sábado, junho 19, 2021

“Opá, educa-te. Lê um livro”

 

Esta é uma das conclusões habituais das interacções no Twitter. Com esta sentença põe-se termo a trocas de insultos, sequências de falácias ad hominem e outras atribulações da retórica contemporânea para pessoas apressadas e que pré-classificaram os seus interlocutores virtuais como bestas ou pior. Em geral, depois deste expletivo, o contendor retira-se vitorioso, sublinhado a renuncia à discussão, usualmente com o outro classificado como “porco”, “estúpido”, “facho” ou “esquerdalho”.

 

Prevalece uma importante questão. Mas, qual livro?

 

Por enquanto não consegui vislumbrar uma resposta adequada a este mistério. Não obstante, cresce o número de adolescentes que se aventuram ao longo desta curiosa avenida. “Educa-te. Lê um livro”. Uma espécie de tirocínio para mais tarde aparecerem no Linkedin como “Life Coach”, possivelmente com base na extraordinária experiência acumulada até à sua provecta idade de 23 anos.

 

As outras “trends” estatisticamente salientes, nos “diálogos” agressivos do Twitter, são também sintoma da pós modernidade que finalmente desagua entre nós.  A desqualificação dos outros porque são “velhos”, “boomers” ou outra forma qualquer de sublinhar que não são do tempo dos memes, mas da pré-história é um valor firme. Sem cultura e sem sofisticação, labregos que nunca foram em Erasmus e não sabem quem é a Minaj. Há um confronto entre os publicadores de fotos de gatinhos no facebook  e a geração que “instagrama” a sua existência com, natural, prevalência dos portadores do futuro. A geração ainda mais qualificada de sempre.

 

O outro vector popular que prevalece e se torna quase esmagador é o do âmbito do “mansplaining”. É um terreno divertido que faz lembrar aquele jogo do tempo inicial do DOS. O Minesweeper. Ao fim de duas interjeições a probabilidade de um gajo (particularmente se for branco) ser mandado calar tende para o valor esperado da certeza. Desde que existam duas interlocutoras praticantes da modalidade, quase tudo o que um individuo diga é sobranceiro, arrogante e desnecessário. Todos os dias vejo pobres coitados a caírem no ardil. Espalharem-se ao comprido. Alguns são idiotas. Explicar coisas a mulheres sobre dores menstruais é uma óbvia patetice. Mas dai em diante a amplitude dos assuntos que são exclusivamente femininos torna-se uma mancha de óleo que não pára de absorver temáticas que nem na química inorgânica se detêm.

 

Sem surpresa o terreno do “debate” mais clivado é o da direita e esquerda. Qualquer que seja o assunto desde a identidade de Euler até à biomimética tudo é analisável de forma antagónica numa perspectiva ideológica. O que nem é nada de extraordinário. Em ciência sempre foi assim. Aliás, sempre foi assim que se avançou. O que é novo é a introdução massiva da teoria de atribuição causal da psicologia social de modo exuberante e mesmo efusivo. Tudo o que os “meus” digam é imediatamente consolidado com aderência instantânea da claque. Tudo o que os “outros” afirmem e imediatamente barrado com fogo de artilharia pesada. Não parece existir terreno neutro ou de negociação possível. Pior, qualquer sugestão ou apelo à tolerância ou diálogo é tratada por uns e outros como impensável e por certo o proponente de tal aleivosia é um bufarinheiro da pior espécie sem margem para duvida um inelutável e irremediável colaboracionista ou pior ainda.

 

Vivemos tempos interessantes. Absolutos. Sem tempo, sem passado, sem futuro. Tudo parece ser aqui e agora. Estranhamente ou talvez não, o tal livro, o que serve para educar é frequentemente de “história”. Aparentemente no passado existiu ou aconteceu qualquer coisa que demonstra abundantemente que “eu” tenho total e esmagadora razão. E se “tu” tivesses lido tal obra nem estarias “aqui” a fazer-me perder tempo com a tua ignorância.

 

Costumava dizer aos meus alunos que todos os dias que se acordam deviam ver no espelho a pessoa mais bonita e mais inteligente do planeta. Irrealista sem duvida mas necessário para manter o ego sem colesterol ou anemia. Chegámos a um tempo em que quase toda a gente se levanta olha ao espelho e vê a única pessoa inteligente no planeta.

 

Vivemos tempos interessantes. Era uma praga que os chineses costumavam rogar aos adversários.

 

O fim da História e outras lendas

 

Em 1992, um filósofo americano de origem japonesa, Francis Fukuyama, publicou uma obra em que anunciava o fim do debate ideológico centenário com o triunfo da visão hegeliana do liberalismo e da superioridade da civilização que saiu do renascimento, das luzes e da revolução americana.  Hoje sabemos que este decreto foi precipitado, e que a globalização parece ter encontrado um lugar mais confortável para o lado do sol nascente, para ser simplista e, quem sabe até, optimista.

 

Em Gestão e teorias organizacionais também já assistimos a vários decretos destes.  A denominada M-Form; a empresa divisionalizada e organizada em matriz, enaltecida por Williamson e Chandler, como a maior, e derradeira  inovação organizacional do século XX. Parecia ser, de igual modo, o “fim da história” em termos de formas de estruturar uma empresa em particular se fosse uma multinacional.  Sucedeu-se-lhe o entusiasmo com a “reengenharia de processos”, mãe já distante das formas “agile” e do entusiasmo com a gestão de projectos que actualmente provoca um interessante ímpeto de certificações, que, aparentemente, garantem uma quase imediata adaptação a qualquer contrariedade que apareça no meio envolvente do negócio. A flexibilidade total. Uma espécie de kung fu organizacional. Em contraponto com a visão conservadora da qualidade total, que se deduz de uma posição baseada em recursos e capacidades e nas virtudes do interior da organização somada a uma identidade e cultura à prova de fogo e de catástrofes no exterior.

