quinta-feira, dezembro 29, 2011

não sei se me devo penitenciar mas tenho pruridos em o fazer

Chegamos a uma altura da vida em que os problemas quotidianos começam a superar a energia que conseguimos desenvolver. Os filhos são constante fonte de preocupação e de projecções (nas mais das vezes das fantasias dos pais, mais ou menos benignas desde que os pais tenham a sensatez de as conservar para si mesmos...) os pais, quando ainda são vivos começam a precisar de nós com frequência quase diária. Alguns amigos verdadeiros enfrentam circusntancialmente dificuldades que nos tocam emocionalmente e que por vezes exigem de nós uma ajuda e nos obrigam a redescobrir ainda mais fontes de energia que nem sequer sabíamos em reserva. E lá nos vamos aguentado. Na maior parte dos casos, suponho eu, já deixámos há muito de acreditar no Pai Natal e em várias formas de perfeição, todas elas adolescentemente inadiáveis, impreteríveis, irrecusáveis e, se tivermos juízo começamos a ser bafejados por uma certa serenidade tranquilizadora sobre o mundo e sobre as coisas humanas.

Os entusiasmos afloram já com uma certa película envolvente de cinismo quanto baste, e a ilusão de juventude eterna começa a chocar com as dores nos ossos e nas articulações. Nada de grave se mantivermos alguma dose de optimismo e de esperança mais ou menso abstractas e não desenvolvermos em concreto grandes expectativas de vir a conhecer um mundo irrealisticamente a caminho da perfeição qualquer que seja a sua idealização. Eventualmente podemos até ficar zangados perante coisas realmente inadmissíveis, mas convêm não ignorar de onde vem a enxurrada e neste momento elas são fortes e nem sempre pautam pela racionalidade ou pela honestidade ou pela sensatez.

Neste quadro teremos de começar a ignorar alguns disparates mais ou menos pueris que resultam de entusiasmos de adolescências tardias que vêm de alguns dos figurantes da vida na Cidade. Como esta asserção que para "os Ronaldos das diversas áreas haverá sempre lugar em Portugal". O autor desta magnifica frase é um qualquer secretário de estado cujo nome é realmente e genuinamente irrelevante. Exactamente como a criatura que produziu tamanha boçalidade e estupidez.

Eu já nem força tenho para tentar explicar ao secretário de estado a dimensão estrondosa da bestialidade que afirmou em contraponto com qualquer noção de Humanismo Renascentista porque para isso teria de ter nele, secretário de estado, alguém com um módico de cultura e leituras feitas fora do ocasional manual de resumos do pensamento do Mendes Bota.

Resta-me apenas pedir desculpa de ser um tipo preguiçoso e por não ter elegido como teleologia da minha vida o contributo para a competitividade da Nação em geral e quiçá de Trajouce em particular, nem sequer ver como escatologia final da minha existência o pagamento do imposto municipal sobre imóveis, nem pretender ser o melhor e maior ensaísta sobre a natureza da renda Ricardiana. Não obstante estas alarmantes falhas de carácter que me impendem de vir a pertencer a uma ou mais seitas de seres superiores, nem sequer poder ser assessor de um qualquer secretário de estado, gostaria de reclamar o direito a existir aqui e agora como gajo normal. E, se ainda me for facultada a permissão, de salientar que a tolerância para com a existência de gajos normais ainda é o que vai permitindo a abrunhos como tanto governante poder viver aqui sem ter de emigrar para países onde pudessem tornar-se socialmente úteis limpando urinóis.

quarta-feira, dezembro 21, 2011

A esquizofrenia como regime político e normalidade social

Nesta questão do ide lá para fora se aqui achais que não tendes futuro é um dos mais fantásticos double binds que já tive oportunidade de conhecer. Não só os governantes se põem na posição exactamente simétrica àquela que seria de esperar de quem busca a eleição, que é a de resolver os problemas da zona sob sua jurisdição, e consequentemente melhorar as condições de existência das pessoas a quem serve e em nome de quem são eleitas, parecendo "empurrar" os eleitores a fugir de si e do país que é suposto melhorarem como diabo da cruz, como ainda se propõem "facilitar" a fuga através de uma instituição como foi proposto pelo deputado Rangel. Em lugar de oferecer expectativas oferecem o negrume da desesperança. Mas de forma científica e organizada.

Neste discurso, aparentemente, esta gente não se apercebe da dimensão humana do problema nem da compaixão que seria o registo discursivo adequado em lugar de uma avaliação alegadamente racional que fazem com uma frieza que chega a ser gélida.
Mas o pior, e neste campo nem sequer parece existir nos inúmeros conselheiros e spin doctors alguém que tenha um módico de razoabilidade, seria pedir demais que tivessem um espírito cristão e inteligência, para ver da violência emocional e psicológica destas afirmações. Que quem é ministro ou primeiro ou segundo ou ajudante não pode não deve produzir barbaridades destas. Por muito racionais que sejam . Puta que pariu. Desde quando existe uma merda chamada "realidade objectiva"?

Não só empurram as pessoas para fora da sua terra, escorraçam será o termo preferível, mas até se apropriam do "mérito" da decisão! O processo de partir daqui para fora é um processo sofrido que comporta a angústia da quebra dos laços com o passado e com os afectos, com as raízes e com as referências e com os símbolos. É um processo de dissonância terrível. É um processo amargo e revoltante. É um sofrimento individual. É um vencer de inércias e medos. Não é uma aventura seus cabrões. Não é épico nem desafiante. Para a esmagadora maioria das pessoas é uma incerteza que comporta ansiedade sem fim. É uma decisão que se toma em face do beco sem saída a que se chega no nosso sítio, na nossa terra. Um dia percebemos que temos de partir. Que não há nada para nós aqui. Que o nosso país é uma merda. Que nós deixámos que ficasse uma merda. Onde é que nós nos distraímos e perdemos o rumo? Onde é que cedemos?

Mas aqui estamos a ser escorraçados. E até o sofrimento nos é negado. Até a angústia nos é expoliada. Para quem quer liquidar o Estado até aqui mete o Estado a ser "dono" das hesitações e dos choros de separação e das expectativas dos que querem ver daqui pra fora. Pra quem tudo é decisão individual. Escolha racional. Até aqui querem reduzir quem parte a objecto de paternalismo do Estado. Até na hora de compreendermos nem tempo temos, outros "melhores" que nós "ajudam-nos" a compreender que devemos temos de ir embora.

Há uma diferença fundamental entre fazer o luto da saída e ser empurrado. Quem não entende isto nem pai de filhos devia ser. Fodaçe.

quarta-feira, dezembro 14, 2011

Perplexidades? talvez não... (2)

Em face do "reenquadramento" das expectativas e do desencadear de mecanismos adaptativos, o que será que se segue?

