sexta-feira, dezembro 12, 2008

Conto de Natal

Era uma vez um país. E nesse país vivia um rapazinho. O pai, preocupado com o futuro do petiz e acabada a quarta classe, colocou-o a aprender um mester (nesses longínquos tempos não existiam novas oportunidades, só mesmo possibilidades de aprender a fazer coisas pela via menos paternalista do trabalho duro). No caso, o de cortador de carnes num talho. E o petiz cedo evidenciou uma aptidão natural para o negócio. De tal sorte, que se estabeleceu por conta própria ainda era quase imberbe. Foi consolidando a sua network de fornecedores e construiu uma adequada “base de clientes” mercê de um belíssimo “marketing de proximidade” e lábia q.b.! Isso, e uma balança cuja regulação permitia “poupar” cem gramas de carne em cada quilograma vendido, que ao fim de cada dia, em média, davam dois quilitos a favor de futuros cash-in-flows. De modos que ao fim do primeiro ano, conseguiu economizar para um carro em segunda mão com jantes de liga leve. Ao fim de algum tempo, já devidamente casado e com prole, deu entrada, em dinheiro vivo, para um apartamento em sexta linha de mar em Quarteira. O resto pagou, em pouco tempo, em letras que ele era pessoa de boas contas e boa palavra e, não exigia registos desnecessários das suas transacções comerciais. Era em si mesmo um structured investment vehicule de confiança. Os negócios foram progredindo paulatinamente. Mais dois ou três talhos, entre o Seixal e Vale de Milhaços, já em parceria com o filho mais velho, igualmente dotado na gestão das balanças e na gestão de recursos humanos com pronuncia do leste. Nos anos seguintes, aventura-se na moderna distribuição com uma cadeia de sete ou oito supermercados, para a zona de Leiria, em parceria com o cunhado, irmão da terceira mulher, que conhecera enquanto sua empregada num stand de automóveis em segunda mão que detinha com um sócio na zona dos Carvalhos e cujos veículos curiosamente nunca tinham mais do que 20.000 quilómetros andados nas mãos de esposas de médicos dos hospitais civis do Porto. Os negócios vão prosperando e o portfolio diversificado “liberta meios líquidos” suficientes para oferecer apartamentos de duas assoalhadas no Feijó para todos os filhos que entretanto se vão casando. A economia evolui e juntamente com ela o nosso herói. Com um filha licenciada em Gestão de Turismo abre algumas escolas de formação profissional em artes de serviços como cabeleireiros e manicuras, que o mundo evolui para o “imaterial” e para as áreas em que o “conhecimento” é o input chave. Com outro filho, que frequentou um desses cursos de formação profissional na área da programação de sites, acrescenta também uns franchises em domínios de real estate e de “consultoria financeira” em “reestruturação de passivos”. Com a mais nova, abre uma empresa de “eventos” que organiza casamentos e castings para programas de televisão. É accionista de um ou dois bancos. Medalha de ouro de três concelhos. Financia todos os partidos por igual.

Já quase reformado, a tragédia abatesse sobre este empreendedor. Veio sem aviso. Os supermercados estavam, afinal, todos em nome de uma holding do cunhado e de uma brasileira que aquele conhecera num bar de alterne que pertencia ao sócio do stand de automóveis. A mulher foge com o gerente de um dos franchises, não sem antes proceder a levantamentos significativos nas contas “off shore”, que tinham sido constituídas a conselho duma pessoa entendida que fora mesmo e inclusive membro de um governo. Uma inspecção descobre-lhe a careca das balanças e aplica pesadas multas. Porventura enviada a mando do presidente da junta de freguesia, por causa da sua teimosia em não pagar umas facturas de tipografias dos cartazes da última campanha eleitoral, depois de anos de favores do presidente da junta em meter cunhas na câmara municipal para acelerar os loteamentos dos terrenos comprados junto à praia. Seja como for, o word of mouth espalha-se e a sólida base de clientes torna-se volátil e finalmente os talhos fecham. Uma doença neurológica degenerativa assoma neste período. O banco onde tinha colocado a maior parte da liquidez comunica-lhe que os fundos de pensão sofreram um rombo com a crise do sector financeiro. Outra maçadora inspecção revela “fraudes”, “peculato de uso” e outras misteriosas expressões que, certamente, se devem a mau trabalho do contabilista encarregue de organizar os papéis dos centros de formação. No fundo nada que um bom advogado não saiba chutar para canto. Mas como a liquidez não abunda, e como os advogados não vendem fiado, descobre que um quadro valiosíssimo comprado ao amigo ex politico era afinal uma falsificação, bastante medíocre aliás, pelo que, em alternativa, tem de se desfazer de uns apartamentos de Santo António dos Cavaleiros, cuja venda mal cobre os custos das petições iniciais mais requerimentos e demais emolumentos que a sociedade de advogados explica em detalhe de ciência esotérica. Tanto esforço para assegurar o futuro dos filhos pelo menos estava respaldado no facto de todos serem, afinal, funcionários públicos com licença sem vencimento. Do mal o menos.


versão ampliada do Diário Económico...

segunda-feira, novembro 24, 2008

Este país é mesmo impagável

aqui acontece de tudo mas sempre em escala pequena.... é no fundo uma grande colecção de homens que têm um talho com uma balança marada ....
em cada kilo de bifes abifam 100 gramazitas na balança ..... ao fim do dia o talhante conseguiu surrupiar aos clientes uns dois kilitos de carne .... ao fim do primeiro ano já dá pra comprar um carrito em segunda mão com jantes de liga leve....

ao fim de algum tempo, o talhante casa a filha mais velha e oferece-lhe um apartamento de duas assoalhadas a estrear em Vale de Milhaços.... nesse mesmo ano dá entrada pra um apartamento em sexta linha de mar em terceira mão em Quarteira... e, abalançasse a um segundo talho e sociedade com o filho do meio que também evidencia algum jeito prás balanças....

um dia, já com uma refomazita jeitosa e alguns bens imobiliários em nome duma sociedade com um cunhado, a ASAE finalmente multa-o pelas balanças e a coisa dá raia na vizinhança ....

o homem tem de mudar de concelho ....a mulher foge com o empregado do supermercado que entretanto o talhante tinha aberto em Paio Pires.... e um dos fundos de pensão afinal tinha sido desviado pelo cunhado que também tinha os apartamentos do Feijó jé em nome duma imobiliária com uma brasileira que conheçera num bar de alterne....

o talhante entretanto descobre que tem um sopro no coração e uma doença degenerativa do foro neurológico e vive agora amancebado com uma viúva que tem gostos caros que exprime no El Corte Inglês todas as quartas feiras com a filha do segundo casamento.... entretanto o presidente da junta de freguesia que lhe tinha metido umas cunhas pra aumentar uma vivenda é preso por causa duns favores que fez com dois camiões da junta, e acaba por trocar os pés pelas mãos envolvendo o talhante que desmente algum dia ter dado dinheiro pró partido do presidente da junta, nem sequer em pagamentos de facturas na tipografia do Simões....

sábado, novembro 15, 2008

Se

as notas a matemática e a português no ensino secundário melhoraram tanto...

