quinta-feira, janeiro 18, 2007

Conversas do Quotidiano Vulgar (6)

Mudanças

Suponho que os leitores(as) estejam entre aqueles(as) que recebem, constantemente, correio electrónico cheio de bons conselhos. Sobre as coisas efectivamente importantes da vida, sobre a prudência financeira, sobre a gripe das aves, sobre as cautelas a ter para evitar assaltos enquanto se está parado nos sinais vermelhos, sobre os perigos dos micro-ondas, sobre os malefícios do tabagismo, sobre educação de adolescentes, sobre a preservação da juventude de espírito, eu sei lá....

Em geral, estes conselhos implicam mudança de comportamentos. Os apelos à mudança de comportamentos são tantos que é difícil atender (e entender) a todos. Ao lado destes imperativos éticos e estéticos, florescem variadíssimas actividades económicas. Se olhar em seu redor observará que já há disponíveis no seu minimercado local quase todos os produtos que incluem coisas misteriosas como bífidos activos, antioxidantes, ou ainda mais bizantinas como elkazéimunitazes, ou mais triviais como alho em pílulas para o coração que combatem os radicais livres, soja sob a forma de croquetes a sobremesas de morango, e claro está o aloé vera incluído em quase todos os produtos mesmo os de higiene doméstica ou corporal. Toda esta infinidade de produtos aparecem associados a serviços de meditação transcendental, de ginástica tântrica, de leitura de runas, de redecoração do ambiente em que vive sob a égide do feng shui, de massagens em diversas partes do corpo, cada uma com um nome e um diploma de proficiência quando não de deontologia e carteira profissional associada, ou de actividades com nomes menos ocultistas e mais fashion como body pump, ou step ou cardiofitness... Quando não resultarem estas mézinhas, podem os mais afluentes recorrer a múltiplas formas de preservar a juventude sob a forma de injecções ou de cirurgias com ou sem introdução no corpo de objectos artificiais.

Em psicologia, não se fica de fora deste mercado promissor. A discussão sobre mudança ou inovação de comportamentos em psicologia é um dos melhores diálogos de surdos que conheço. Desde as escolas mais analíticas às das terapias breves todos possuem uma solução para mudarmos e nos tornarmos melhores pessoas. Em geral, estou certo, se seguíssemos mesmo, ainda que uma percentagem pequena, de todos os conselhos que recebemos, seriamos mais saudáveis, mais espontâneos, mais felizes, mais equilibrados, e eventualmente nem sequer teríamos prisão de ventre, ou colesterol alto.

O que me fascina nesta questão toda é a dificuldade que temos em envelhecer. Em nos sentirmos bem nas e através das diversas fases de vida em que vamos passando. Acho surpreendente, a quantidade de pessoas que parecem dependentes de ilusões de juventude eterna, de saúde infinita, de beleza imortal, de perfeição sem mácula. É bem possível que esta percepção seja fortemente enviesada pelos mídia. Provavelmente não há assim tanta gente a viver neste mundo de seres com dentição completa e sem vestígio de cárie...

A maior parte de nós, olha para toda aquela classe de conselhos através das lentes de outra ilusão perigosa. A de que somos mesmo imortais, não precisamos de nada daquelas coisas e podemos prosseguir com a nossa vida sem aquelas “obsessões” todas...

Curiosamente, descobri muito deste mundo nas circunstâncias em que me encontro enquanto escrevo estas linhas....aguardando, por horas, que me serrem o esterno e me “reparem” três artérias que fazem bastante falta... E, portanto, agora sou objecto, não só por correio electrónico, como de viva voz, da atenção de vários familiares e amigos que me favorecem com conselhos de variadíssima índole e amplitude. Desde que experimentei o que era um enfarte agudo do miocárdio, já provei inúmeros produtos, que tivesse eu consumido em programas cientificamente testados teriam eliminado o excesso de colesterol que justamente me tramou... Entretanto deixei de fumar, para grande satisfação de amigos médicos que fumam bastante, só tenho comido peixe e legumes sem sal e sem sabor, judiciosamente aconselhados por amigos que se deliciam com secretos de porco preto e um tinto de Portalegre...

©

José Manuel Fonseca

1 comentário:

Gi disse...

Morrer saudável e bonito até faz pena :) Entretanto vá seguindo os conselhos dos amigos, Faz o que eu digo não faças o que eu faço...
Gostei de o ler,