Parece paradoxal a popularidade que gozam todos os que se preparam para governar ou governam países a que se impõem medidas verdadeiramente draconianas de austeridade e, que de modo notório, advêm da necessidade de pagar dívidas que em boa medida resultaram da ilusão do juro baixo (promovida deliberadamente) e da "necessidade" de resgatar o sector financeiro que nos conduziu a uma situação insustentável. A Esquerda que se prepararia para capitalizar o descontentamento gerado pela imposição aos pagadores de impostos e "classes trabalhadoras" (os 99%) contra a mais brutal desigualdade na distribuição da riqueza e por cúmulo do esforço de recuperação, parece surpresa pela "incongruência" desta aceitação (mesmo admitindo uma manipulação dos números pelas agências de inquéritos e pela imprensa que amplifica os resultados, na verdade convêm reflectir sobre a tendência...).
Mas, repare-se. A raça humana chegou aqui, ao dia de hoje, com esperança de vida até ao Alzheimer e ao cancro final, no seio desta formidável civilização tecnológica (formidável no sentido de espantosa não necessariamente de boa) mercê de um mecanismo que nos ajuda a compreender certa dose de conformismo, resignação e parodoxo. É que contra toda a probabilidade objectiva de insucesso os seres humanos persistem arreigados a uma coisa chamada esperança que por vezes raia o delírio. Mas sem esse irrealismo já teríamos perecido. Desistido. Mesmo no seio da mais brutal exploração, da maior iniquidade as pessoas agarram-se a uma "delusion" como tábua de salvação. Não podem aliás dar-se ao luxo de perder a ...fé num dia melhor algures lá para a frente. Sem essa esperança, "objectivamente" irrealista, o ser humano enfrentaria a futilidade da sua existência. Essa hipótese não é razoável.
No quadro desta violenta austeridade que viola as expectativas construídas ao longo das últimas décadas e mesmo século, as pessoas readaptam as suas expectativas. Mantêm a esperança de sair da crise. É aliás oferecido um horizonte próximo. Pode ser uma desonestidade intelectual mas é a percepção que conta não a "realidade" "objectiva".
Não deixa de ser paradoxal também que a Esquerda necessite da desesperança para crescer. Mas propõe a esquerda em geral (não o PS que é um fiel prócere do consenso de Washington e do capitalismo de casino que dele emergiu com particular vigor) propõe alguma esperança nova? Que compreenda os horizontes prosaicos em que as pessoas raciocinam em teros do que realmente querem e aspiram? Não me parece. Propõem uma "sociedade mais justa". Isto é uma mera abstracção com o problema de terem existido e existirem "sociedades mais justas". Será que são atractivas? E se não são já reflectiram porque não o são?
Mais. A esperança é uma realidade individual. Não há esperança de "classe". As pessoas não são naturalmente solidárias em abstracto. São altruístas com situações próximas. Não em "atitude". A atitude não é um preditor do comportamento. Em face do problema, do drama de outro ser humano, as pessoas podem revelar o seu melhor. Em face de um desígnio teleológico de "justiça social" as pessoas não tem noção instrumental da utilidade dessa praxis. As pessoas tem esperança que os filhos atinjam melhores condições materiais de vida que elas próprias. Não sei se estarão preocupadas com os filhos dos outros no Quizirguistão.
(a continuar)
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