O mundo fascinante da Justiça

Hoje deveria ter testemunhado num processo de difamação. Ou crime sinónimo, que eu sou iletrado em matérias conexas com o código penal. Uma velhacariazita cometida por um ser com a valia de um coliforme fecal, mas adiante...

A coisa decorreria no novíssimo campus da Justiça da Expo. Começou com uma experiência que não contava que era a da "revista" e detecção de metais, o que motivava uma fila considerável, pelos visto nem eu nem os outros participantes que se distribuiriam pelos diversos andares do edifício. Da próxima vez vou procurar chegar de véspera porque existia um segurança para revistar sacos e passar o detector de metais. Isso, e um convívio inesperado com diversos extractos sociais. Alguns dos presentes na fila tinham um ar de quem estariam no sítio certo até por antecipação...

Debelado o primeiro obstáculo, tomado o elevador chega-se a um átrio onde várias "oficiais de diligências" (será assim que se denominam as pessoas que se certificam que arguidos e testemunhas e demandantes e demandados estão presentes?) berravam nomes de pessoas com ar aborrecido porque os advogados(as) assinalavam a presença das pessoas na fila "lá em baixo". Quiçá, na convocatória se pudesse, à semelhança do jejum para as análises, referenciar a necessidade de vir uma horas antes. Havia duas salas de audiência pelo que, confesso, desenvolvi alguma estranheza pelo número de processos referenciados no prefixo das "chamadas". Pareciam-me processos a mais para alocar em dois espaços a não ser que a justiça portuguesa funcionasse em multiverso ou em regime mais prosaico de time-sharing. Indicaram-nos uma sala para esperar e ficámos a saber que havia "overbooking"... para a mesma sala existiam três "julgamentos e uma sentença" tudo das 14 às 17! Isto parece ser um procedimento de investigação operacional que visa uma espécie de minimax... se faltarem num julgamento avançam logo mais uma meia dúzia deles e a utilização da capacidade infra-estrutural é sempre máxima...

A maçada é que se o nosso é rateado para último e nos outros ninguém faltar, o nosso não se realiza. E, portanto fica logo remarcado ou então fica adiado sine die. Ou coisa parecida que como isto é sobre Justiça seria grosseria não meter um latinório algures pelo meio....  Foi o nosso caso. Três horas depois fomos convidados a regressar um dia destes. Fora um político a comunicar teria dito "quando for adequado"....

Enfim, uma dezena de pessoas deixaram de criar valor para o accionista, nem para si próprios, e nada avançou no bendito processo. Um dia interessante e uma experiência que engrandeceu qualquer coisa mas que agora não me ocorre...

o mundo fascinante das pessoas que existem e ocupam dimensões do espaço tempo

Confesso que por vezes fico fascinado com as noticias de alguns jornais e revistas e onlines. Presumo que tais noticias interessam sobremaneira a muita gente, senão seria incompreensível a "economia" dos títulos. A encriptação dos títulos revela que os códigos são partilhados por muita gente. "Fulano diverte-se no Manta Beach". "Cícrana pretende voltar a apaixonar-se". "Beltrana foi vista com um novo acompanhante".

Nas mais das vezes (para não dizer quase todas) não faço a mínima ideia sobre quem são e o que fazem estas personagens. Presumo que ou são apresentadores de televisão (um conceito lato que compreende toda a sorte de idiotices e exibições boçais de ignorância em estado bruto) ou "actores" de novelas ou gente que gravita à volta dos programas em que a miudagem exibe a aspiração, legítima, de ser apenas famoso e existir no espaço e tempo sem mais nenhuma exigência de participação social.

Mas parece existir uma legitimidade conferida pela legião de admiradores e consumidores do merchandising anexo a tais personagens. Que alguém fique satisfeito por saber que fulano foi à disneyland de Paris é uma prova que o Darwin não tinha razão. Houve um inflexão, a derivada é negativa e, em breve, só existirão seres cujo cérebro mirrou.

quinta-feira, julho 01, 2010

A felicidade

Uma das coisas mais interessantes da nossa vida é o encontro com pessoas que "sabem" como nos devíamos sentir nesta ou naquela circunstância. A experiência é nossa, o sentimento momentâneo também, o que nos vai nos intestinos, nas vísceras, na alma, no coração é indubitavelmente nosso. Nas mais das vezes demoramos o nosso tempo a perceber o que nos está a suceder. Em muitas ocasiões não encontramos palavras para traduzir para terceiros o que nos passa pela cabeça. Mas há sempre quem ache, às vezes porque leu algures, o que nós "deveríamos" estar a pensar ou a achar ou a sentir naquele preciso momento.

sexta-feira, março 19, 2010

Dia do Pai

Não me preparaste para isto. Sempre ouvi dizer que o tempo apaga a dor. Que a relativiza. Que nos adoça a memória. Que nos envolve com o consolo das coisas boas que nos aconteceram. Afinal era mentira pai. Já te foste há quase quatro anos e a dor não passa de modo algum. E, tem momentos em que precisava tanto do teu conselho. 

quarta-feira, março 10, 2010

of Strategy, Intended and Emergent

Nas mais das vezes procuramos comida quando temos fome.