Segundo uns recuaremos para níveis de há quarenta anos atrás. Penso que não. Duas coisas acontecerão. Aqueles que perspectivam o mundo como um mar de injustiças desencadearão algumas formas de revolta e resistência. Outros, que acham que o futuro será sempre melhor, por definição e fé, tentarão inovar e encontrar novas soluções com as tecnologias "enabling" de hoje. Talvez, destas duas forças resulte uma tensão dialéctica positiva. Em certa medida as duas manifestações são positivas. E necessárias.

Por um lado Schumpeter tem razão quando afirma que em épocas de crise se processam ondas de destruição criativa, talvez não no sentido que os próceres da economia neo-clássica agora tomam de empréstimo o conceito à "escola austríaca", mas no sentido em que os seres humanos neste processo "irrealista" against all odds de tentar encontrar esperança mesmo no meio de um campo de concentração nazi, tentarão inventar saídas e algumas surgirão. Por outro lado as camadas de população esmagadas pela austeridade em contraponto com a exposição mediática da riqueza obscena de outros que regurgitam opulência até ao vómito podem, e devem, exigir uma nova redistribuição da riqueza. O avistamento quotidiano do "outro lado do 1%" que já não se pode mais esconder em condomínios privados porque o Google Earth nem isso permite, possivelmente causará mais "Indignados" mais "Occupy this and that", mais pórticos a arder. Torna-se insuportável tanto double bind. Tanto double standard.
Tanta hipocrisia. A bola está do lado dos vilipendiados e do 1%. É o jogo mais interactivo que existe. Não há árbitros e as regras vão sendo construídas à medida que se joga.

sexta-feira, novembro 25, 2011

Perplexidades? talvez não...

Parece paradoxal a popularidade que gozam todos os que se preparam para governar ou governam países a que se impõem medidas verdadeiramente draconianas de austeridade e, que de modo notório, advêm da necessidade de pagar dívidas que em boa medida resultaram da ilusão do juro baixo (promovida deliberadamente) e da "necessidade" de resgatar o sector financeiro que nos conduziu a uma situação insustentável. A Esquerda que se prepararia para capitalizar o descontentamento gerado pela imposição aos pagadores de impostos e "classes trabalhadoras" (os 99%) contra a mais brutal desigualdade na distribuição da riqueza e por cúmulo do esforço de recuperação, parece surpresa pela "incongruência" desta aceitação (mesmo admitindo uma manipulação dos números pelas agências de inquéritos e pela imprensa que amplifica os resultados, na verdade convêm reflectir sobre a tendência...).

Mas, repare-se. A raça humana chegou aqui, ao dia de hoje, com esperança de vida até ao Alzheimer e ao cancro final, no seio desta formidável civilização tecnológica (formidável no sentido de espantosa não necessariamente de boa) mercê de um mecanismo que nos ajuda a compreender certa dose de conformismo, resignação e parodoxo. É que contra toda a probabilidade objectiva de insucesso os seres humanos persistem arreigados a uma coisa chamada esperança que por vezes raia o delírio. Mas sem esse irrealismo já teríamos perecido. Desistido. Mesmo no seio da mais brutal exploração, da maior iniquidade as pessoas agarram-se a uma "delusion" como tábua de salvação. Não podem aliás dar-se ao luxo de perder a ...fé num dia melhor algures lá para a frente. Sem essa esperança, "objectivamente" irrealista, o ser humano enfrentaria a futilidade da sua existência. Essa hipótese não é razoável.

No quadro desta violenta austeridade que viola as expectativas construídas ao longo das últimas décadas e mesmo século, as pessoas readaptam as suas expectativas. Mantêm a esperança de sair da crise. É aliás oferecido um horizonte próximo. Pode ser uma desonestidade intelectual mas é a percepção que conta não a "realidade" "objectiva".

Não deixa de ser paradoxal também que a Esquerda necessite da desesperança para crescer. Mas propõe a esquerda em geral (não o PS que é um fiel prócere do consenso de Washington e do capitalismo de casino que dele emergiu com particular vigor) propõe alguma esperança nova? Que compreenda os horizontes prosaicos em que as pessoas raciocinam em teros do que realmente querem e aspiram? Não me parece. Propõem uma "sociedade mais justa". Isto é uma mera abstracção com o problema de terem existido e existirem "sociedades mais justas". Será que são atractivas? E se não são já reflectiram porque não o são?

Mais. A esperança é uma realidade individual. Não há esperança de "classe". As pessoas não são naturalmente solidárias em abstracto. São altruístas com situações próximas. Não em "atitude". A atitude não é um preditor do comportamento. Em face do problema, do drama de outro ser humano, as pessoas podem revelar o seu melhor. Em face de um desígnio teleológico de "justiça social" as pessoas não tem noção instrumental da utilidade dessa praxis. As pessoas tem esperança que os filhos atinjam melhores condições materiais de vida que elas próprias. Não sei se estarão preocupadas com os filhos dos outros no Quizirguistão.

(a continuar)

domingo, novembro 06, 2011

O país das tampinhas de plástico

Quando eu era jovem adulto andei durante algum tempo a entregar comida a gente que dormia pelas ruas de Lisboa. Mais tarde, denominaram-se estas pessoas como sem abrigo. Na altura aquela actividade não tinha nome. Agora tem a nobreza (a finesse e a moda...) do voluntariado. Na altura, também não era caridade, coisa que sempre me repugnou, mas tão somente uma espécie de imperativo que se sentia de participar no alívio da miséria de outros seres humanos que por esta ou aquela razão tinham desistido ou foram forçados a desistir de ficar à tona numa sociedade que, já nessa altura, se começava a seduzir pelo consumo e em que a medida das pessoas não era o que eram mas o que pareciam ser e, sobretudo o que pareciam ter. Na altura, a actividade reunia pessoas de todos os caminhos da vida, nas mais das vezes organizadas por alguma estrutura amadora de alguma paróquia mas que aceitava ateus como eu, e nenhum de nós fazia grande julgamento nem dos que davam nem dos que aceitavam.

Entretanto a sociedade evoluiu. Ou pelo menos é que parece. O modelo social democrata parece ter sido arredado pelo consenso de Washington como salientou o Judt. Perdemos o fio da narrativa como muito bem arguiu o Sennett. E desembocámos numa sociedade rendida aos proxenetas da "indústria" financeira e aos seus ditames. Reféns de axiomas mais que risíveis. De sofismas que vários próceres nos afiançam ser o fim da história. E, no seio de toda esta imperativa "disciplina orçamental" devemos ter perdido o norte. Ou quem nos comanda mais propriamente, perdeu o sentido do Outro. Ou o sentido de ser apenas humano. No altar da eficiência, da competitividade querem que fique o sangue da nossa compaixão. Mas nós também nos perdemos na indiferença. Mesmo que seja chique e fino ser "solidário" um fim de semana por ano. Realmente nós oferecemos facilmente, demasiado facilmente, o sangue da nossa compaixão a troco de um gadget de plástico com luzinhas.