Parece que a subida foi de tal modo espectacular que, sem dúvida, nela se reflectiu a excelência das medidas de política educativa tomadas pelo governo, entre estas, presumivelmente as medidas adoptadas com uma melhor formação, recrutamento, e performance dos professores (mormente nas aulas de substituição). Portanto, a avaliação de desempenho está feita. Estamos todos de parabéns, em particular a família do defunto....

Paradoxal

não deixa de ser curioso que num mundo cada vez mais desmaterializado... de serviços intangíveis.... de relações desvinculadas e efémeras.... de incertezas e rupturas...cada vez mais queiramos medir aquilo para o que não possuímos escalas aceitáveis ou realistas.... inventando critérios ponderadores parâmetros e sei lá que mais para tentar mensurar o incomensurável....


daqui a nada estamos a calcular medidas de afectos ......

sexta-feira, outubro 31, 2008

o fantasma na máquina

Por causa da crise (recessão, forte abrandamento, depressão...continuamos sem palavra consensual que encapsule o colapso à nossa volta... e, portanto sem a tranquilidade que comporta ter um nome para a “besta”....) (re)começam a defrontar-se as escolas económicas. Pensava-se que com o chamado consenso de Washington (desregular, privatizar e deixar o mercado formar todos os preços acabando com os preços políticos e administrativos) o Estado iria, de cura em cura, emagrecer com ou sem dietas com aloé vera...

Afinal não. Parece que o famigerado Estado é como um gato de sete vidas (ou mais...) e regressará para relançar a economia ou esmagar a iniciativa privada, conforme o lado da barricada em que nos coloquemos. O horror que alguns descobrem, é o regresso do “socialismo” em particular na sua forma “keynesiana”. Eu, realmente, nunca tinha dado pela partida do dito, avisam-me agora do seu regresso. Nos Estados Unidos, por exemplo, nos últimos anos houve um excelente “keynesianismo” que, alegadamente, fez prosperar umas empresas que utilizavam a curiosa técnica de custos mais margem para facturar ao “Estado” as obras que faziam e, que em boa medida, eram decididas pelas empresas que as faziam, uma vez que não existiam concursos, nem propostas, nem nenhuma dessas maçadas que pelo menos permitem simular o funcionamento do mercado de concorrência perfeita, que existirá algures no sistema Solar. Este excelente impulso (que Schumpeter não desdenharia) deu origem a um novo paradigma técnico-económico. A novíssima “industria” da “Homeland Security” que fez da Betchel, da Boeing, da Blackwater, da Halliburton, empresas envolvidas em negócios algo distantes do seu “core business” mas em venturosos ondas de facturação, no Iraque ou no mercado doméstico. O caso da Boeing, e do seu sistema electrónico e de satélites para controlo de fronteiras (no teste é a do Canadá, sitio de onde provêm ameaças consideráveis...) tem sido, aliás, motivo de grande entusiasmo, tanto que já são vários biliões de dólares que ninguém consegue realmente justificar onde e como foram gastos segundo os insuspeitos Economist e Financial Times. Pena que esquilos, coelhos e alces façam disparar os alarmes para dar origem a possíveis operações de neutralização de invasores com F16 e demais aparato de resposta rápida....
Em todo o caso, os “offsprings” para a segurança privada de mansões e condomínios foi frutuosa. Com inovadores produtos como os “panic rooms”, dentro dos quais os proprietários podem controlar por computador o que se passa nas outras divisões da casa e escolher libertar gás mostarda ou gás lacrimogéneo para neutralizar os “invasores”. Desconheço se com estes produtos vem incluído um psiquiatra gratuito...

Mas agora, em face da crise cuja poeira ainda estará longe de assentar, assistiremos a debates entre os que insistirão na bondade da teoria de remover definitivamente o Estado e os que aconselharão o retorno de mais Estado. Como relançar o consumo privado que ameaça colapsar num mar de despedimentos? Como relançar a actividade económica se os bancos não arriscam emprestar às empresas? Como financiar projectos estruturais se desapareceram uns míseros triliões de dólares no buraco negro das bolsas e ainda não se conseguiu estancar a sangria? Receio que uns e outros se percam num folclore retórico de idiotas úteis. Eu temo que estejamos à beira de um tempo inovador. Realmente novo. Em que plutocratas e oligarcas se unam, ainda mais, e nos “acostumem” a um simulacro confortável de democracia. A troco da “estabilidade”, da “segurança”, que nos será concedida por políticos e banqueiros, nestes tempos tão “complexos” de veículos financeiros imperscrutáveis, muitos de nós cederemos a “liberdade” de dizer não obrigado, da próxima vez que nos oferecerem a possibilidade de nos candidatarmos ao sorteio de um computador baratinho bastando para tal cantarmos uma cantilena e regressarmos à época em que o comportamento infantil era natural...

publicado no Diário Económico

sábado, outubro 25, 2008

Ocorreu-me

que talvez o nível de sucesso escolar, no domínio da língua mãe, pudesse ser mensurado pela bitola da Governadora Palin. As dificuldades dela em não tropeçar nos sujeitos e predicados de uma frase são já lendárias...