 

Há anos testemunhei em primeira mão outra onda de entusiasmo, também final e definitivo. Fruto do contra-ciclo e do fiasco da teoria dos conglomerados, em que as empresas se diversificariam até ao infinito com um negócio em cada país e em cada sector, como se gerir um qualquer negócio de sapatos em Florença fosse igual a um negócio de hotelaria na Namíbia, e, em pleno ambiente de “small is beautifull” do Schumaker e do “stick to the knitting” do guru Tom Peters, veio o Outsourcing. Tudo o que não fosse “core” era para ser corrido para fora das organizações e subcontratado. Apresentava-se um racional imbatível. Vinha da lógica financeira; transformar em custos variáveis os custos fixos. Na Suécia, assisti ao desmembramento do departamento de manutenção de uma grande fábrica e às pessoas desse departamento a serem convidadas a criar o seu próprio negócio e passarem a prestadores de serviços. E assim foi. Anos depois, com surpresa, de novo nessa fábrica vi que estavam lá de outra vez os engenheiros, mais o departamento de manutenção. Descobriram entrementes que além de custos fixos que pareciam não fazer nada depois de excelentes planos de manutenção preventiva, que levavam mesmo a sério, durante o “resto” do tempo, afinal, os “desocupados” engenheiros da manutenção eram a fonte de incontáveis e muito valiosas inovações de processos industriais e mesmo de redesenho e adaptações em maquinaria, que, aparentemente eram mesmo muito valiosas e não eram registadas na contabilidade. Nem geral nem analítica nem de actividade nem de espécie alguma...   

 

Não obstante a voracidade destas modas, de inúmeras outras que não podemos dar conta, e, nalguns casos a sua curta existência, permanecem lições úteis de todas elas. Quiçá nenhuma foi o “fim da história” mas todas deram contributos importantes para que a história das empresas fosse de maiores sucessos.

 

Na actualidade vivemos, de novo, sob auspício de mais alguns e impressionantes chavões e “buzzwords”. E, de novo, políticos, académicos e alguns gestores parecem estar em clima de fim da história. “Transformação digital”,  “marketing nas redes sociais”,  “gestão baseada em ciência aplicada a lagos de dados”, “inovação em modelos de negócio”, “brands not products”, “criatividade 5.0”...

 

Todas estas prioridades parecem imperativas. De todas há aspectos interessantes, por certo mesmo essenciais. Mas de todas, para evitar mais um ciclo de mergulhos precipitados como com a “reengenharia de processos” inventada para dinâmicas de front office – back office na actividade seguradora, e paradoxalmente aplicada em fábricas de mármores ou fábricas de conservas de atum, talvez convenha ter em atenção lições e princípios que já sobreviveram a tanto fim do mundo em negócios.

 

O entusiasmo, o sentido de urgência com a presença online, as vendas online, a optimização dos sites, a adaptabilidade e utilidade dos procedimentos de encomenda, a facilidade de consulta de “catálogos” parece importante. É importante. Mas convêm não esquecer que quem compra são pessoas médias. Medianas. Modais. E não engenheiros informáticos que concebem algoritmos sofisticados. Aqui há já bastantes anos, a Inteligência Artificial provou ser muito útil. Na famosa experiência do supermercado que associou fraldas para recém nascidos e cervejas. Uma associação totalmente idiota perante qualquer modelo conhecido e desconhecido de marketing ou de segmentação na altura. De facto nunca ninguém se tinha apercebido da existência de miúdos, recentemente tornados pais, que era “enviados” aos supermercados para comprar as necessidades básicas entre as quais fraldas. Ainda semanas atrás ocupavam o seu tempo com a “crew”, os “homies”, jogando e bebendo e “hanging around da hood”. De repente transformados em “prisioneiros” ainda em adaptação. Bom, já que não podiam ir ter com os homies, podiam convidar os homies para casa e jogar e beber umas cervejas  e ver a equipa da cidade a jogar, enquanto brincavam ou adormeciam o filho recém nascido. Aparentemente um “segmento” em crescimento e valioso. Uma instrução misto de algoritmo genético, rede neuronal e inteligência de enxame detectou aquilo que muitos continuaram a rejeitar porque não parecia ser sequer lógico. À luz dos modelos dominantes.

 

Sem duvida que as “redes sociais” são uma fonte de dano reputacional ou de escalada de vendas, a que se deve dar atenção e agir sem hesitação em qualquer dos casos. Sem dúvida que o digital é um domínio e uma fronteira incontornável. Sem dúvida que as formas e fontes de crowdfunding são, na actualidade uma forma inteligente e inovadora de evitar custos financeiros e de angariação de capital, para grande irritação dos sistemas clássicos, por exemplo da banca e dos mercados de capitais. Sem dúvida que potencialmente as moedas digitais podem emergir como forma de pagamentos e transações.

 

Não obstante a necessária ponderação destas questões, e de alguma prudência na separação do trigo do joio, há questões que são Business Fundamentals. Tal como regras de ouro em finanças que ciclicamente parecem ser remetidas para o “caixote do lixo da história” e que regressam com grande estrondo e em geral com crises financeiras como o crash das Dot.Com, a crise do subprime e já para não falar no mecanismo de recuo das bazzoocas que muita gente assevera não existir...

 

Tal como o facto de a natureza humana ser essencialmente a mesma desde há milhares de anos.