Levámos séculos de associações, de guildas, de corporações, de sindicatos, de mutualidades, de caixas de previdência, de misericórdias a construir laços de perpetuação da solidariedade, a robustecer as alianças entre cada ser, cada família por forma a repartirmos um pouco melhor o produto do nosso esforço e sobretudo a arranjar maneiras de todos terem um pouco do bolo.

Agora dizem-nos, sem dizer, com aquela hipocrisia disfarçada de bondade e de superioridade, que esse tempo acabou e que , basicamente, é cada um por si. Ou em caso de necessidade que quem precise meta no facebook um pedido para voluntários recolherem tampinhas de plástico no caso do nosso filho ter uma doença crónica. E rezar. Rezar muito para que o preço do plástico não desça nos mercados.

Puta que os pariu.

quinta-feira, outubro 13, 2011

Zen

A vida raramente corre como a desejamos e quase nunca como a planeamos. Há momentos mais felizes que outros, conhecemos pessoas boas e pessoas que nos desiludem e pessoas que pouco nos dizem e pessoas que devemos evitar. Construímos, por vezes, circunstâncias um pouco bizantinas de que depois nos queixamos ou lamentamos. Muitas vezes a saída é tão óbvia que só nos apercebemos dela quando nos distanciamos o suficiente para ver o elefante completo. O caminho que as coisas levam também é por vezes bizarro e nas mais das vezes é por omissão e medo que deixamos as coisas arrastarem até à putrefacção. Repetimos a nós próprios demasiadas vezes o mantra da segurança e da falsa esperança. O ás de copas nunca sai na última mão.

Ser escravo nunca foi boa ideia. E, ser, voluntariamente, imbecil não me parece uma opção válida. Ser apenas (mais) um parafuso na perpetuação da estupidez que nos arrasta para o fundo, ainda que parafuso renitente à chave de fendas não é de grande mérito. A única escravatura admissível é a da nossa consciência. E essa começa a ser insuportável porque a distância entre o que ela nos dita e o quotidiano é demasiado grande. Porra.

quarta-feira, setembro 21, 2011

O imperativo da ordem ou a preguiça a que nos habituamos ...

Fico sempre um pouco perplexo quando a queixa maior dos alunos a quem dou aulas é a da "arrumação" dos textos fornecidos. Ou expressão similar... Sondada a coisa, o que a queixa denota inevitavelmente inexoravelmente irremediavelmente inapelavelmente (e demais advérbios de modo...) é que não forneci um powerpoint com a matéria a escorrer, a fluir, durante uma sequência de 200 ou trezentos slides...

OK. Posso até ter fornecido. Nalguns casos tem mesmo quase 200 dos benditos slides...
Mas não os passei metodicamente, sistematicamente, sequencialmente...

Não, em lugar dessa actividade de passador de slides continuo a insistir que aqueles a quem me conferem o encargo de ensinar, aprendam. Mesmo. Lamentavelmente, ainda não há forma de aguém aprender sem a utilização do sistema nervoso central em particular daquele curioso aparato que se situa a norte do cerebelo. A ansiedade eleva-se imediatamente quando se sugere o confronto de duas posições contrárias,simétricas ou mesmo irreconciliáveis sobre uma questão qualquer. A possibilidade de caos espreita. É insuportável que o mundo não seja claramente simples. E redutível a duas proposições. Ou um slogan.

Não obstante, cresce a olhos vistos o número de colegas que fornecem um fast food pronto a digerir, que nunca magoa o estômago, não mexe com as tripas nem sequer chega a circular pelos neurónios. Dizem que é alimento para o intelecto. Permitam-me que duvide.


Em boa verdade, contudo, a minha atitude é já meramente quixotesca. A enxurrada de pronto a comer, prêt-à-porter, é de tal maneira que daqui a nada, idiotas como eu que gostariam de discutir as "verdades" encaixotadas em livrinhos de quinze páginas letra 48 serão anacrónicos e postos no seu devido lugar ....

Nesse dia celebraremos o Huxley

segunda-feira, setembro 12, 2011

Um dia habituamo-nos à formatação e à normalização das relações

e substituiremos todos os afectos e a espontaneidade por formulários devidamente preenchidos, arquivados, disponíveis para conciliação com outros formulários que geram relatórios que geram modelos de análise que geram procedimentos perfeitos num mundo irreal que se auto descreve e auto ampara e auto avalia. E no fim conclui-se sempre que as coisas são perfeitas. Pelo menos nesse mundo em que não há pessoas mas agentes, objectos, filas de espera, eventos, ocorrências, não conformidades, discontinuidades, fluxos...

Nesse dia alguém apontará num relatório devidamente formatado que eu sou um terrorista que atenta, pelo menos por omissão de preenchimento do campo 21A/34-PU, contra a devida ordem das coisas.

O mundo é gerido por gajos obcecados com a ordem e regularidade da arrumação dos armários da cozinha. Substituimos a criatividade pela ordenação e agora queremos sistematizar o espírito de iniciativa e de rasgar horizontes e ninguém parece perceber a extraordinária idiotice do sofisma. Temos medíocres verificadores de preenchimento de campos a exigir aos outros que desafiem o futuro...

tem dias em que é difícil suportar o cabrão do imperador não só nu como asno....

quarta-feira, setembro 07, 2011

The age of hypocrisy

O imposto sobre a gordura o sal e o açúcar parece que será uma má ideia porque as populações mais pobres recorrem a esse tipo de dieta alimentar porque a fast food é a food available. (Não que as saladas regulamentadas normalizadas sejam muito melhores. Pelo menos no paladar. Um pepino, tomate, alface, courgette, pimento standartizado, em peso, aspecto e tamanho habitualmente não sabe a grande coisa e tenho cá para mim que tudo em "blind test" baralharia as pessoas e talvez acabassem por confundir um pimento com um alho francês. Mas, enfim, sempre geram menos gordura, menos AVC's, enfartes e menos cancro nos intestinos.) Não deixa de ser curioso que a solução seja taxar, mais uma vez os pobres e os que dependem ou estão viciados naquelas porcarias. Tal como no caso do tabaco nunca se colocou em questão proibir pura e simplesmente o fabrico e distribuição do produto. Quiçá pelo exemplo da lei Seca e da droga que apesar de proibida circula sem grande impedimento. A proibição parece ineficaz e faz apenas subir o preço no contrabando. Não sei. A eficácia do combate à droga por vezes está dependente de variáveis exógenas. Eufemismo para as moedas de troca na política. Eufemismo que vem encapotado da hipocrisia da "liberdade de escolha" no caso do tabaco pelo menos e que seria argumento essencial no caso da fast food.