Se conseguirmos produzir alunos acima do nível discursivo dela já podemos considerar um grande sucesso... com tanto sucesso contudo.... em breve umas instruções simples para fazer uma sopa transformarão a química alimentar para além do que o Lavoisier julgaria possível...

segunda-feira, outubro 20, 2008

A palavra que define a crise

Ainda não há uma palavra que sirva de significante para tudo o que se está a passar. Hoje o Governador do FED falou de "serious slowdown". Instado, recusou a utilização de "recession", ou que em ultima análise era indiferente a palavra. Parece-me que não. Há algo tranquilizador no consenso sobre a palavra que designa um mal. É como se o mal pudesse ser contido na palavra e nós assim conseguíssemos controlar a coisa. Dominá-la. A economia deveria prestar alguma atenção à necessidade de segurança. Ao plano psicológico. Eu, até acho que se queremos os "mercados financeiros" a recuperar mais depressa poderíamos ter já levado a tribunal alguns "bodes expiatórios". Exemplos. Os "mercados" também tem sentido de "justiça"...

A evangelização do Magalhães

to be continued

domingo, outubro 19, 2008

Ad Hominem

Ciclicamente dá à costa, com ardor, a dor de corno sobre o Saramago. É imperdoável que o homem tivesse sido (parece que ainda é) comunista. O que quer que isso seja, e signifique, hoje, conspurca desde o berço o que o homem escreve. Sem pontuação ainda por cima. Tivesse sido outro a inventar aquela ideia da península Ibérica ir por aí afora desligada do continente, ou de ficarmos todos cegos, ou de votarmos todos em branco num excesso de visão, ou de existirem duplicados de nós próprios, ou mesmo a iconoclastia do evangelho e, não faltariam por aí os louvadores de tanta genialidade, criatividade e sagacidade. Mas o homem tem de penar pela sanha persecutória dos tempos do Diário de Notícias. Não basta, contudo, lamentar e condenar a deriva estalinista que o contaminou. Por causa dela, há que recusar ao desgraçado qualquer arremedo de mérito pelo que fez no tempo que lhe sobrou à actividade de comissário político. Reduzir a sua escrita a pedaços de menoridade ao alcance de qualquer dos seus mais acirrados críticos. E lastimar profundamente a atribuição da comenda do Nobel. Coisa que, se lhes fosse conferido para tal, alguns não hesitariam em corrigir retirando o prémio em público e com o autor arrojado e humilhado em praça central de cidade capital e com transmissão em directo na CNN.

Eu devo confessar que li alguns livros, gostei deles, e houve mesmo alguns que achei arrebatadores. Lamento que o homem tenha desperdiçado tempo a perseguir adversários políticos, que tenha desperdiçado talento a impor visões asfixiantes e irrealistas do mundo a terceiros. Mas espero, sinceramente, não vir a ser condenado ao fogo eterno por ter gostado de ler o que o homem escreveu mesmo sem pontuação.

segunda-feira, setembro 22, 2008

A felicidade eterna

A coisa ainda não acabou, portanto, ainda é cedo para a agenda mediática ser dominada por aqueles que nos relembrarão que “nos tinham avisado”. Ou por aqueles que propõem inovadoras panaceias para que nunca mais possa acontecer. Ainda não é o tempo de balanços profundíssimos nem para serem exigidos mecanismos “que de uma vez por todas” previnam estas crises. Ou novas autoridades de regulação. Quem sabe, daqui a algum tempo alguém virá falar de meta sistemas e de Kurt Godel. E da necessidade de um supra organismo acima de todos que regule o sistema financeiro a nível mundial uma vez que os “fenómenos” são transnacionais e as fronteiras são um conceito inútil neste mundo electrónico em que se esvaziam os cofres de um banco através do pânico dos “ratos”...

Por enquanto os rostos são de perplexidade e desorientação. Os psicólogos poderão falar dos modelos de negação, pânico, acomodação, superação e sei lá que mais. Não faltam já especialistas em ‘crisis management’ a vender boas soluções. Mas em boa verdade ainda ninguém sabe realmente as “medidas” da crise. É como uma nova “besta” para a qual procuramos comparações com outros monstros mas sem a convicção que já temos um nome certo para a nomear. No jargão das mini crises os analistas pronunciam com autoridade a palavra “volatilidade”. Que quer dizer não estamos a ver bem o filme mas a poeira vai assentar lá mais para a tarde. No presente contexto as palavras são mais voláteis. Crise, recessão, ajustamento, correcção, choque. Pior que no inicio do século vinte. Grande depressão. Até um candidato presidencial primeiro arriscou que os fundamentais estavam sólidos, mas depois de perceber que ninguém parecia escutá-lo veio falar dos malandros de Wall Street que entretanto são dos principais financiadores da sua campanha.

Quando pára? Quem são os próximos? Ninguém arrisca dizer. Eu por mim só posso dizer não será a última vez. Nem a penúltima. Os seres humanos são muito optimistas e cavalgam euforicamente ilusões de riqueza incomensurável rápida e fácil. Mesmo em face de evidências claras do contrário. Como aquelas que faziam o ratio Dupont em estilhaços com promessas de valor infinito, mesmo na véspera do ‘crash’ da bolha da Internet. Companhias como a Yahoo que vendia pouco ou nada, valiam em bolsa centenas ou milhares de vezes mais que os seus activos tangíveis. Era a época do imaterial em explosão. ‘The sky was the limit’. Na altura, o sentido de urgência tomou conta de todos. Era o momento de investir em projectos arrojados que seriam premiados em ciclos virtuosos na Net, ‘overnight’...

E os bancos aprovavam operações lunáticas. E entalaram-se. E com eles, todos os que achavam que a gestão financeira tinha sido reinventada e que os fundamentais das finanças já não implicavam que uma empresa deve, idealmente, ter várias vezes a facturação superior ao activo líquido, e claro está, que este activo líquido seja bastante sólido... Entre nós algumas ‘rising stars’ da época deixaram um rasto de papel que hoje vale cêntimos...

Agora parece que a ilusão, bondosa e pia, de fazer de todos, orgulhosos proprietários de casas com preços inflaccionados num contexto de perda de rendimento disponível não era uma fórmula vencedora. Mas parece que já se suspeitava disso porque os promotores de tão venturosa política tratavam de vender e revender o risco a outros tão eufóricos e tão pouco convictos da robustez de todo o processo. E, circunspectos banqueiros, parece que caminharam sobre as águas. Agora alguns concluem que era uma mera ilusão de óptica.

