quinta-feira, abril 11, 2019

A culpa de ter partido, a raiva de ter ficado e a saudade de não voltar

Há quem diga que Portugal sofre de uma doença bipolar. Seriamos, portanto, possuidores de uma natureza maníaco-depressiva, oscilando, sem realismo, entre a fuga megalómana para o prognóstico de realização imperial e, o soçobrar, o colapso colectivo, que se afunda no diagnóstico auto-punitivo de tragédias anunciadas a que se segue um desejo de regeneração que nunca é concretizada. Ora o problema parece-me ser outro.

Parecemos mais um povo infantilizado. Eterno adolescente imberbe, cheio de angústias e de crises de auto confiança. Inseguro e incapaz de largar de vista a mão do pai idealizado contra o qual, paradoxalmente, se quer afirmar. Típico dos adolescentes, vivemos em eterna auto perscrutação, numa zona nebulosa e ambígua, ansiosos e hesitantes sobre os desígnios a perseguir e incertos quanto às acções a executar.

Oscilamos, de facto, entre a amargura do falhanço antecipado e a euforia irrealista e inebriante de um futuro radioso e grandioso. Em qualquer dos casos, em termos absolutos e definitivos, para além de qualquer ponto de equilíbrio redentor. Por vezes, apresentam-nos cheios de manhas e de mecanismos de defesa, somos ardilosos de modo um pouco cobarde, e sentimo-nos inferiores. Outras vezes, cheios de sonhos de importância perene e esmagadora, somos arrogantes e megalómanos e sentimo-nos superiores. No fundo, como qualquer adolescente à procura do seu lugar no mundo e do seu papel.

Um povo adolescente eternamente à procura do pai ideal que alumie o caminho a percorrer e sempre a rejeitar qualquer pai que se afigure possível. Um povo prisioneiro, há séculos, deste paradoxo. Sempre em busca de um líder/pai carismático idealizado que nos exima de nos maçarmos com a angústia do trabalho e do pensamento e a quem possamos transformar em bode expiatório para a nossa própria inépcia e preguiça. Um povo que teme a incerteza tanto, que “compra” qualquer certeza ilusória. E que se acostumou a estar naquela zona cinzenta em que se pode atribuir às circunstâncias e a terceiros a “culpa”, por coisas que, de outro modo, poderiam ser corrigidas como parte de processos de aprendizagem e crescimento. Um povo que por vezes cede à impotência, disfarçada pelo marialvismo e pelo misticismo barato. Não raras vezes, consumimo-nos na cobardia de não denunciar pela frente aquilo de que nos entretemos a fazer a dissecação em voz baixa, sempre lestos a condenar, antes de prova irrefutável, elaborando longuíssimos e amplos juízos de intenção e de valor. Um povo demasiado habituado a não tomar decisões e a assumir a responsabilidade pela escolha produzida. Um povo ignorante que se presume sabichão. E choramingas. Sempre coitadinhos.

Seremos antes um povo de indivíduos fracos, incapazes de relacionamento de iguais, ansiando pela validação e afago do chefe? Mas somos mais um povo sem individualismo, porque, aparentemente, a nossa individualidade é apenas uma mera expressão da diferença percebida ou desejada em relação ao outro, e não base de autoconfiança e crescimento próprio. Antes pelo contrário, dependentes do reconhecimento do e pelo outro, que contudo nunca é suficiente, porque é sempre relativo, pedinchamos constantemente atenção e carinho que depois não aceitamos porque somos incapazes de assumir uma relação igual em que tenhamos de nos dar também. Preferimos pois, a adulação distante em lugar da emoção genuína. Basta ver como por circunstâncias e ocasiões várias, sempre que há eventos, cá dentro ou lá fora, mandamos repórteres perguntar aos estrangeiros de modo retórico: “- Então o que diz de Portugal? Somos um povo simpático e que se desenvolveu imenso, não acha?” “Não acha que podemos ser campeões do mundo?”
E o pobre turista apanhado desprevenido lá balbucia, com um sorriso de perplexidade, um “pois”...

Incapazes de enfrentar o confronto com o outro. De dizer frontalmente aos milhares de “protagonistas” da ausência de ideias e de estratégias, que é tempo de arranjarem roupas porque, para além de nus, vão monótonos e saloios...

Mas enfim, sempre temos um solzinho que faz inveja aos nórdicos e um tinto de Pias que é um espectáculo... no fundo no fundo para quê mudar se virá sempre alguém resolver os nossos problemas por nós... hã?

José Manuel Fonseca


1 comentário:

eLeeMe disse...

Um pouco cruel e excessivo, este quadro, mas também o é a realidade.
Abraço.