Há quem diga que Portugal sofre de uma doença bipolar.
Seriamos, portanto, possuidores de uma natureza maníaco-depressiva, oscilando,
sem realismo, entre a fuga megalómana para o prognóstico de realização imperial
e, o soçobrar, o colapso colectivo, que se afunda no diagnóstico auto-punitivo
de tragédias anunciadas a que se segue um desejo de regeneração que nunca é
concretizada. Ora o problema parece-me ser outro.
Parecemos mais um povo infantilizado. Eterno adolescente
imberbe, cheio de angústias e de crises de auto confiança. Inseguro e incapaz
de largar de vista a mão do pai idealizado contra o qual, paradoxalmente, se
quer afirmar. Típico dos adolescentes, vivemos em eterna auto perscrutação,
numa zona nebulosa e ambígua, ansiosos e hesitantes sobre os desígnios a
perseguir e incertos quanto às acções a executar.
Oscilamos, de facto, entre a amargura do falhanço
antecipado e a euforia irrealista e inebriante de um futuro radioso e
grandioso. Em qualquer dos casos, em termos absolutos e definitivos, para além
de qualquer ponto de equilíbrio redentor. Por vezes, apresentam-nos cheios de
manhas e de mecanismos de defesa, somos ardilosos de modo um pouco cobarde, e
sentimo-nos inferiores. Outras vezes, cheios de sonhos de importância perene e
esmagadora, somos arrogantes e megalómanos e sentimo-nos superiores. No fundo,
como qualquer adolescente à procura do seu lugar no mundo e do seu papel.
Um povo adolescente eternamente à procura do pai ideal que
alumie o caminho a percorrer e sempre a rejeitar qualquer pai que se afigure
possível. Um povo prisioneiro, há séculos, deste paradoxo. Sempre em busca de
um líder/pai carismático idealizado que nos exima de nos maçarmos com a
angústia do trabalho e do pensamento e a quem possamos transformar em bode
expiatório para a nossa própria inépcia e preguiça. Um povo que teme a
incerteza tanto, que “compra” qualquer certeza ilusória. E que se acostumou a
estar naquela zona cinzenta em que se pode atribuir às circunstâncias e a
terceiros a “culpa”, por coisas que, de outro modo, poderiam ser corrigidas
como parte de processos de aprendizagem e crescimento. Um povo que por vezes
cede à impotência, disfarçada pelo marialvismo e pelo misticismo barato. Não
raras vezes, consumimo-nos na cobardia de não denunciar pela frente aquilo de
que nos entretemos a fazer a dissecação em voz baixa, sempre lestos a condenar,
antes de prova irrefutável, elaborando longuíssimos e amplos juízos de intenção
e de valor. Um povo demasiado habituado a não tomar decisões e a assumir a
responsabilidade pela escolha produzida. Um povo ignorante que se presume
sabichão. E choramingas. Sempre coitadinhos.
Seremos antes um povo de indivíduos fracos, incapazes de
relacionamento de iguais, ansiando pela validação e afago do chefe? Mas somos
mais um povo sem individualismo, porque, aparentemente, a nossa individualidade
é apenas uma mera expressão da diferença percebida ou desejada em relação ao
outro, e não base de autoconfiança e crescimento próprio. Antes pelo contrário,
dependentes do reconhecimento do e pelo outro, que contudo nunca é suficiente,
porque é sempre relativo, pedinchamos constantemente atenção e carinho que
depois não aceitamos porque somos incapazes de assumir uma relação igual em que
tenhamos de nos dar também. Preferimos pois, a adulação distante em lugar da
emoção genuína. Basta ver como por circunstâncias e ocasiões várias, sempre que
há eventos, cá dentro ou lá fora, mandamos repórteres perguntar aos
estrangeiros de modo retórico: “- Então o que diz de Portugal? Somos um povo
simpático e que se desenvolveu imenso, não acha?” “Não acha que podemos ser
campeões do mundo?”
E o pobre turista apanhado desprevenido lá balbucia, com
um sorriso de perplexidade, um “pois”...
Incapazes de enfrentar o confronto com o outro. De dizer
frontalmente aos milhares de “protagonistas” da ausência de ideias e de
estratégias, que é tempo de arranjarem roupas porque, para além de nus, vão
monótonos e saloios...
Mas enfim, sempre temos um solzinho que faz inveja aos
nórdicos e um tinto de Pias que é um espectáculo... no fundo no fundo para quê
mudar se virá sempre alguém resolver os nossos problemas por nós... hã?
José Manuel Fonseca
1 comentário:
Um pouco cruel e excessivo, este quadro, mas também o é a realidade.
Abraço.
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