Eu acho delicioso o PREC iniciado pelo Passos. E, não pensem que estou a ser cínico. Estou apenas a ser levissimamente sarcástico. Mas é notável o esforço para produzir seres autónomos, furiosamente individuais, declaradamente independentes, determinadamente responsáveis, com nojo intestino de tudo o que cheire a colectivismo, comunitarismo, agrupamento, sociedade. Numa terra que tem quase 900 anos de busca e idealização incessante de um pai austero, tirano, que não ri, que ilumine e indique sem tergiversar, o caminho, a causa final de Aristóteles, é obra reconheça-se.
Parece que temos de nos tornar todos furiosos empreendedores. É bom do ponto de vista semântico, psicológico e financeiro. As universidade resolvem o problema das estatísticas de empregabilidade. Sobem nos rankings do Financial Times. Os alunos e potenciais desempregados começam a vida num estado mais optimista e a Segurança Social não se vê logo envolvida em subsídios. As universidades conseguem eventualmente uns subsidios para financiar incubadoras e pagar salários e outras despesas correntes. As estatísticas do IEFP melhoram formidavelmente. E se além dos finalistas convencermos os desempregados a optarem pelo mais prometedor título de empresários, óptimo. Resolve-se num passe de mágica o problema da sustentabilidade. Em última análise sair da zona de conforto deixar de ser piegas e emigrar. Ir à aventura por esse mundo fora de peito feito e confiança ilimitada na gesta na diáspora e no euromilhões.
O que é curioso e que esta sanha de produzir seres não dependentes da sombra protectora dessa abstração denominada Estado e responsabilizáveis individualmente colapsa quando nos deparamos ou com membros do governo apanhados em contra mão com a filosofia liberal do esforço calvinista e que vão por atalhos de irmandades cuja retórica assenta nas ideologias que deram origem aoEstado Social e à ideia de solidariedade e de comunidade. Ou colapsa igualmente quando o mercado parece desfavorecer, vá lá saber-se porque carga de água, os projectos mais venturosos tipo BPP e BPN. Parece que nestas áreas os prejuízos tem de ser socializados e não podem ser devolvidos à responsabilidade individual dos implicados. Ficamos um pouco desorientados pela lógica de S. Tomás. Faz o que ele diz e não o que ele faz.
O Estado já se sabe (ninguém diz de onde proveio esta sabedoria teórica ou empírica) é mau gestor. O "Estado" sem dúvida mormente porque esse sevandija é um ser etéreo e sem identidade. Mas, alas, parece que os advogados que trabalham de manhã no escritório a preparar a lei para o seu cliente que à tarde aprovam no parlamento e que à noite nomeiam o seu compadre para a administração da fundação, do hospital, do centro, do instituto, da comissão, da empresa municipal não são Estado. Os maus gestores nunca tem rosto nunca tem nome e acoitam-se todos atrás do "Estado". Ninguém pode portanto ser responsabilizado. Não deixa de ser catita. O Estado é ninguém em particular e são boas pessoas em geral. A esses ninguém lhes exige que sejam empreendedores e que se deixem de irmandades.
Entretanto a dura luta não vem sem escolhos. Mas haja fé. Pela primeira vez desde a década de 40 exportamos mais do que importamos. Congratulemo-nos portanto. Regressámos ao período em que as pessoas do povo analfabeto dividiam uma sardinha para 4. Se morria de infecções banais. Se fugia a salto na raia da probreza e se ia para o bidonville. Notável não?
Não regressaremos a essa tolice chamada estado social. A curva IS LM ancorou noutro ponto de equilibrio. Os economistas sem cultura que vivem aqui e agora acontextual e ahistórico rejubilam com a boa nova do Freeman. A litania do mercado enche-lhes a boca de mel. Vão morrer com cancro no estômago ou nos pulmões incapazes de ler as letrinhas pequenas dos contratos de seguro de saúde e de ganhar dinheiro como o cristão dos supermercados que não quer o estado a pagar pacemakers. É um mundo novo admirável . A porra é que não há soma e o prozac é caro e não é comparticipado.