A proibição do tabaco talvez gerasse uma indústria subterrânea ou talvez não. A proibição da comida que nos conduz tranquilamente à obstrução das coronárias talvez gerasse uma controvérsia grande ou talvez não. Em todo o caso é uma hipótese meramente académica. Em qualquer caso, enfrentar os lobbies das e as multinacionais do "sector" é coisa que não passa pela cabeça dos empregados de mesa que nos governam.

Porque o que está em causa aqui como noutras circunstâncias é a natureza do contrato social que estabelecemos e, em nome do qual continuamos a eleger "our betters" para que decidam em nome do bem comum. A corrupção desta noção tem avançado a passos largos. O interesse dos lucros de alguns sobrepõe-se amiúde, para não dizer sempre, ao interesse geral. O grave é que além da idiotice de comermos porcarias e nunca questionarmos de onde provêm a porcaria que nos dão a comer nos distanciamos cada vez mais de perguntar como foi possível chegar à sobreposição do interesse particular ao interesse geral. Os proxenetas dos bónus agradecem-nos.

terça-feira, setembro 06, 2011

A insustentável e pesada tolice do faz de conta

Com o decorrer dos anos, acentua-se a baixa de tolerância para com o faz de conta com que lidamos, mas que todos fingimos não existir nem ter consequências. O faz de conta, contudo, tornou-se floreado, sofisticado, sistematizado, organizado. É um faz de conta reificado. Um faz de conta cada vez mais envolto em processualismos e actividades de tal modo complexas que quase o disfarça e camufla. Mas a substância, a essência da coisa não muda porque a embalagem se torna mais bonita. Ou mais exuberante. Hilariante, ao longo destes tempos que tem corrido, e em cúmulo, é que cada vez recebemos menos para fingir não ver o faz de conta que cada vez nos ocupa mais tempo. Isto é, a maior parte da profissão hoje passas-se na dimensão de um faz de conta e cada vez mais fazemos o faz de conta mais barato e mais mirambolante.

O faz de conta, no ensino, é como uma imensa bolha financeira. Sabemos que um dia nos rebentará no focinho, mas enquanto dura parecemos todos alegremente sugados para uma actividade acéfala de ultra optimismo em que fazemos de conta que a coisa é imparável. Desta vez é imparável. Nunca é. O faz de conta que ensinamos e que resmas de alunos fazem de conta que aprendem em regime de quase tutoria individual, em salas com centenas de outros como eles e, em que é impossível vir a conhecer o apelido de dois décimos deles, é um delírio permitido pela quantidade de papel e relatórios e métodos e aferições que afogam o processo que finalmente fica submergido debaixo de tanta formalidade que parece mesmo ter existido aquilo que fica explícito e descrito com um detalhe fabuloso nos papéis. É justo porque no final um papel prova ao aluno e à sociedade sequiosa de papéis que atestem coisas que a coisa existiu mesmo e que o aluno preencheu aqueles passos detalhados.

Até ao dia em que o aluno tenha de executar qualquer coisa fora do papel.

segunda-feira, julho 25, 2011

A raiva irracionalizada e a perda do Norte

Nestes dias há sentimentos de espanto, impotência, raiva e sedução. O norueguês conseguiu, no seu delírio narcisista, megalómano, sádico e psicopata despertar e desenterrar, de forma inapelável, vários fantasmas. Não me convenço que tenha sido possível que agisse totalmente solitário. Nomeadamente no transporte de tanto explosivo. Mas talvez. De qualquer modo parece-me acessório em face de tamanha tragédia e horror. A policia que investigue. O problema que ele levanta, para além do delírio místico, esoterismo de pacotilha, da agenda fascizante, é o do extremo do politicamente correcto a que chegámos e que no fundo e em voz baixinha começa a ter audiência e murmúrio. O multiculturalismo, uma bem em si mesmo para mim, foi transformado, de certo modo em alibi, em caução para a cobardia. Para o fechar de olhos. O que conduziu a abusos, a tornear a "Lei" consuante a "minoria". E vários assuntos foram-se tornando tabu. Por exemplo, achamos intolerável, e quanto a mim bem, qualquer ataque a mesquitas entre nós, mas, não se ouve uma palavra sobre a Arábia Saudita onde, sendo impensável uma igreja cristã, um desgraçado que tenha um gesto reflexo de se benzer pode ver-se em sarilhos enormes. Mas ninguém ousa discutir esta reciprocidade. Fingimos que é um não assunto. A "esquerda" chique só tremulamente se agita quando as mulheres são ameaçadas de lapidação ou mutilação genital. Por exemplo, não se houve uma palavra sobre os delírios do Hamas sobre mulheres ou sobre homossexualidade. Se um tipo de direita europeu disser de um homossexual o que dizem os tipos do Hizbola ou do Hamas é crucificado. Se for palestiniano faz de conta que não se ouviu. As chacinas do Hamas aos da OLP são não assuntos. Já na Sérvia versus Kosovo a questão islâmica deixa a esquerda mais ortodoxa atordoada. A Nato interveio a favor dos muçulmanos portanto estes muçulmanos não são parecidos com os guerrilheiros libaneses. É confuso. Pelo menos na aparência, se não se for mais fundo na História. O complexo de culpa colonial também cava fundo neste aspecto.

A confusão amplia-se quando os evangélicos sulistas da Bible Belt partilham com os alter anti globalização da esquerda a mesma crença/ódio na teoria conspirativa do zionismo/bilderberguianos/banqueiros/maçons/luciferianos. O discurso dos amantes do Zeitgeist (filme que contêm interessantes questões) pode-se confundir facilmente com o discursos dos tea partiers americanos o que leva a interessantes meltdowns ideológicos.

O que é novo neste fanático norueguês para além da escala do horror, do sadismo e da frieza do planeamento e execução solitária (se foi lone ranger de facto..) é que este é favorável aos judeus, ataca, de modo articulado e não pueril, a escola de Frankfurt em que de facto se baseia a matriz do nosso multiculturalismo e tolerância civilizacional, e discute várias questões de ética e de fraqueza e capitulação em face de comportamentos de minorias que por exemplo recusam a integração ou as regras da cultura que encontraram e não se propõem a dialogar coisa alguma. É nisto que o tipo pode captar apoiantes e alguma simpatia, por agora disfarçada, mas daqui a algum tempo emergente e abertamente exposta. Toda a gente vai dizer que repudia a chacina mas...

Isto conduzir-nos-á a becos sem saída. Terríveis. Nós consagrámos a Liberdade. A fraternidade. A solidariedade. Institucionalizámos o Direito. Fomos um farol. Por isso nos procuram os refugiados. Os que fogem da tirania. Do terror. Da miséria. Não deitemos séculos de construção de valores superiores assim fora tão apressadamente. É em tempos de negrume que a luz é precisa.

