quarta-feira, fevereiro 28, 2007

Prazer

Estou neste preciso momento a assistir à defesa de uma monografia de mestrado por uma pessoa que orientei. E há momentos, como docentes, em que sentimos um certo orgulho. Este é um deles. É clarissímo que o candidato nada me deve em termos da excelência da defesa que está a produzir. Nem sequer em termos do trabalho que apresenta, embora o tenha elaborado no quadro de teorias e métodos que eu subscrevo e de que até possuo laivos de autoria, mas no fundo isso é irrelevante.

Eu estou apenas orgulhoso de ter podido ajudar e estar associado ao seu trabalho. É raro ver um professor agradecer aos alunos que teve o simples facto de o terem sido. É o que eu pretendo fazer quando chegar a minha vez de falar.

sexta-feira, fevereiro 23, 2007

Surrealismo e infelicidade

lá terá de ser...pode bem caracterizar a atitude e a emoção que me assalta neste momento. Estou no meio duma "infindável" reunião cujo horizonte se espraia se estende se expande até pelo menos ao meio dia e meia... nesta reunião estão contidas as razões pelas quais a Europa está a perder todo o balanço em relação à China e aos Estados Unidos...

É, claro está, uma reunião cheia de "boas vontades" e, em que um conjuto absolutamente irrepreensível (e absurdo...e claustrofóbico) de procedimentos pretende substituir o "mercado". O que se traduz numa retórica absolutamente inenarrável de paternalismos e presunções e água benta...

Isto tudo, tem tendência a produzir "realidades" que batem certinho no universo fictício da "papelada", que helás, agora já é digital.

quinta-feira, fevereiro 22, 2007

Carnaval

No meu outro blogue em que um dos motes é que neste país é carnaval todos os dias, vai sendo difícil arranjar posts que se distingam da banalização do carnaval quotidiano em que vivemos. Todos os dias há desfiles em múltiplos e variados locais e momentos e com personagens inusitadas ou habituais. Só que já são tantos e ao mesmo tempo que é impossível manter um registo de todos.

sexta-feira, fevereiro 16, 2007

A propósito

da onda de excitação que invade uma certa, ou melhor, certos extractos da intelligentsia lusa, à esquerda ou à direita com a eleição de figurantes das peças de teatro já executadas, também tenho um pequeno contibuto. Não que seja especialista na coisa. Nem por sombras. E fico mesmo quase constrangido perante gente que deve ter lido o Pascoaes, mais o Pessoa, o Vieira, o Mattoso, o Lourenço, o Cortesão, o António José, ou pelo menos a monografia do Miguel Real.
Eu confesso desde já que dei uma vista de olhos. Mas foi de vistas curtas. E, estou seguro, que deve haver aqueles que foram ainda mais dentro da problemática e tem o António Quadros e o Pinharanda Gomes. Eu, por mim, já saber enunciar estes heróis do Joachim dei Fiori é um monumental achievment.
Mas regressando ao Salazar. Parece que o homem teve inúmeras virtudes e pairou acima da carne do pecado e da tentação. Quase um santo, que nos deixou largamente abastecidos de poupanças, economias de uma vida de asceta que impôs com grande gosto aos demais sem cuidar de lhes escutar preferências ou opiniões. Foi, isso é certo, um grande gestor das invejazinhas entre os industriais e banqueiros. Esse mérito ninguém o pode retirar. Dividir para reinar é um truque de prestigitador bastante conhecido qualquer manual de estratégia do it youself nos diz isso. Mas entre o enunciar e o fazer há um mundo de obstáculos. Que o nosso herói foi ultrapassando até à malograda queda e metafórica cadeira. O nosso herói foi um magnifico gestor da adrenalina nacional, da seiva da lusitaniedade, a invejazinha que nos corrói. Sempre desejámos ao "outro" que amouchasse com o focinho no chão como nós. E isso parece que o psicólogo Salazar compreendeu muito bem. Tanto melhor. Venham mais beatos como ele. Mantenham o aeroporto aberto.

quinta-feira, fevereiro 15, 2007

Tem dias

em que é muito difícil fingir que somos idiotas e que acreditamos nas peças de teatro em que, segundo o Goffman, participamos na nossa vida social. Alguém me devia ter avisado que à medida que se vai envelhecendo estes papéis que temos de desempenhar são, crescentemente, cansativos e monótonos.
A natureza humana e a sua condição são bem mais simples que o que parecem. Qualquer observador distraído ao fim de algumas repetições começa a notar regularidades. Ter de fingir que se acredita que um qualquer figurante da peça em representação está preocupadissímo com os seus concidadãos começa a requerer uma dose de energia que já não está à mão de semear. A dramaturgia é, afinal, muito mais pobre do que se supunha. Os encenadores são medíocres, os actores bastante amadores e a cenografia está a cair aos pedaços. Fingir que se leva isto mesmo a sério é o diabo. Eu confesso que me é penoso. Tem momentos em que nem sei como é que ainda não me desmancho a rir incontrolavelmente.

