sexta-feira, outubro 31, 2008

o fantasma na máquina

Por causa da crise (recessão, forte abrandamento, depressão...continuamos sem palavra consensual que encapsule o colapso à nossa volta... e, portanto sem a tranquilidade que comporta ter um nome para a “besta”....) (re)começam a defrontar-se as escolas económicas. Pensava-se que com o chamado consenso de Washington (desregular, privatizar e deixar o mercado formar todos os preços acabando com os preços políticos e administrativos) o Estado iria, de cura em cura, emagrecer com ou sem dietas com aloé vera...

Afinal não. Parece que o famigerado Estado é como um gato de sete vidas (ou mais...) e regressará para relançar a economia ou esmagar a iniciativa privada, conforme o lado da barricada em que nos coloquemos. O horror que alguns descobrem, é o regresso do “socialismo” em particular na sua forma “keynesiana”. Eu, realmente, nunca tinha dado pela partida do dito, avisam-me agora do seu regresso. Nos Estados Unidos, por exemplo, nos últimos anos houve um excelente “keynesianismo” que, alegadamente, fez prosperar umas empresas que utilizavam a curiosa técnica de custos mais margem para facturar ao “Estado” as obras que faziam e, que em boa medida, eram decididas pelas empresas que as faziam, uma vez que não existiam concursos, nem propostas, nem nenhuma dessas maçadas que pelo menos permitem simular o funcionamento do mercado de concorrência perfeita, que existirá algures no sistema Solar. Este excelente impulso (que Schumpeter não desdenharia) deu origem a um novo paradigma técnico-económico. A novíssima “industria” da “Homeland Security” que fez da Betchel, da Boeing, da Blackwater, da Halliburton, empresas envolvidas em negócios algo distantes do seu “core business” mas em venturosos ondas de facturação, no Iraque ou no mercado doméstico. O caso da Boeing, e do seu sistema electrónico e de satélites para controlo de fronteiras (no teste é a do Canadá, sitio de onde provêm ameaças consideráveis...) tem sido, aliás, motivo de grande entusiasmo, tanto que já são vários biliões de dólares que ninguém consegue realmente justificar onde e como foram gastos segundo os insuspeitos Economist e Financial Times. Pena que esquilos, coelhos e alces façam disparar os alarmes para dar origem a possíveis operações de neutralização de invasores com F16 e demais aparato de resposta rápida....
Em todo o caso, os “offsprings” para a segurança privada de mansões e condomínios foi frutuosa. Com inovadores produtos como os “panic rooms”, dentro dos quais os proprietários podem controlar por computador o que se passa nas outras divisões da casa e escolher libertar gás mostarda ou gás lacrimogéneo para neutralizar os “invasores”. Desconheço se com estes produtos vem incluído um psiquiatra gratuito...

Mas agora, em face da crise cuja poeira ainda estará longe de assentar, assistiremos a debates entre os que insistirão na bondade da teoria de remover definitivamente o Estado e os que aconselharão o retorno de mais Estado. Como relançar o consumo privado que ameaça colapsar num mar de despedimentos? Como relançar a actividade económica se os bancos não arriscam emprestar às empresas? Como financiar projectos estruturais se desapareceram uns míseros triliões de dólares no buraco negro das bolsas e ainda não se conseguiu estancar a sangria? Receio que uns e outros se percam num folclore retórico de idiotas úteis. Eu temo que estejamos à beira de um tempo inovador. Realmente novo. Em que plutocratas e oligarcas se unam, ainda mais, e nos “acostumem” a um simulacro confortável de democracia. A troco da “estabilidade”, da “segurança”, que nos será concedida por políticos e banqueiros, nestes tempos tão “complexos” de veículos financeiros imperscrutáveis, muitos de nós cederemos a “liberdade” de dizer não obrigado, da próxima vez que nos oferecerem a possibilidade de nos candidatarmos ao sorteio de um computador baratinho bastando para tal cantarmos uma cantilena e regressarmos à época em que o comportamento infantil era natural...

publicado no Diário Económico

sábado, outubro 25, 2008

Ocorreu-me

que talvez o nível de sucesso escolar, no domínio da língua mãe, pudesse ser mensurado pela bitola da Governadora Palin. As dificuldades dela em não tropeçar nos sujeitos e predicados de uma frase são já lendárias...


Se conseguirmos produzir alunos acima do nível discursivo dela já podemos considerar um grande sucesso... com tanto sucesso contudo.... em breve umas instruções simples para fazer uma sopa transformarão a química alimentar para além do que o Lavoisier julgaria possível...

segunda-feira, outubro 20, 2008

A palavra que define a crise

Ainda não há uma palavra que sirva de significante para tudo o que se está a passar. Hoje o Governador do FED falou de "serious slowdown". Instado, recusou a utilização de "recession", ou que em ultima análise era indiferente a palavra. Parece-me que não. Há algo tranquilizador no consenso sobre a palavra que designa um mal. É como se o mal pudesse ser contido na palavra e nós assim conseguíssemos controlar a coisa. Dominá-la. A economia deveria prestar alguma atenção à necessidade de segurança. Ao plano psicológico. Eu, até acho que se queremos os "mercados financeiros" a recuperar mais depressa poderíamos ter já levado a tribunal alguns "bodes expiatórios". Exemplos. Os "mercados" também tem sentido de "justiça"...

A evangelização do Magalhães

to be continued

domingo, outubro 19, 2008

Ad Hominem

Ciclicamente dá à costa, com ardor, a dor de corno sobre o Saramago. É imperdoável que o homem tivesse sido (parece que ainda é) comunista. O que quer que isso seja, e signifique, hoje, conspurca desde o berço o que o homem escreve. Sem pontuação ainda por cima. Tivesse sido outro a inventar aquela ideia da península Ibérica ir por aí afora desligada do continente, ou de ficarmos todos cegos, ou de votarmos todos em branco num excesso de visão, ou de existirem duplicados de nós próprios, ou mesmo a iconoclastia do evangelho e, não faltariam por aí os louvadores de tanta genialidade, criatividade e sagacidade. Mas o homem tem de penar pela sanha persecutória dos tempos do Diário de Notícias. Não basta, contudo, lamentar e condenar a deriva estalinista que o contaminou. Por causa dela, há que recusar ao desgraçado qualquer arremedo de mérito pelo que fez no tempo que lhe sobrou à actividade de comissário político. Reduzir a sua escrita a pedaços de menoridade ao alcance de qualquer dos seus mais acirrados críticos. E lastimar profundamente a atribuição da comenda do Nobel. Coisa que, se lhes fosse conferido para tal, alguns não hesitariam em corrigir retirando o prémio em público e com o autor arrojado e humilhado em praça central de cidade capital e com transmissão em directo na CNN.

Eu devo confessar que li alguns livros, gostei deles, e houve mesmo alguns que achei arrebatadores. Lamento que o homem tenha desperdiçado tempo a perseguir adversários políticos, que tenha desperdiçado talento a impor visões asfixiantes e irrealistas do mundo a terceiros. Mas espero, sinceramente, não vir a ser condenado ao fogo eterno por ter gostado de ler o que o homem escreveu mesmo sem pontuação.