A única coisa que sei é que daqui a uns anos assistiremos de novo a euforias semelhantes que no final todos acharão terem sido perigosas e incompreensíveis ilusões. E, talvez não se trate de dificuldades em aprender com os erros. Trata-se apenas de mecanismos psicológicos básicos que fazem gente sensata entrar em esquemas de pirâmide. Ou de gente que cai em contos de vigário. Estamos sempre disponíveis para isso. A vida pode ser demasiado curta para não enriquecermos já até amanhã de manhã cedinho.

publicado no Diário Económico

sexta-feira, julho 25, 2008

O Colapso

O espírito das férias anda no ar e não é propriamente a época de grandes reflexões. Sobretudo das que implicam a mudança de paradigmas e, desta vez, não falo do meu clube nem do mundo do futebol, mas antes de coisas mesmo sérias. Não obstante, e o mais rapidamente possível, vamos ter de repensar alguns modelos que conduzem o modo como pensamos e agimos sobre o quotidiano. Talvez mais pela fresca, que ultimamente a coisa anda um bocado bizarra. Nas últimas semanas chega a ser divertido o ciclo, que, à falta de melhor, poderemos chamar de Trichet. Cada vez que o governador do banco central europeu fala (e não age…), expressando a sua preocupação sobre a inflação deixando a “ameaça” de aumento de juros, segue-se que o dólar se afunda e o petróleo sobe. Numa ocasião, o petróleo recuperou em horas o que tinha perdido em duas semanas. Portanto, o senhor Trichet, estou certo que involuntariamente, cada vez que fala consegue provocar o efeito contrário ao que deixa patente nas suas palavras e nos seus desejos. Claro que o mundo não ficaria melhor só porque o senhor Trichet escolhesse falar menos. Mas, ainda assim, talvez devesse limitar-se a comunicar acções e decisões concretas em lugar de longas análises em que detalha o contrário do que acabará por acontecer como consequência das suas palavras. E escrevo isto em face de duas semanas de descidas contínuas do preço do crude...

Em todo o caso, desta vez, a subida do preço do dinheiro parece longe de provocar o efeito pretendido. Talvez porque ‘elsewhere’ o preço do dinheiro anda barato e há escassez de sítios onde aplicar o que se retirou de um sistema financeiro em colapso. Dinheiro salvo à revelia de todas as homílias sobre a ‘market freedom’ que afinal só se aplica quando a coisa corre bem. Quando corre mal, o mercado deve ser manietado, a mão invisível retirada para lugar seguro e os “pacotes” de dinheiro público entram em acção para salvar as burradas privadas. Ainda assim, e em face deste facto, não há mingua de quem requeira dose maior da terapia. Mais do mesmo mas em doses ainda mais cavalares. Talvez o paciente não resista a tanta boa vontade e com juros a 10% a terapia se calhar resulta sobre um cadáver. Mas há quem descubra virtudes inusitadas no “abrandamento”, como lhe chama o nosso primeiro ministro. O aumento do preço do combustível provocará a redução no consumo com consequente melhoria no ambiente. Por extensão do argumento, poderemos prever que o aumento do preço da comida provocará a redução dos diabetes, do colesterol e, em última análise, a solução para a crise financeira dos sistemas públicos de saúde ocidentais. Paradoxalmente, os partidos verdes e alguns de esquerda parecem pretender aumentos de subsídios para o consumo de combustíveis fósseis que, entretanto, culpam pelo efeito estufa. Isto está confuso.

Tudo isto não passaria de borbulhagem exógena, portanto sem significado, não fora o problema do crescimento económico ser também arrastado para a maré de linearidades em colapso. É que parece que tudo se conjuga para fazer sol na eira, com temperaturas de 50 graus e chuva no nabal com chuvas torrenciais e enxurradas. Na repartição da grande divisão do trabalho pós mercados livres presumimos que os mercados a oriente se alargariam com a exportação dos empregos pouco qualificados para lá, transferindo a economia industrial, resgatando uns milhões à pobreza que consumiriam alegremente os nosso bens e serviços, e nós no ocidente ficaríamos com a economia dos serviços e com a parte da economia do conhecimento. Para isso é que comprámos o ‘franchise’ do MIT, em Portugal, e no resto da Europa compraram-se outros ‘franchises’ semelhantes e multiplicaram-se os cursos “qualificantes” de todo o feitio e tamanho. Alas. A economia do conhecimento e o seu aumento de “empregabilidade” parece ter descoberto o caminho das terras do sol nascente. Nunca pensei dizer isto mas, agora, até a economia dos eventos me parece mais promissora juntamente com a economia do turismo de luxo, do turismo cultural e, como diz um amigo meu, as filigranas com design e investigação em cima podem ser produtos com futuro na área de uma oferta integrada de história e vivências aos novos ricos do oriente. No colapso de mais algumas linearidades simplórias, nós por cá vamos, por certo, descobrir novos pobres mas com menos obesidade e diabetes.

(publicado no Diário Económico)

quarta-feira, junho 18, 2008

O grande equalizador

Eu sempre fui a favor de provas globais, de exames, de avaliações. Iguais para todos. É a única maneira de testarmos a realidade dura e pura e pura e dura...

É um espelho terrível que finalmente revela o bom e o mau. Que destrói ilusões de grandeza que era oca, e que revela talentos escondidos por categorizações redutoras. É um grande momento de reality check.

Aconteceu hoje com o meu garoto mais novo. Na escola onde anda (e concluiu agora a quarta classe) foi sempre ofuscado pelo irmão mais velho. O "ponderado", educado, mais tímido e mais reservado. Que teve sempre mais de 90% nos testes de tudo e mais um par de botas, e quando fez os exames nacionais de aferição do ano passado obteve, "naturalmente", o máximo, A a matemática e A a português. Era indiscutivelmente o mais sensato, o mais calmo, o mais "inteligente". No quinto ano repetiu a dose, e ainda bem....

O mais novo foi sempre o "artista". O que pegava em materiais como papel, agrafos, cola, tinta, partes dos Dragons e dos Bionicles e fazia uma máscara do Predator ou do Alien (bastante realistas...) e depois recriava a "persona" numa pantomina criativa que nunca cessava de nos surpreender. Só que tinha belíssimas notas também (sempre mais de 90%...). Mas era sobretudo "engraçado", mesmo para os colegas (os pares) a imagem passava e ficava colada ao corpo. Hoje vieram as notas de aferição. Foi o único a ter A a português e A a matemática.