Ora aqui convinha que nos norteássemos por princípios sólidos. A tolerância e o convívio com o nosso "outro" é fundamentalmente enriquecedor, o acolhimento do "outro" entre nós é um acto soberbo e digno e a Lei é para se cumprir sempre. Tão simplesmente. The Law of the Land. And our laws are generally very fair and tolerant. So abide them. Period.

terça-feira, julho 05, 2011

A crise

É frequente ouvir e ler críticas aos lideres presentes em oposição aos lideres como Churchill ou mais modernamente ao Mitterrand ou ao Kohl ou ao Delors. Os políticos são medíocres e gelatinosos. Os lideres empresariais também não são melhores. Sempre com o credo do mercado livre na boca e com acordos de cartel e ódio à concorrência livre nas sombras. Mas, e os sindicatos e os movimentos civis tipo ONG? Não quererão inovar?

Porque não concorre a CGTP à privatização do BPN? E fica com um banco para gerir (ao qual adeririam muitos dos que vivem do seu trabalho fugindo dos bancos tradicionais) com compromissos éticos. E não venham com o argumento que não é o papel "histórico" porque a História já os ultrapassou há muito. Não há míngua de gestores competentes que possuem ética e honra e seriam capazes de transformar o BPN numa instituição sólida credível e duradoura. E ética. E lucrativa. E que distribuísse dividendos. Pelos "camaradas". Nem há míngua de economistas e matemáticos capazes de construir fundos e aplicações de riscos variáveis mas sem as alavancagens lunáticas dos Goldman Sachs deste mundo. Seria no mínimo irónico. Mas possível.

Ou não?

E as ONG? sempre de mão estendida a viver dos Estados e da caridade circunstancial? Poque não se federam numa poole para comprar o BPN? Não há míngua de voluntários nas Universidades desejosos de serem diferentes das gerações que os lixaram...
Entre os meus alunos tenho vários cujo futuro se augura brilhante mas que tem espinha. E gostariam de ir para além da "greed is good"...

quarta-feira, junho 15, 2011

A Capitulação do Estado (a que isto tudo chegou)

"Lisboa, 15 jun (Lusa) -- Um copianço generalizado num teste do curso de auditores de Justiça do Centro de Estudos Judiciários (CEJ) levou à anulação do teste, mas a direção decidiu atribuir nota positiva (10) a todos os futuros magistrados.
Num despacho datado de 01 de junho e assinado pela diretora do CEJ, a desembargadora Ana Luísa Geraldes, a que a agência Lusa teve acesso, é referido que na correção do teste de Investigação Criminal e Gestão do Inquérito (ICGI) "verificou-se a existência de respostas coincidentes em vários grupos" de alunos da mesma sala.
O documento indica que, em alguns grupos, "a esmagadora maioria dos testes" tinha "muitas respostas parecidas ou mesmo iguais", constatando-se que todos os alunos erraram em certas questões.
No despacho é dito que as perguntas erradas nem eram as mais difíceis do teste, tendo-se verificado também o inverso: numa das questões mais difíceis ninguém falhou.
Realça ainda que há pessoas sentadas umas ao lado das outras que têm "testes exatamente iguais, repetindo entre elas os erros que fizeram".
Perante o copianço da turma, a direção do CEJ decidiu, em reunião, "anular o teste em causa, atribuindo a todos os auditores de Justiça a classificação final de 10 valores" em Investigação Criminal e Gestão do Inquérito.
Desta decisão foi dado conhecimento aos diretores adjuntos do CEJ, ao coordenador da Área Penal e restantes docentes e à Secção Pedagógica.
"


A pergunta que se impõe Senhor Presidente da República é se o senhor vai intervir e garantir que o regular funcionamento das instituições não seja confundido com o funcionamento dos esgotos da zona da Sé?

Porque se esta gente não é liminarmente expulsa da magistratura então somos livres de concluir que vale a pena a trafulhice, afinal o fax domingueiro é um método aceitável e mais, que na Justiça, o último e derradeiro bastião e pilar da democracia a dissolução da ética é uma realidade perante a qual podemos encolher os ombros. Perante isto se ninguém fizer nada, ninguém tem moral para adjectivar o comportamento de ninguém. Entramos na terra do vale tudo. É um casino.


ps: naturalmente a direcção desta charada e quem "despachou" a coisa deverá ser higienicamente despachada para longe!

segunda-feira, junho 06, 2011

a banalização da grandiloquência e a fé cega na arrogância da ciência

vem isto marginalmente a propósito de uma coisa que recebi que me faz participante voluntário ou involuntário, é irrelevante, num processo de "Criar profissionais Globais." através da minha contribuição "para o desenvolvimento da sociedade global através da preparação dos seus estudantes, promovendo uma atitude empreendedora baseada nos princípios da responsabilidade social, excelência na investigação e empregabilidade."

Este tipo de designios grandiosos é supostamente um mecanismo de mobilização das energias e de focalização de grupos humanos que remarão decididamente para o mesmo lado concretizando o desígnio. Mas este discurso ou esta autêntica narrativa pós moderna e científica rapidamente nos transporta para um mundo em que depositamos um fé arrogante, em certo sentido fantasiosa, na capacidade da ciência e da tecnologia para resolverem os problemas que criámos justamente por acreditar que a ciência e a tecnologia tudo resolvem.

Durante as décadas de 90 e início de 2000 existiram surtos de e.coli que mataram crianças nos EUA. Nos hamburgueres. Depois a carne passou a ser bombardeada com amoniaco para que as bactérias (e que mais?) morressem. Vê-se isso no filme Food Inc. A ciência e a tecnologia criaram uma indústria de comida barata que permite alimentar trabalhadores baratos para empregos que pagam pouco. Competitivos portanto. Aquilo que precisamos de ser. A ciência e a tecnologia resolveram o problema da contaminação da carne. Entretanto deu-se nos EUA nos espinafres. Nas alfaces. Agora na Alemanha nem sequer se sabe onde. Mas a ciência e a tecnologia por certo resolverão. Entretanto morreram trinta pessoas. And counting.

O problema de alimentar populações cada vez maiores com recurso a métodos de produção em massa levou-nos à manipulação genética de várias coisas como animais e sementes. Parecia que conseguíamos controlar tudo. Afinal não. Subsiste o problema de alimentar muita gente a preços razoáveis. Mas talvez seja altura de questionar o limite do nosso delírio. Ao fim ao cabo já não estamos a nutrir seres humanos. Estamos a produzir obesos em regime industrial. A coisa é boa para a indústria do "wellness" e do "emagrecimento" e finalmente para a farmacêutica. Será boa para nós?

quarta-feira, maio 25, 2011

Aqui e agora como estrutura única de existência

tal como as demais pessoas dotadas de emoções fiquei estarrecido com a violência insana de duas raparigas sobre uma terceira mais nova, para gáudio de um número indeterminado de adolescentes ou jovens adultos que não puseram termo às agressões, pelo contrário, incentivaram-nas e utilizaram a filmagem para divulgação como se a violência fosse um espectáculo apreciado e apreciável. Vi uma uma página do facebook onde, alegadamente, se desfiam comentários de amigos e protagonistas da situação. Um jornal publica um post de uma das agressoras a vangloriar-se e a prometer que foi só o "aquecimento".

