quarta-feira, setembro 21, 2011

O imperativo da ordem ou a preguiça a que nos habituamos ...

Fico sempre um pouco perplexo quando a queixa maior dos alunos a quem dou aulas é a da "arrumação" dos textos fornecidos. Ou expressão similar... Sondada a coisa, o que a queixa denota inevitavelmente inexoravelmente irremediavelmente inapelavelmente (e demais advérbios de modo...) é que não forneci um powerpoint com a matéria a escorrer, a fluir, durante uma sequência de 200 ou trezentos slides...

OK. Posso até ter fornecido. Nalguns casos tem mesmo quase 200 dos benditos slides...
Mas não os passei metodicamente, sistematicamente, sequencialmente...

Não, em lugar dessa actividade de passador de slides continuo a insistir que aqueles a quem me conferem o encargo de ensinar, aprendam. Mesmo. Lamentavelmente, ainda não há forma de aguém aprender sem a utilização do sistema nervoso central em particular daquele curioso aparato que se situa a norte do cerebelo. A ansiedade eleva-se imediatamente quando se sugere o confronto de duas posições contrárias,simétricas ou mesmo irreconciliáveis sobre uma questão qualquer. A possibilidade de caos espreita. É insuportável que o mundo não seja claramente simples. E redutível a duas proposições. Ou um slogan.

Não obstante, cresce a olhos vistos o número de colegas que fornecem um fast food pronto a digerir, que nunca magoa o estômago, não mexe com as tripas nem sequer chega a circular pelos neurónios. Dizem que é alimento para o intelecto. Permitam-me que duvide.


Em boa verdade, contudo, a minha atitude é já meramente quixotesca. A enxurrada de pronto a comer, prêt-à-porter, é de tal maneira que daqui a nada, idiotas como eu que gostariam de discutir as "verdades" encaixotadas em livrinhos de quinze páginas letra 48 serão anacrónicos e postos no seu devido lugar ....

Nesse dia celebraremos o Huxley

segunda-feira, setembro 12, 2011

Um dia habituamo-nos à formatação e à normalização das relações

e substituiremos todos os afectos e a espontaneidade por formulários devidamente preenchidos, arquivados, disponíveis para conciliação com outros formulários que geram relatórios que geram modelos de análise que geram procedimentos perfeitos num mundo irreal que se auto descreve e auto ampara e auto avalia. E no fim conclui-se sempre que as coisas são perfeitas. Pelo menos nesse mundo em que não há pessoas mas agentes, objectos, filas de espera, eventos, ocorrências, não conformidades, discontinuidades, fluxos...

Nesse dia alguém apontará num relatório devidamente formatado que eu sou um terrorista que atenta, pelo menos por omissão de preenchimento do campo 21A/34-PU, contra a devida ordem das coisas.

O mundo é gerido por gajos obcecados com a ordem e regularidade da arrumação dos armários da cozinha. Substituimos a criatividade pela ordenação e agora queremos sistematizar o espírito de iniciativa e de rasgar horizontes e ninguém parece perceber a extraordinária idiotice do sofisma. Temos medíocres verificadores de preenchimento de campos a exigir aos outros que desafiem o futuro...

tem dias em que é difícil suportar o cabrão do imperador não só nu como asno....

quarta-feira, setembro 07, 2011

The age of hypocrisy

O imposto sobre a gordura o sal e o açúcar parece que será uma má ideia porque as populações mais pobres recorrem a esse tipo de dieta alimentar porque a fast food é a food available. (Não que as saladas regulamentadas normalizadas sejam muito melhores. Pelo menos no paladar. Um pepino, tomate, alface, courgette, pimento standartizado, em peso, aspecto e tamanho habitualmente não sabe a grande coisa e tenho cá para mim que tudo em "blind test" baralharia as pessoas e talvez acabassem por confundir um pimento com um alho francês. Mas, enfim, sempre geram menos gordura, menos AVC's, enfartes e menos cancro nos intestinos.) Não deixa de ser curioso que a solução seja taxar, mais uma vez os pobres e os que dependem ou estão viciados naquelas porcarias. Tal como no caso do tabaco nunca se colocou em questão proibir pura e simplesmente o fabrico e distribuição do produto. Quiçá pelo exemplo da lei Seca e da droga que apesar de proibida circula sem grande impedimento. A proibição parece ineficaz e faz apenas subir o preço no contrabando. Não sei. A eficácia do combate à droga por vezes está dependente de variáveis exógenas. Eufemismo para as moedas de troca na política. Eufemismo que vem encapotado da hipocrisia da "liberdade de escolha" no caso do tabaco pelo menos e que seria argumento essencial no caso da fast food.

A proibição do tabaco talvez gerasse uma indústria subterrânea ou talvez não. A proibição da comida que nos conduz tranquilamente à obstrução das coronárias talvez gerasse uma controvérsia grande ou talvez não. Em todo o caso é uma hipótese meramente académica. Em qualquer caso, enfrentar os lobbies das e as multinacionais do "sector" é coisa que não passa pela cabeça dos empregados de mesa que nos governam.

Porque o que está em causa aqui como noutras circunstâncias é a natureza do contrato social que estabelecemos e, em nome do qual continuamos a eleger "our betters" para que decidam em nome do bem comum. A corrupção desta noção tem avançado a passos largos. O interesse dos lucros de alguns sobrepõe-se amiúde, para não dizer sempre, ao interesse geral. O grave é que além da idiotice de comermos porcarias e nunca questionarmos de onde provêm a porcaria que nos dão a comer nos distanciamos cada vez mais de perguntar como foi possível chegar à sobreposição do interesse particular ao interesse geral. Os proxenetas dos bónus agradecem-nos.

terça-feira, setembro 06, 2011

A insustentável e pesada tolice do faz de conta

Com o decorrer dos anos, acentua-se a baixa de tolerância para com o faz de conta com que lidamos, mas que todos fingimos não existir nem ter consequências. O faz de conta, contudo, tornou-se floreado, sofisticado, sistematizado, organizado. É um faz de conta reificado. Um faz de conta cada vez mais envolto em processualismos e actividades de tal modo complexas que quase o disfarça e camufla. Mas a substância, a essência da coisa não muda porque a embalagem se torna mais bonita. Ou mais exuberante. Hilariante, ao longo destes tempos que tem corrido, e em cúmulo, é que cada vez recebemos menos para fingir não ver o faz de conta que cada vez nos ocupa mais tempo. Isto é, a maior parte da profissão hoje passas-se na dimensão de um faz de conta e cada vez mais fazemos o faz de conta mais barato e mais mirambolante.

O faz de conta, no ensino, é como uma imensa bolha financeira. Sabemos que um dia nos rebentará no focinho, mas enquanto dura parecemos todos alegremente sugados para uma actividade acéfala de ultra optimismo em que fazemos de conta que a coisa é imparável. Desta vez é imparável. Nunca é. O faz de conta que ensinamos e que resmas de alunos fazem de conta que aprendem em regime de quase tutoria individual, em salas com centenas de outros como eles e, em que é impossível vir a conhecer o apelido de dois décimos deles, é um delírio permitido pela quantidade de papel e relatórios e métodos e aferições que afogam o processo que finalmente fica submergido debaixo de tanta formalidade que parece mesmo ter existido aquilo que fica explícito e descrito com um detalhe fabuloso nos papéis. É justo porque no final um papel prova ao aluno e à sociedade sequiosa de papéis que atestem coisas que a coisa existiu mesmo e que o aluno preencheu aqueles passos detalhados.

Até ao dia em que o aluno tenha de executar qualquer coisa fora do papel.