Os professores, os auxiliares, a governanta, os colegas hoje pareciam ter descoberto uma nova criatura. Conviveram com ele quatro anos e não "sabiam" que ele para além de pantomineiro (imbatível...) era afinal "assim", "como o irmão"....

Abençoado exame, que hoje parece ter feito sobretudo uma vítima. É que o meu filho mais novo agora acredita, também ele, que afinal é um belíssimo aluno, e não só um "artista"....

quinta-feira, junho 05, 2008

Banco

recebi um simpático telefonema a informar-me convidar-me pressionar-me (push do marketing....) que um dos bancos onde tenho conta organiza um road show com produtos que vende.....

são ecrãs de plasma, computadores, hi-fi, vestidos Versace (OK esta é inventada por mim...) ..... o "evento" decorre num hotel de Lisboa e, claro está, pretende vender dinheiro a crédito para que compremos aqueles bens sem os quais a nossa vida ficará vazia de sentido teleológico.

Eu fui um bocado ríspido com a senhor/menina que me telefonou e provavelmente se encontra em contrato a prazo com renovação dependente do grau de "desempenho" nesta actividade de telemarketing de promotora da tupperware... eu quase que aposto que o director de marketing autor do "stream" comercial não é capaz de fazer as cold calls.....

mas já vai minguando a paciência para esta pressão constante e obsessiva para que nos reduzamos a consumidores de qualquer merda desde estejamos sempre numa posição de dever dinheiro por compras anteriores e em vias de comprar mais qualquer coisa....


suponho que a menina senhora que fez a chamada tem uma licenciatura em qualquer coisa menos na expectativa de ter de vender sabonárias ao telefone e levar desaforo de clientes irritados e sem orçamento para fazer face às expectativas dos filhos mais ao preço da gazolina e ao juro do empréstimo.... mas deve ser desta precariedade que a senhor lider do partido da oposição falava com alegria e optimismo...

quarta-feira, junho 04, 2008

A sociedade desvinculada

recentemente uma lider de um partido político fazia uma notável descoberta. A de que tudo era precário pelo que a própria noção de precariedade estava sem sentido. Palavras sábias de alguém que já tem segurança suficiente para se colocar a salvo da incerteza que de sorriso na face constata para os outros. Os mais novos. Que em face de não existirem vínculos podem limitar-se a existir no presente sem calcular o futuro. A lider deve continuar a sorrir.

sexta-feira, maio 30, 2008

A estatística

parece que era de 2004 e, portanto, várias pessoas tiraram conclusões precipitadas ou mesmo manipuladas ou manipuladoras. E a asserção era sublinhada por um sorridente triunfo retórico.

Lamentavelmente, a estatística de ontem não estará disponível antes de uns anos. Se calhar evidenciaria as cinzas de uma classe média que já está longe da moda e a puxar a mediana para baixo.

domingo, maio 18, 2008

A conversa quando as coisas não correm bem

Antes de mais, um ‘disclaimer’ (como se diz em “internetês”…). Eu sou sócio número 13488, há quase trinta anos, da instituição que utilizo para ilustrar o argumento deste artigo. Afianço desde já, e antes de algum reflexo pavloviano em que a indústria é pródiga, que não sou nem candidato a segundo assessor do terceiro ajudante do décimo adjunto do sector de observação e recrutamento de talentos na área de Santana de Cambas, nem faço parte de nenhum sinistro grupo internacional de conspiradores que visa derrubar ninguém…

Mas adiante. Trata-se de discutir, neste artigo, algumas curiosidades do processo de formulação de uma estratégia. Devemos começar pelo negócio em que realmente estamos. Por exemplo, algumas pessoas podem presumir que vendem ferramentas de jardinagem, quando realmente estão no negócio dos ‘hobbies’ de fim-de-semana ao ar livre e em contacto com a natureza, competindo com as excursões do Centro Nacional de Cultura, ou com os passeios pedestres ao Jardim Botânico, ou com as actividades de prevenção dos AVC. Uma empresa que transporta crianças de casa para a escola pode equivocar-se e definir-se como empresa de transportes, quando o que realmente presta é um serviço de segurança. Entendido qual é realmente o negócio em que estamos presentes, podemos então definir como queremos actuar. Em que segmentos e com que produtos específicos devemos posicionar-nos, tendo em conta as acções de outros concorrentes, fornecedores, regulamentos e demais variáveis que podem facilitar ou constranger as nossas intenções e acções.

Verdadeiramente essencial é que fixemos objectivos claros a alcançar, que assumam uma dupla utilidade. Mobilizam as energias dos que colaboram no empreendimento e fornecem um farol e um padrão contra o qual podemos, permanentemente, comparar o que estamos alcançando e quão distante estamos do que pretendemos.

Quando as coisas correm mal, isto é, os objectivos fixados não foram atingidos, podemos sempre lançar mão do recurso ao processo soviético de revisão da História, dizendo, por exemplo que os 14,5% de EBITDA não foram cumpridos porque as condições de mercado se alteraram drasticamente, ou mesmo houve intenção malévola do governo, ou que a autoridade reguladora faz batota, mas em compensação as vendas cresceram 23% acima do esperado e quase 46,3% acima da mediana do sector. Ou então que conseguimos, numa revisão defensiva da nossa estratégia e, em face, da elevada volatilidade evidenciada pela economia a partir do segundo quadrimestre, uma significativa redução dos custos fixos com as operações logísticas que nos permitiram uma libertação de meios assinalável mantendo o nível de criação de valor para o accionista dentro das bandas normais na empresa e muito acima do que os nossos concorrentes directos conseguiram. De qualquer modo, os bónus parecem assegurados mesmo em face de estrondosos insucessos.