Saem a terreiro resmas de analistas especialistas em diversas áreas. Intervêm a polícia e o ministério público, não sem a inevitável, inexorável, inelutável, inadiável lamúria sobre os meios. O ângulo de análise vai da perda de autoridade dos professores, do facilitismo do ensino, da ausência do "ensino" da cidadania, da demissão dos pais, da influência dos mídia, da violência dos video jogos, da rasquice desta juventude (como se a violência entre bandos e entre garotada fosse uma coisa iniciada anteontem...) da dissolução de valores, do desemprego, da ausência de perspectivas, de "terem" tudo, de não terem nada, da profilaxia do par de estalos em devida altura não ter sido aplicada. A complexidade do produto de todos estes factores, confesso, leva-me a rejeitar análises simplórias, lineares. Nós somos confrontados com um episódio assaz revoltante e brutal, mas, que faz parte de uma narrativa, para usar um conceito ultimamente popularíssimo.

A mim o que me preocupa é, justamente, a possibilidade de ausência de narrativa destes e nestes miúdos. De viverem apenas na circunstância. Numa dimensão empobrecida denominada aqui e agora. Sem passado e sem futuro. Sem dimensão teleológica. Sem expectativa. Sem espaço de maturação para avaliação do bem e do mal. DO certo e do errado. E, naturalmente apenas com o incentivo do grotesco, do exibicionismo. Que triunfou e que nós adultos validamos todos os dias com as nossas escolhas. Quem inventou a sociedade do espectáculo tem agora 60 ou 70 anos. Quem fez triunfar a insignificância e a violência enquanto entretenimento não foram estes miúdos. O Facebook ou o Tube não causam nada disto. São um mero veículo que "facilita" o que andou décadas a marinar. Quem ligou o lume não foram estes garotos.

E que justificação damos para este triunfo? O mercado. O "mercado" nas sua sabedoria das multidões "quer" ver coisas destas. Até porque depois podemos todos fingir-nos chocados e desempenhar o papel de eunucos e virgens vestais e sair mais reconfortados, ratificados e reforçados na nossa superioridade moral. Temos sempre a capacidade de convocar em nós a fantasia idiota que no nosso tempo não era assim. Ou pelo menos havia mais "consciência". Mas não havia. Realmente há décadas que andamos atrás de quimeras e do efémero. Não fomos, não somos assim tão particularmente diferentes, mesmo se o léxico é, aparentemente, superior. Há décadas que andamos a permitir que o sentido de "comunhão" e de comunidade seja substituída pela exibição boçal do supérfluo, que o respeito pelos mais velhos foi substituído pela adulação da ilusão de juventude eterna. Podemos mudar de canal agora e ver mais uma série da Fox ou de outra porra qualquer com vampiros benignos que se aliam a alígenas que querem ajudar a salvar as focas de Caminha e os cães abandonados do Tramagal.

sábado, maio 14, 2011

Mentiste-me Pai

Faz hoje já não importa quantos anos que partiste. Disseste-me uma vez, em que à beira do monte, me fizeste sair do carro e tapar os olhos, que o que eu via, naquele momento de olhos fechados, era o que me deixarias quando morresses. Nada. Que me darias tudo o que te fosse possível em vida. E deste-me muito mais do que seria razoável. Deste-me vários mundos Pai. Deste-me exemplos. Deste-me explicações e longas caminhadas em Monsanto em que me falavas de livros e de histórias fantásticas. Deste-me conselhos e amparo quando eu duvidada de mim próprio. Disseste-me que o teu Pai te tinha dito aquela frase que eu já passei aos teus netos que "há dinheiro que não tem o nosso nome pelo que não devemos aceitá-lo". Mas afinal, Pai, mentiste-me. Depois de morreres deixaste, afinal, muito. Deixaste-me um dor que dilacera o coração, uma saudade que me mareja os olhos de lágrimas ainda hoje. Que corta a garganta como arame farpado. E deixaste-me tantas boas memórias. Como aquela em que tu e o Gonçalo, então com dois anos, se desataram a rir da minha fúria por terem desarrumado mais de seiscentos cd's que estavam espalhados pelo chão da sala. Deixaste-me afinal tanto. Nem tu podias imaginar o peso da herança que afinal acabaste por me deixar. E as saudades, Pai, são tantas.

sexta-feira, abril 15, 2011

as fronteiras que marcamos




no meio da tragédia do tsunami e da central nuclear que colapsa os desalojados encontram-se em situações provisórias num qualquer ginásio de escola ou espaço semelhante, mas repare-se como "constroem" uma "fortaleza" de intimidade que marca o seu espaço! o seu território a sua privacidade o seu castelo a sua fronteira...

esta fronteira é essencial para que a ansiedade se reduza para que a narrativa brutalmente interrompida tenho uma hipótese de voltar a uma geometria mais segura mais próxima de uma regularidade sana...

entre outras consequências desta nossa necessidade de fronteiras de espaço de tempo e de propósito para quem vive em organizações fica-se a saber que Bion tinha razão ... e que o "open space" é óptimo para a direcção financeira e uma parvoíce para quem tem de gramar com a "insegurança" de não poder levar uns cartões e construir uma barreira protectora mesmo que frágil...

segunda-feira, março 28, 2011

o recauchutar dos discursos ou a dissolução das ideologias

vivemos épocas de admirável reciclagem ideológica. Nunca terá sido tão verdadeiro o aforismo que faz lei no mundo, sempre exemplar, do futebol. Aquilo que hoje é verdade amanhã é mentira. E, não me refiro primordialmente ao aumenta impostos não aumenta impostos que corre nestes dias como panaceia ou como falta de espinha e negação do se disse ou não disse. Faltar à verdade ou mentir é uma coisa trivial entre os políticos ao sabor das circunstâncias. E as circunstâncias, hoje, ditam paladares amargos que todos temos de engolir como óleo de fígado de bacalhau. Eu essas coisas já dou de barato. O que me deixa verdadeiramente encantado é mais fundo. Ou não.

Mas se vos recordais, aqui há uns anos/meses quase todos clamavam (políticos de todos os quadrantes, banqueiros, nobres e altruístas membros dos diversos compromissos com e por Portugal, jornalistas, opinadores, comentadores de opinadores e por aí adiante que a fauna é vasta e isto não é uma apreciação às últimas evolução darwinianas) que existiam essas coisas chamadas empresas estratégicas e uns fascinantes centros de decisão nacionais de que seria pecado inominável abrir mão.