Por vezes, contudo, o avistamento de comida suscita em nós um apetite que não tinhamos antes do estímulo.

terça-feira, março 02, 2010

A métrica

hoje recebi mais uma comunicação para proceder a mais uma mensuração de coisas incomensuráveis. Na ausência de escalas aferidas para os fenómenos, cada um utiliza a escala que alguém, em posição de poder, estatuiu como a que efectivamente caracteriza de modo "científico" o fenómeno em apeço. O bendito fenómeno, é ele próprio difícil de parametrizar nem que seja de modo meramente semântico, o que já não seria de somenos. Portanto criemos, então, mais uma realidade virtual, faz de conta, que ocupará uns largos dossiers de capa dura emprateleirados de modo ordenado e quiçá cromático para tornar o mundo perfeito e às bolinhas. Um dia destes, pessoas com ar austero e eventualmente composto e com roupas adequadas olharão com ar inteligente para os dossiers. Abrirão alguns, folheando com concentração e olhar penetrante o conteúdo das folhas. Concluirão que a constante de lambda ainda não corre perigo.

quinta-feira, fevereiro 04, 2010

A relativização das coisas


ainda há dias o meu mais novo se meteu em sarilhos na escola por causa do gesto em apreço....
as consequências na escola não se sabem ainda, (o "porcesso dsiciplinar" corre os seus trâmites ....e as perguntas, da minuta, pareciam da Judiciária do Burkina Fasu...) em casa, não obstante, as consequências foram aborrecidas para ele. Considerámos que não existiam lenitivos paliativos, alibis, desculpas que mitigassem o gesto dele.

A reacção dele foi a uma injustiça, pelo menos na perspectiva dele (e se há coisa que ele tem apurada é um sentido de moral e justiça...). E, entre nós que ninguém nos ouve, o gesto dele foi irreflectido, indesculpável, mas...

mas lá está, se ele vir esta foto (que eu vou mostrar....) como é que da próxima vez ele vai aceitar a punição agravada que sofreu em casa? sabendo que este senhor foi primeiro ministro e sabendo que é de boas familias e que é de excelente e fino trato e colher de prata e berço doiro e assim?

Esforço assinalável

As televisões "generalistas" (em particular as privadas) tentam recuperar audiências que credibilizem a diligência dos rapazes e raparigas que tentam vender segundos de inserções de anúncios. A coisa não está famosa. O "target" que interessa, entre os 14 e os 35, parece alheado das benditas televisões. As novelas não recolhem muita aderência destes ingratos que nos breves instantes em que olham o ecrã passam ao American Dad, Family Guy, e demais séries da Fox. Mas as "generalistas" não desistiram e vai daí tiveram uma ideia genial. E notavelmente original. Séries com vampiros e inocentes jovenzinhas, presumivelmente virgens. Todos os ingredientes para estimular os misoginos de mais de sessenta anos, reformados e viúvos. Dificilmente gente que irá ao Starbucks ou comprar ténis da Nike. O mundo anda confuso.

sexta-feira, janeiro 08, 2010

faltam quinze minutos

e já há gente com o olhar vazio, os sacos e mochilas arrumadas, o cérebro desligado, o enfando evidente. Entraram dez minutos mais tarde. Pelo meio, um tipo esbraceja, provoca, estimula, conta histórias e estórias, apresenta argumentos e contra argumentos, mostra alguns das dezenas de slides que preparou para serem apelativos, informativos, rigorosos, sumarentos. Utilizam-se todas as técnicas retóricas e comunicacionais possíveis. Pausas dramáticas. Anedotas. Olhares inquisidores. Dilemas. Paradoxos. Ensaiam-se reportórios inteiros de expressões facias. Introduzem-se limites novos na linguagem corporal e na relação com o espaço circundante. Faz-se, portanto, trinta por uma linha.

Para quê? Mais valia ter posto a circular um papel para saber quem é que quer apenas outro pedaço de papel que certifique as "competências" adquiridas. O conhecimento é uma maçada. A vida não está para curiosidades intelectuais. Estamos todos a caminhar em direcção a lado nenhum. Estamos todos desorientados embora afivelemos um ar sério, composto seguro e sensato. Participamos todos neste extraordinário processo de fingimento e de construção de uma realidade virtual em papel de cenário que se desfaz ao primeiro sopro de uma leve brisa. E certificamo-nos mutuamente.E melhoramos continua e determinadamente a utilização do papel de cenário. Alguns excedem-se na mestria do cenário propriamente dito. Mas isto tudo é cansativo.