Estendendo a lógica anterior, e na fronteira da inovação radical, encontra-se o meu clube. De futebol, convém salientar para ajudar a posicionar a questão. Que tem acumulado EBITDAS muito apreciáveis segundo os resultados divulgados. Multiplicado as “casas”, como extensões do ‘supply chain’ de ‘merchadising’. Estabelecido parcerias estratégicas com sete sextos do mundo empresarial inclusive com a (passe a publicidade) Auto Mecânica de Mértola onde, como sócios do clube, temos 10% de desconto. Temos telemóveis próprios, seguros especiais, descontos em restaurantes de Alferrarede e Marzovelos, fabricantes de tintas desenvolveram cores especialmente para decorarmos a casa no interior e exterior, soluções financeiras especiais, descontos em serviços de alarmes e segurança, e muitíssimo mais que o catálogo dos benefícios por ser sócio é maior que as antigas listas de telefone da cidade do México. O problema é o da definição do negócio. É que, estou convencido, o que os sócios deste clube queriam era somente e singelamente ganhar o campeonato. Nada mais. Suspeito mesmo que trocávamos o desconto nas lojas de pneus de Estombar e de Arcozelos para evitar o quarto lugar. Mas não deixa de ser interessante o processo, contínuo, de revisão de objectivos estratégicos que são periodicamente actualizados com justificações mais que plausíveis, mesmo inovadoras e revolucionárias. Eu, aliás, posso fornecer, completamente livre de encargos com propriedade intelectual, o sistema de equações diferenciais não lineares de quarto grau que explica o modelo de fixação de objectivos do meu clube, bem como a retórica utilizada para o explicar de modo eloquente e simples. Mas fico com a secreta esperança que, eventualmente, um dia destes alguém consiga entender a verdadeira natureza do negócio.

publicado no Diário Económico

sexta-feira, abril 04, 2008

O triunfo do Pavlov ou a sociedade dos histéricos

Mais de 10.000.000% de aumento de casos de violência sobre velhos

De seguida, algumas dezenas de tarefeiros e estagiários pagos a sandes de fiambre são despachados em busca do momento emotivo. Do olhar de tristeza. Da situação de impotência e de solidão. No estúdio um jornalista/apresentador/entertainer com voz de Orson Wells amplifica o drama o horror a consternação. Lança a bisca para um dos habituais advogados, psicólogos, sociólogos, jornalistas desportivos, generais reformados, especialistas em armas termonucleares e geoestratégia que habitam o espaço comunicacional e, estão permanentemente contactáveis e disponíveis para expressar uma visão instantânea sobre o que seja necessário e pago a recibo verde. A percentagem, claro está, diz respeito a uma comparação absurda. Contra um tempo em que nem sequer se contavam tais minudências. Não existia, desde logo, o conceito. Antes, como agora, os velhos levavam quando se borravam ou mijavam, quando recusavam a comida. Só que agora, felizmente, há alguma censura social a essa realidade triste. A natureza humana é a mesma. A compaixão é a mesma. O que mudou foi a exposição pública. A violência sobre velhos, sobre mulheres, sobre crianças tornou-se odiosa. Não graças à histeria induzida pelos mídia e pelos bobos que a manipulam. É que depois do reflexo pavloviano do exagero e da erupção da histeria o que sobrevêm é de novo a indiferença. O conceito de violência doméstica, por exemplo, substituiu lentamente a sabedoria consuetudinária que caucionava as frequentes cargas de porrada sobre as esposas porque sim ou porque o Benfica perdia e que se consubstanciava no princípio que "entre marido e mulher não metas a colher". Contudo chegámos à noção de violência doméstica porque as mulheres e alguns homens foram conversando sobre o tema e foram chegando a novos consensos, não porque a histeria provocada com imagens fortes tenha ajudado muito. As imagens fortes e o ruído condenatório que se lhes em geral provoca reacantonamentos e não aumento do diálogo e dos consensos. Isto é, quando se gera uma histeria sobre os "homens" em geral, tipo são todos uns porcos, isto conduz os "homens" a reagir como "classe" e a negar não só a dimensão do fenómeno como muitas vezes o próprio fenómeno, oq ue prejudica a evolução do combate ao fenómeno.

Vem isto a própósito da histeria de hoje com os 140 casos de miudos que levaram "armas" para escolas. Sendo que no final alguns são canivetes, coisa que no meu tempo quase todos os miudos tinham... outros eram armas de fingir, e nalguns casos armas reais. Coisa que no meu tempo também se dava ao caso...

Gera-se uma histeria desnecessária que levanta receios infundados nos miudos sobre a sua escola, espaço em que em geral circulam com grande segurança. Mas os jornalistas são umas putas como outras quaisquer. Alegadamente até um código deontológico possuem. Deve ser bastante cómico. Os gestores e donos de empresas de meios de comunicação são também bastante patuscos. Parece que são "reféns" impotentes do mercado e do sangue e sound bites que o "mercado" exige. As putas propriamente ditas são merecedoras de compaixão. Estas outras putas que vivem dos excrementos são só isso mesmo.

sexta-feira, março 14, 2008

Estratégia Instantânea (III)

Aqui há umas semanas sugeri que uma boa parte das estratégias clássicas estão em vias de extinção. Por exemplo, a dicotomia introduzida pelo Porter, a escolha entre o produzir barato e em massa ou produzir diferente e desnatar o mercado, foi, aparentemente, ultrapassada pelo produzir diferença para o mercado de massas, como nos casos da Zara e da Decathelon.
Depois, brincando um pouco com a extraordinária e prolixa pós-modernidade na teoria da gestão, sugeri que a sabedoria contida em os “três porquinhos gestores” e no “síndrome do macho alfa”, entre outros, poderia não bastar para substituir o modelo de crescimento do Igor Ansoff, que ainda me parece muito útil e talvez o melhor modelo de raciocínio estratégico. Mas, voltemos então à questão inicial: a estratégia tornou-se como os tempos. Instantânea. Mas quais serão os novos vectores de posicionamento?

Desde logo assistimos à desmaterialização das actividades antigamente associadas a transformação de materiais. Uma espécie de rotura entre o produto físico e a marca. ‘Brands Not Products’. A marca transforma-se num modelo de vida que comporta. O sistema de valores e atitudes que transmite. A experiência e a vivência que permite. Trata-se do que o símbolo nos permite sentir, ver, ser visto, e não no produto material que apenas serve de desculpa para a existência da marca. A marca fica assim associada ao conceito de atitude.

Estar “aqui e agora” é o ‘leitmotiv’ da estratégia pura e dura. A marca fornece um mecanismo de rápida identificação a uma tribo, como (re)nova(da) categoria sociológica. Tal como os ‘hot spots’ da noite aparecem e desaparecem com velocidade alucinante mas sem causalidade especial, as tribos aglomeram-se e desfazem-se à luz de conceitos polarizadores que se substituem rapidamente. Os instrumentos da estratégia estão, portanto, também em extinção.