Agora, em face das mãos, pés, cabeças, e outros apêndices de significação freudiana mais profunda, correrem riscos sérios todos parecem dispostos a vender os anéis. O que parece mesmo estar em questão é quantos anéis há, se estão penhorados ou não, se chegam, se os credores os apreciarão.

O que há míngua é dos apêndices que serão salvos pela vendas dos anéis mais propriamente dos apêndices que a literatura e o saber consuetudinário consagrou como símbolos da coragem e da dignidade (e que embora resultem duma certa visão marialva são, ainda assim, genericamente aceites como metáfora da coisa). Portanto, tomates.

No vai e vem das vagas e da espuma, já nem se percebe bem o pastelão ideológico servido por todos. Os discursos misturam-se num ruído indistrinçável. As soluções propostas são gongóricas, fantasiosas, florentinas, idiotas, tipo one size fits all amplificadas pela gritaria.

No final, os mais frágeis da sociedade lixar-se-ão como de costume. A delícia, é que o número dos frágeis cresce de modo alarmante. E quando a fragilidade lhe bater à porta? não será tarde demais para fazer ouvir a voz e participar no debate, ou melhor exigir o debate? 

quarta-feira, março 23, 2011

expectativas e incentivos

quer venha o FMI ou outra qualquer forma de supervisão dos meninos mal comportados, verificar a instalação de regras leoninas e draconianas do ponto de vista da legislação laboral e da carga fiscal, assistiremos à explosão da economia subterrânea. O ser humano foi e será um ser adaptativo e criativo. É a vida.

E quem sabe alguma coisa de cultura dos autóctones sabe que a ausência de clamor, de revolta, de escândalo, não significa outra coisa para além de que a chusma encontrou uma alternativa aceitável à degradação da dignidade e, em lugar de por uma vez se erguer e afirmar a existência de espinha dorsal, preferiu, again and again, o esquemazinho, a aldrabilhazinha com robalos, chernes ou carapaus alimados conforme a posição social do verme. 

terça-feira, março 22, 2011

Manifesto Irrealista por um País Respirável e quiçá Decente

Nesta hora em que se aproxima mais uma escolha daqueles que nos vão lixar o futuro a troco de notoriedade, de empregos porreiros no day after, mais uma volta no carrossel, permitam-me pelo menos que grite, com compostura e procurando não incomodar ninguém em particular, o meu nojo por tudo isto. Isto sendo a situação para a qual por omissão também contribuí. 


Mas desta vez eu não me vou calar. Eu quero olhar os meus filhos nos olhos podendo dizer-lhes que me ergui da dormência e do comodismo e do torpor. Que pelo menos gritei contra este estado insuportável de coisas. 


1. Quero um país em que as pessoas sejam tratadas com com consideração, urbanidade e dignidade que são direitos naturais e básicos dos cidadãos, independentemente do seu género, raça, credo, orientação sexual, filiação política, idade, opções clubísticas, posição social e nível de habilitações literárias;


2. Um país em que se faça o máximo para que todos tenham à partida condições semelhantes e que depois progridam apenas com base no mérito, competência e esforço honesto


3. Um país em que  cunhas, feudos, compadrios, injustiças, nepotismos, discriminações, negligências e falta de profissionalismo sejam censuradas e punidas sem piedade e sem o beneplácito corporativo e cúmplice de ordens  de associações de amigos de "no fundo é boa pessoa" "amigo do seu amigo"... 


4. Um país em que não se aceite como argumento desculpablizador a evidência estatística que todos fazem qualquer coisa de negligente, de ilegal, de laxista, de trafulhice, ou que explorar lacunas das normas e das leis é uma coisa habitual normal e louvável


5. Um país em que não se atribuam culpas a terceiros por coisas que estavam sob  a nossa alçada e responsabilidade, e em que as pessoas não se apropriem do mérito de terceiros como vulgares proxenetas 


6. Um país em que as crianças no ensino básico (e nos restantes)  não sejam denominadas de "arguidos" em "processos" disciplinares, em que os pais sejam chamados à responsabilidade e em que para professores vão apenas aqueles com efectiva vocação, em que as crianças sejam tratadas com disciplina, mas desafiadas e estimuladas em lugar de compactadas na mais opressiva dormência e paternalismo tentando infatilizá-las e torná-las nuns idiotas sem capacidade crítica através de repetições infindáveis de coisas tão básicas que os miúdos sentem o cérebro a mirrar apenas porque as disciplinas foram criadas para empregar gente que devia procurar emprego noutro sítio 


7. Um país em que não se subsidiem as intenções mas os resultados, não se subsidiem os "amigos" e "contribuintes" para o "partido", mas o sucesso, a criação de emprego digno e o respeito pelo meio ambiente,  a criação de produtos inovadores de qualidade e que respeitem os consumidores e que tentem atingir mercados amplos, um país em que o Estado não represente sete sextos da vida, e em que alguém que inicie uma actividade não seja imediatamente expulso com pedidos de luvas e chantageado com contribuições para o partido...


8. Um país em que a lei seja apenas ....aplicada....


9. Um país em que alguém que aceite ou solicite ou dê luvas, um suborno, uma prenda, uma compensação pelo cumprimento do seu dever seja tratado como um bacilo de Koch


10. Um país em que ao lado do indispensável sucesso económico seja mais valorizada a cultura a capacidade de escolha crítica de discussão e participação cívica 


11. Um país que agradeça aos seus velhos o esforço que expenderam independentemente da notoriedade da contribuição e que os ampare na velhice com a dignidade que antigamente se atribuía aos anciãos, procurando que essa seja a idade de ouro






domingo, março 06, 2011

no dia 12

em boa verdade a coisa é anárquica. Comme il faut. É bem possível que toda a qualidade de oportunistas apareçam. Mesmo alguns abortos sem cabelo e neo nazis sem escrúpulos. É bem possível que apareça gente idiota que a única coisa que pretende é armar confusão. O terreno é d'ailleurs propício. Gente que pretende instrumentalizar a coisa não faltará. Gente que se colará a um protesto inédito. Que procurará dividendos. Tudo isso é quase "natural".

Eu vou porque quer ir a um sitio onde outras pessoas querem dizer Basta! Chega! Precisamos de gente sã, honesta, normal, tolerante. Precisamos de mudar. Precisamos de tentar melhorar isto e construir um futuro melhor para as gerações que aí vêm. Mudar de rumo. Mudar de agulha. Mudar de actores. Chega de escroques. Chega de corruptelas. Basta de esquemas. Basta de argumentos miseráveis de "se não for eu algum outro fará".

