Corre por aí um video em que um garoto de 16 anos "humilha" uma professora catedrática. Pode ser visto aqui.
Suscitou grande comoção e aprovação viral. Eu por mim devo dizer que a figura e postura do miúdo me é simpática e que a atitude da professora foi de uma certa sobranceria e desdém pelo garoto e portanto compreendo o gozo generalizado com a "humilhação". A realidade que percebo limita-se àqueles segundos.Não tenho paciência para ver aquelas coisas, aborrece-me a leveza e superficialidade dos "debates" (já fui abordado e mesmo convidado pela "produção" por duas vezes, e tive de declinar o amável convite porque já lá vai o tempo... a vaidade pessoal está mais apaziguada, e em boa verdade nunca foi mais do que estratégia de comunicação... e o contributo que daria seria ruído de fundo como tudo o resto a que é reduzido que lá vão fazer e dizer...). Portanto, pelo que observo no video viral, o miúdo, aparentemente, decidiu criar uma marca de roupa barata confortável e que fugia à lógica do pagamento de fortunas pela mesma coisa em razão de serem feitas por marcas estrangeiras.
A professora presumiu sem bases, de modo agressivo e apressado, que a roupa era feita naqueles prédios que desabam no Sri Lanka por crianças pagas a 4 dólares mês, informada que era feita cá, não desarmou e soprou que era feita por gente a salário mínimo e o miúdo rápido disse-lhe que era melhor que estarem desempregadas. Foi aplaudido vibrantemente. A professora fez um sorriso amarelo e acaba o video.
10 a zero. Um miúdo que bate punho destroça uma instalada grisalha arrogante. Uma maneira de ver a coisa. O spin do Governo gostaria que esta imagem colasse. Um miúdo de dezasseis anos comporta a mensagem de esperança num país livre de lobbies e com iniciativa não titulada pelos maçons nem pelos partidos em oposição a uma académica das torres de marfim longe da realidade e mal agradecida para quem cria valor e impostos que lhe pagam o lugar de pós doutorada e investigadora à pala do dinheiro dos contribuintes. Outra forma de pôr as coisas. Para iniciados isto era uma derrota pesadíssima do ex ministro Gago... já estou a ver o sorriso amarelo do gajo do Público que foi visitar estabelecimentos de ciência pelo mundo inteiro e sempre alisou o caminho das teorias dos gaguistas e dos servidores do monarca como o Moniz Pereira da FCT da Nova que nunca quiseram ser os laboratórios das traseiras das empresas (dito por ele justamente num Prós e Contras)...
Mas como nunca fui bom na disciplina do maniqueísmo 101... e sempre me lixei com isso mas nunca me arrependi ... debatamos um pouco mais a coisa... por muito impopular que seja o debate e termos de usar o cérebro para pensar...
Comecemos por defender a professora com uma técnica conhecida...
1. Ser milionário é melhor que ser da classe média e ter emprego numa empresa que se vai deslocalizar para a India...
2. Ser da classe média e ter vários depósitos de 99.000 euros em bancos europeus é melhor que ser supervisor de turno da Stapples...
3. Estar empregado com salário mínimo é melhor do que estar desempregado sem subsídio...
4. Ser pobre na Suécia é melhor que ser pobre no Siri Lanka...
5. Estar doente de cancro da próstata em fase inicial é melhor que ter cancro de pequenas células no pulmão
6. Estar vivo é melhor que estar morto...
relativiza-se um pouco a coisa... Talvez o argumento que a professora quis introduzir (embora no registo de canelada próprio do programa, razão suficiente para nunca lá meter os pés no programa...mas vai lá quem quer o ego afagado...) possa ser melhor compreendido com este livro que uma adepta do mercado e da liberdade total de comércio e negócio escreveu quando ficou aborrecida com uma jovem aluna que pedia que parassem de comprar t-shirts porque eram todas feitas num regime esclavagista no oriente... a conclusão do livro é deveras surpreendente e interessante pelo menos para quem acredita na fábula do mercado ... (a conclusão é que a aluna deve continuar a clamar contra o esclavagismo) mas podem ler o livro e concluir por vós ... é este aqui As viagens de uma t-shirt no mundo global ... e a prazo o consenso de Washington virar-se-á contra os seus feiticeiros... e sim um dia alguém vai voltar a clamar por empregos que paguem mais do que a fome... mas a prazo este miúdo também será um herói louvável ... pelo inconformismo pela iniciativa pela criatividade pelo desafio porque podendo ficar quieto fez e não é dele a responsabilidade de resolver os problemas do mundo ...
Mas não se aplauda o trágico que é estarmos a congratularmos-nos com o facto de na Europa o modelo de desenvolvimento ser assente em mão de obra barata ... não nos regozijemos com o facto de ser melhor ter emprego que paga uma vida de merda a não ter emprego nenhum ... temos de exigir de nós e dos governantes que olhem para além da crise financeira em que se emporcalharam e em que comem o pão amassado por escroques gananciosos por certo não apreciados pelo futuro cardeal de Lisboa e que pensem e ouçam sobre uma ordem económica que não deve nem pode passar por competirmos com os soterrados dos prédios do Sri Lanka...
não é por certo aquele o futuro que queremos para os nossos filhos porque a técnica de exagerar até ao absurdo um dia será ... "ah o meu filho licenciado em física dos plasmas trabalha num call center a 450 euros mês mas enfim não tem deformações nos ossos dos punhos por manipular uma máquina de costura 14 horas por dia nem corre o risco de ficar soterrado porque o barraco onde trabalha é inspeccionado por finlandeses"....
e aos que agora descobriram a teoria de Schumpeter escrita em 1934 e curiosamente corrigida em 1942 (aconselho que leiam... ) e se entusiasmam puerilmente com tanto bater punho não desprezem assim sem mais quem pensa e quer pensar mais fundo ... desprezem a sobranceria e a arrogância intelectual mas não o pensamento ... ficamos sempre mais pobres quando a turba aplaude por quem tem reflexos pavlovianos ...
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