Agora para saber que estratégia é que está na onda para a semana o melhor é ter ‘undercover agents’ entre o ‘crowd do people’... como faz a Nike ou a Tommy Hilfiger. A separação entre diferenciar e massificar pode estar a ser substituída pelo produto singular e despido de todos os ‘morphs’ tecnológicos e funcionais como o ‘low cost’ na aviação e os produtos com toda a hibridez do presente como as sapatilhas com leitor de mp3, gps e medidor de batimento cardíaco e dispensador de ‘chewing gums’.

Outra dimensão emergente como variável de posicionamento é o espaço. Os espaços em que existem e agem as pessoas, numa qualquer ‘megalopolis’. Por exemplo, numa farmácia atingem-se todos as pessoas do segmento maiores de 55 que habitam numa qualquer zona urbana. A partir desta constatação podemos conceber a farmácia como entreposto de satisfação de uma pluralidade de necessidades. Desde o sector de turismo; com organização de excursões, da venda de ‘time sharing’ em termas, na alimentação; produtos de macrobiótica, ampolas para a memória, calçado ortopédico, colchões ortopédicos, cadeiras anti-escaras...

O espaço em que existem pessoas com mais de vinte e menos de quarenta, profissionais, ainda com a expectativa de alcançar a presidência da Cisco ou da Amazon, podemos fornecer nos ‘health clubs’, além das tradicionais alimentações saudáveis e bebidas isotónicas, viagens de aventura ou de consciência ecológica e cultural, viagens de recreio, produtos financeiros, ‘ipods’ e outros bens da linha castanha como aparelhagens de alta fidelidade de marcas norueguesas, cursos de ‘reiki’, cursos de misticismo oriental e ocidental e do sul, cursos de equilíbrio do ‘stress’, roupas, máquinas de sumos, automóveis. Em breve num ‘shopping center’ poderemos ter consultas médicas, diagnósticos médicos, frequentar aulas de formação profissional, colocar o correio, depositar dinheiro, comer, ver cinema, bronzear o corpo, fazer ‘step’, nadar, reparar o carro, ouvir palestras, comprar tudo o que necessitamos para nos matermos vivos, limpos, frescos, seguros, com menor ansiedade...

Se os leitores analisarem o léxico utilizado nas mensagens da comunicação publicitária verão que em todo o lado há um mercado e todo o momento e todo o lado é um mercado, e nós, ‘homo economicus’, ‘homo faber’, ‘homo sapiens’, existimos enquanto consumidores ... nem que para isso tenhamos de criar mais ‘subprimes’...

Diário Económico 14 Março 2008

segunda-feira, março 10, 2008

À partida

não sou nem adepto nem sequer entusiasta do que é público como moralmente superior ao privado. Tenho, de igual modo, muitas dúvidas sobre a bondade "por definição" do privado como alternativa lógica a todas as esferas do público. Num e noutro caso, sou pouco dado a exaltações de prefixo e de premissa. Acho que o Estado resultou do consenso a que fomos chegando sobre a forma de nos protegermos da incerteza e da arbitrariedade da natureza. Não surpreendentemente os abusos começaram logo tão cedo quanto estabeleciamos acordos sobre os benefícios a tirar do sacrifício colectivo. Não surpeendentemente descobrimos claustrofobias no excesso de protecção a que chegámos. Talvez a solução mais racional não seja o regresso à incerteza pura a enfrentar cada um por si numa espécie de fascínio pelo estado de "pureza" original e selvagem que premeia o esforço individual e castiga os madraços...

A solução não será também, a passagem à obsessão pelo controlo aparentemente absoluto, mas na realidade apenas paranóico. Quer pela via de arrasar tudo o que foi feito quer pelo "remédio" de redobrar os procedimentos de triplo e quádruplo controlo do que é incontrolável. Do mester ético do passado que comportava dignidade e valor socialmente estabelecido passámos à sequência de acções isoladas sem fio condutor sem gradiente humano alegadamente a troco de maior eficiência. O quer que isso seja.

Vem isto a propósito do meu filho mais velho estar encantado com a tarefa de monitor da semana da matemática na escola dele. Não há mecanismo de avaliação que capture a satisfação e o orgulho que ele exibe aqui em casa. Nem a motivação que ele pode arranjar para seguir estudando. Os professores que o ajudaram a treinar para esta semana devem estar também orgulhosos do trabalho que fizeram. Ajudaram na sementeira. Os frutos serão colhidos mais tarde. Muito mais tarde. Tão tarde que já só restará uma memória daqueles que influiram na carreira dele. Não há sistema de avaliação que permita aferir a vida. Eu ainda recordo com grande carinho a Emília Marques, professora primária da escola 52 da Calçada da Tapada, escolhida pelo meu pai em alternativa à escola Avé Maria. No primeiro ano de escola interclassista partiram-me a cabeça umas quatro vezes até que descobri o caminho da Tapada de Agronomia onde podia caçar salamandras e osgas que serviam de "argumentos" negociais para o fim das hostilidades com os "calmeirões". Além dessa experiência inolvidável, a escola 52 deu-me a "Dona Emilia", que organizou várias "semanas da matemática"... que dava aulas de inglês, em 1966... que arranjava maneira dos pais mais abastados pagarem as excursões aos miudos mais pobres, que arranjou maneira de termos uma equipa de hóquei em campo, e tinha o brio, a vocação, o orgulho, o culto dos mestres artesãos da Idade Média e pertencia à guilda secreta dos contadores de estórias.