É possível que o "sistema" se sinta ameaçado. Uma parte dos sistema grita histérico com fantasmas de totalitarismo. Agita-os. Mas, totalitarismo é a asfixia e claustrofobia actuais. O "vê lá não te prejudiques" que premeia a cumplicidade com a mediocridade, enquanto esmaga a honestidade. Com a promoção de incompetentes amigos. E o aviltamento da competência que não se verga.

Eu vou porque é altura de dizer pelo menos fui à rua tentar melhorar a qualidade do ar que se respira . Que é irrespirável. Eu vou pelos meus filhos. 

terça-feira, março 01, 2011

a densidade do irrelevante e a ascensão do insignificante

É verdaderamente atroz a quantidade de tempo e de recursos que se perdem, se desperdiçam, em processos que mais não fazem do que sublinhar o que toda gente já sabe. Ou de dar uma expressão matemática ao óbvio ululante. Ou pior. De tentar criar uma realidade cor de rosa, mascarada em que reafirmamos as ilusões bondosas e perigosas em que queremos ou gostaríamos de viver. E o bizarro é que muitas vezes chamamos a isto "processos de certificação de qualidade" ou de "avaliação" ou de "programação e aferição". Ou de outro nome pomposo qualquer. Ao mesmo tempo, a quantidade de informação que procuramos passar aos alunos subiu acima do suportável. Ele são papers, videos, artigos, livros, sebentas. Uma boa parte das vezes todo este conjunto de materiais prolonga ou amplifica ou sedimenta os anteriores defeitos. Isto é, fala de coisas que não existe e que na "opinião" de alguém, contudo e não obstante, deveria existir.

Ao mesmo tempo os miúdos adquirem conhecimentos por métodos não certificáveis mas úteis. E criam coisas fabulosas mas não enquadradas nos programas quadrados e maçadores e do século dezoito.

É cansativo.

sexta-feira, fevereiro 18, 2011

O ponto de quebra

"Tenho aqui a justificação que trouxe da consulta médica, dou-a a si ou entrego-a nos Recursos Humanos?"
pausa... olhar pretensamente indiferente e distraído ... e depois...
"ahh... não sei ... o "meu pessoal" não vai a consultas nem médicos ..."
surpresa ....
"bom, eu não sei sobre o resto das pessoas mas eu tenho de controlar os meus diabetes e ser seguida regularmente"

....
noutro sitio do planeta....

Uma mulher prepara-se para sair uma hora depois do horário regular, são sete da tarde, vai ainda tentar buscar um dos filhos ... à saída o chefe interpela-a...
"então vai tirar a tarde livre?"

noutro local do sistema solar ...

"Então tem aí o relatório que lhe pedi?"
"Não chefe este fim de semana não tive hipótese. O miúdo adoeceu e passámos quase todo o sábado no hospital e depois sabe como é no domingo a mãe ficou a cuidar dele e eu tive de levar a garota às aulas de natação..."
"Isso é muito mau. E inconveniente. Agora tenho de aparecer ao director e justificar-me e sabe como ele detesta estes atrasos. E eu também."

Um dia esta gente que aguenta, come, cala, suporta, engole, morde os lábios, quebra. E quebra por dentro. Quebra contra si mesma. E aqueles pequenos e médios e medíocres ditadores locais que participam nesta dança um dia quebram porque chega a sua vez.

E quebrar este círculo vicioso é bem mais fácil que parece.

quarta-feira, fevereiro 16, 2011

hoje provavelmente dei a melhor aula da minha vida

e o que mais me contenta é que tenho a impressão de ter tocado a alma de dois ou três alunos(as) ...

foi o mais perto que estive, na minha existência, da magia, por um instante caminhei no cosmos...

há dias em que vale a pena estar vivo

segunda-feira, fevereiro 14, 2011

Hoje

o meu pai faria 80 anos. O que eu dava para poder estar com ele e para ele poder ver os netos em que florescem os valores que lhe eram tão queridos. Ou só para ele poder contar pela enésima vez uma qualquer história em que nos escancarávamos todos a rir. Ou só para estarmos. Porra que a dor nunca passa.

quarta-feira, janeiro 26, 2011

O uso de palavras

eu confesso que nestes tempos pós modernos relativistas fico fascinado pelo uso de determinados substantivos, adjectivos e adverbios que "entram" em uso sem que sejam objecto de escrutínio adequado sobre o seu significado e sobre o uso sintático apropriado. Estou aqui numa aula em que os alunos falam de uma palavra na moda. A "sustentabilidade" é uma das palavras sacro santas neste tempo.

Um dos argumentos é o da poupança energética e preservação dos recursos naturais. Mas com o preço do petróleo e da electricidade em escalada que outra alternativa existe senão gerar e procurar poupanças? O argumento do meio ambiente nomeadamente da qualidade do ar. Mas com o ar que respiramos, ide a Pequim... que alternativa senão melhorar o ar senão morremos todos com cancro nos pulmões? E o argumento da substituição do plástico por papel? E a redução de custos porque plástico é petróleo...

E a desmaterialização das facturas e comunicações dos Bancos e Utilities que manda por mail com assinatura digital a conta para pagar que o cliente imprime por conta dele....

E o argumento de que a retórica é pop e cool e permite fornecer bons argumentos de venda que funcionam junto de algumas tribos mais "concerned".

Claro que isto é tudo cinismo meu.

quinta-feira, janeiro 13, 2011

Acostumamo-nos às tragédias

Terramotos, cheias, fogos, deslizamentos de terras, enxurradas, tsunamis. Parecem eventos quotidianos. De tal modo que ainda não exclamámos a nossa surpresa e lamento pelas vítimas de uma qualquer catástrofe na Austrália, eis que o Brasil nos manda péssimas notícias, que rapidamente são ultrapassadas por outro terramoto que faz notícia pela violência e número de mortos. E vamos ficando insensíveis. É apenas mais um episódio na longa história dos desafios à resistência humana. Entretanto as vítimas vão ficando esquecidas, como no Haiti, onde a desgraça se prolonga até se tornar um hábito. Uma "normalidade". Ao fim ao cabo não foi connosco. Nunca é connosco. Até ao dia.

Nestes momentos revela-se o melhor e o pior de nós. Há uns anos, em plena época de incêndios, andei pelo país com uns bombeiros. No Gavião fiquei impressionado por chefes de bombeiros que choravam, um bombeiro que gritava a sua raiva porque ao mesmo tempo que tentava em vão salvar uma casa e era acusado de inépcia por uma turba impotente, ululante e em busca de um bode expiatório à mão, a sua própria casa era consumida pelas chamas. Horas depois apareciam negociantes de forragens e rações para "ajudar" a alimentar o gado que ficara sem pastagens. O preço por grama "oferecido" era semelhante ao do quilo de garoupa.