A Emilia Marques foi avaliada por nós, seus alunos, várias vezes. A maior professora que jamais tivemos. Não sei se ainda irei a tempo de preencher os papéis da avaliação.Sei que reconheço nas estórias que os meus filhos trazem das escolas velhas coisas familiares. Há mais Emilias por aí. A papelada nunca lhes fará justiça.

segunda-feira, março 03, 2008

Land of the Brave

Uma das coisas espantosas da politica americana é a ausência de separação entre o Estado e a religião. Separação efectiva. Um dos maiores pecados na politica norte americana é ser ateu. Pior que defender a segurança social, ou o New Deal, ou mesmo (deus nos livre) ser comunicsta, é ser ateu. O segundo pior é ser muçulmano. O Barack Obama passou a última semana a "defender-se" de "acusações" de islamismo. Não sabia que ser muçulmano era um pecado tão grande. Uma "vergonha". Mas parece que sim. E ele lá se vai justificando e desmentindo a insinuação e a "calunia". Espantoso. Na terra da transparência e da liberdade dos "founding fathers" (que por sinal eram incréus)...

terça-feira, fevereiro 26, 2008

Non sense

O carnaval propriamente dito já passou. Não obstante, a mim de facto parece-me que todos fazemos questão e esforço por perpetuar a coisa. A situação da justiça, em particular, nos ultimos dias e semanas tem facultado suplementos de saudável loucura quotidiana. O país está deliciosamente esquizofrénico. E, podendo pagar o imposto automóvel pela Net, ao fim ao cabo a maior parte de nós não morrerá já sem essa louvável, inelutável, assinalável experiência. Bem hajam os que nos proporcionaram esse inolvidável avanço. Mas voltando à esquizofrenia, um novo momento telúrico é agora exemplificado pela situação dos felizardos que ainda tem carros em seu nome ainda que os tenham vendido há mais de dez anos. Numa situação vulgarissima de entrega do carro por troca de outro novinho em folha, todos assinámos os papelinhos da cedência da propriedade ao concessionário que nos vende o carro novo, só que parece que cerca de um milhão de compradores do carro velho nunca chegaram a mudar a propriedade. Agora aqueles que cuidavam ter vendido o carro tem de pagar, pela Net, pela Net... o imposto devido. Claro que poderão reclamar e, segundo uma criatura bondosa do governo, poderão pedir que o carro antigo seja apreendido, como mecanismo de pressão sobre o actual dono para ele tratar da papelada. Ora aí está. Paguem o imposto, mandem apreender o carro e lá para dois mil e setenta e oito vejam a situação resolvida num tribunal especial para os carros mal registados....

domingo, fevereiro 03, 2008

A dissociação

começa a ser muito pronunciada a separação entre o empenho, o esforço, o saber e o sucesso. Um trajecto de esforço na aquisição de conhecimento já não garante coisa alguma em termos de ascensão social nem de obtenção de reconhecimento nem de durabilidade da expectativa de recompensa. Ao invés, a preguiça, a ignorância a esperteza saloia em circunstâncias felizes permitem obter êxitos demasiado visíveis. O exemplo de cima pode assim começar a frutificar. Poderemos ter uma geração inteira que vendo caminhos mais curtos que o esforço honesto de aquisição de conhecimento e da sua aplicação em trabalho íntegro, toma deliberada e decididamente os atalhos.

Não existindo a expectativa de correlação certa entre esforço e sucesso a busca da alternativa será iluminada pela badalhoquice. Até aqui as duas formas tinham coexistido de forma relativamente pacifíca. Não obstante, parece que a solução de troca tintas ganha vantagem relativa mas significativa sobre a outra forma de sobrevivência.

terça-feira, janeiro 29, 2008

A solução óbvia

Frequentemente somos surpreendidos com algumas bizarrias de uma coisa fascinante denominada código do proecesso penal. Aquele documento que descreve a forma como se deve administrar e conduzie a justiça depois de tipificados os crimes no código penal. Aqui fica a minha modesta contribuição. Na investigação do crime de corrupção activa a escuta telefónica é válida se um juiz de instrução a autorizar e, claro está, verificar pista a pista as gravações decorrentes da diligência. Excepto se por força de outra diligência imperativa e inadiável o juiz de instrução tiver de fazer uma verificação alietória das pistas o que poderá fazer desde que o ano seja bissexto ou tenha chuvido mais do que 2 mm por metro quadrado durante seis meses consecutivos ou oito meses intervalados na comarca onde o inquérito está sediado. O ónus da demonstração do carácter inadiavel ou imperetível de diligência alternativa fica ao critério do tribunal da relação sendo que o tribunal da relação tem doze dias úteis para se pronunciar a contar da data de entrada do requerimento de parte ou do ministério público desde que não tenham decorrido mais de sete dias sobre o conhecimento da diligência por parte de quem de direito, ou desde que a maré esteja em praia mar ou a lua em quarto crescente. Em todo o caso prevalece sobre estas regras o entendimento do Supremo em jurisprudência desde que seja elaborada durante o mês de Maio ou durante as festas das colheitas de Almodovar no caso da comarca ser a sul de Coimbra ou das festas de Nossa Senhora da Conceição do Mogadouro se a Comarca ficar a este de Aveiro. Prevalencendo naturalmente a este respeito a interpretação autêntica emanada da Universidade de Coimbra, desde que não seja aduzida reclamação ao tribunal constitucional quando Marte se encontrar na segunda casa de Saturno. Faz-se excepção também se uma das partes for notificada por oficial de diligências que tenha medida de sapato inferior a 35 ou cujo segundo casamento esteja em processo de divórcio, sendo que a excepção carece da cosimultaniedade do pagamento de uma estampilha fiscal autênticada pela segunda secção da fazenda de Figueiró dos Vinhos.

domingo, janeiro 27, 2008

da melhoria geral da qualidade

Uma coisa é certa, a qualidade geral dos sites, quer do ponto de vista estético, quer da sua operabilidade melhorou muitissimo com o governo Sócrates. Hoje podemos marcar consultas pela Net, pagar o imposto automóvel pela Net, pedir uma certidão narrativa completa de nascimento (uma coisa absolutamente fascinante...) pela Net, registar uma empresa completa pela Net, parece que já se pode mudar a residência pela Net, pode-se encomendar alfaces pela Net, pode-se ler o diário do governo pela Net, pode-se fazer a inscrição para o exame de terça feira pela Net, pode-se lançar a nota do exame de terça feira pela Net, pode-se fazer um blog com as coisas notáveis e cruciais da vida da flora intestinal de cada um, pode-se entrar no programa novas oportunidades pela Net, pode-se receber a conta do gás pela Net e pela Via CTT, pode-se pagar afactura da água pela Net. E nós portugueses aparentemente utilizamos bastante a Net. Gostamos da Net. O governo electrónico é um sucesso. Indiscutível. E, qualquer dia o Governo lançará ou mandará lançar um facebook ou outra rede social qualquer para mostrarmos as fotos da visita da tia Genoveva ou a ida à Disnelilândia de Paris ou as férias em Porto Galinha. Admira-me como ainda existam pessoas fisicamente. Literalmente.