quarta-feira, fevereiro 14, 2007

O meu pai

faria hoje 76 anos. E faz, hoje. exactamente nove meses que ele morreu. Era a pessoa mais generosa que eu conheci, tinha um sentido de humor terrível e paradoxal, uma parte do qual consegui herdar. A generosidade e a capacidade de perdoar é que não herdei. Uma vez, tinha eu uns quinze anos, a caminho do monte no Alentejo, parou o carro saiu e mandou-me fechar os olhos, perguntou-me o que é que eu via. Nada. Pois é isso mesmo que vais herdar de mim, vou dar-te o que puder em vida, mas não esperes grandes heranças. Deu-me um mundo em vida. Outra vez, já eu era adulto e pai, pergutou-me se eu ficava aborrecido com o facto de ele dar dinheiro a pessoas da família e a amigos ou pessoas que simplesmente precisavam de ajuda. Como se eu tivesse direito a reclamar ou tivesse o direito de realmente ficar aborrecido. Fiquei um pouco embaraçado e sem saber o que dizer. Que o dinheiro era dele, que eu não tinha nada a ver com isso. Mas ele fitou-me e voltou à carga. Apeteceu-me abraça-lo e dizer que era um pai sem igual. Mas um gajo nestas ocasiões mantêm sempre a puta da compustura e voltei a dizer-lhe as mesmas merdas que já tinha dito. Podia ter-lhe dito que raramente se conhecem pessoas como ele, com capacidade de olhar realmente para o "outro" e para o compreender sem julgar, que ele encarava as dificuldades da vida com resignação mas sempre rindo-se na cara da adversidade, o que nos dava um suplemento de coragem.

As memórias já vão sendo mais doces, embora me custe ainda escrever sobre ele. Lembro-me de um dia chegar a casa e ele estar com o neto, o meu filho mais velho, sentados no chão da sala reordenando por cores os cd's que estavam espalhados num mar... devo ter ficado embasbacado e chateado, eles olharam pra mim encolheram os ombros e continuaram...

Nunca lhe ouvi nenhuma recriminação aos muitos que se aproveitaram da generosidade dele nunca devolvendo empréstimos. Nunca lhe ouvi expectativa de reconhecimento ou de agradecimento de terceiros. Fazia porque achava que devia fazer. Dava porque achava que devia dar e sempre sem expectativa que alguém sequer viesse agradecer. Nunca aguardou louvor. Pediu-me, quando me tornei adulto, que não me vendesse. Foi quando me contou a história do meu avô, o pai dele, e me relembrou episódios da vida dele. Não aceitar dinheiro que não tem o nosso nome. Não trocar por dinheiro a nossa dignidade, a nossa consciência a nossa alma. Obrigado pai por me teres ensinado que há um conforto gigantesco em podermos olhar os outros nos olhos, podermos circular por aí de queixo levantado mesmo que a roupa que podemos vestir já não estejam na moda e o orçamento seja curto para parecermos o que nunca fomos.

Gostaria apenas de vir a ser, para os meus filhos, um bocadinho daquilo que ele foi para mim. Se isso acontecer terei sido um ser humano decente. Ele era excepcional. E eu tenho muitas saudades dele.

terça-feira, fevereiro 13, 2007

Conversas do Quotidiano Vulgar (12)

Nick Quase Sem Cabeça

A maior parte de nós consegue passar pela vida balbuciando escassas centenas de vocábulos. Não necessitamos de articular mais do que umas dúzias de frases para nos fazermos entender. Com ou sem inovações bizarras no domínio da semântica e da sintaxe, o país “real” sobrevive magnificamente com recurso a um léxico reduzido. Gente famosa ou gente com aspiração à fama entendem-se às mil maravilhas nestes códigos simples. Se o leitor ou leitora deseja dominar esta linguagem basta-lhe adquirir algumas revistas e frequentar salões de cabeleireiro. De facto a coisa é indolor. Não requer, sequer, muitos neurónios funcionais.

O mundo, por outro lado, acomodou-se a esta existência. A sociedade não é, realmente, feita de instituições, de processos ou de sistemas. Luhmann estava profundamente equivocado. O “tecido” que serve de base à sociedade são os “eventos”. Podem ser “escândalos”, “casos”, “doenças”, quaisquer “dificuldades” ou “aspirações” menores ou maiores das pessoas “que são faladas e fotografadas”.

A sociedade é, realmente, um continuum de descontinuidades. Aparentemente, todos os eventos são, por natureza, singulares. Não existem conexões entre eles. Constituem um borbulhar aleatório e espontâneo. O “próximo” episódio simplesmente toma o seu espaço na arena social substituindo o escândalo anterior. Não há memória. São eventos singelos sem relação e não existe a possibilidade de aprendizagem. Nada é legado ou transmitido. Numa sociedade sem aprendizagem e sem memória em que não há legados, não há tempo, apenas coisas que se sucedem umas após as outras. Numa sociedade em que não há tempo, há apenas caras que se tornam iguais, gestos iguais, pessoas que se repetem como clones. Nesta sociedade, precisamos de poucas palavras para nos entendermos.

É o triunfo final do solipsismo, o tempo é aqui e agora e só eu existo. Sem estes “eventos” não existe vida. Nem imprensa. Nem politica, nem políticos nem jornalistas. No limite trata-se de estar num determinado espaço e tempo e produzir uma ou outra afirmação sobre os benefícios do botox ou da última cirurgia plástica às mamas que alguém fez ou pensa fazer. Ou sobre o que comeu fulano ou fulana. Ou sobre a atribuição de recursos para uma obra. Ou sobre a instalação de uma empresa num concelho. Ou sobre uma pessoa que morreu porque demoraram sete horas a transportá-lo para um hospital. Ou sobre uma criança, mais uma, que era queimada com cigarros por um “pai” psicopata. Ou um futebolista que estava bêbado mas a lei foi aplicada na versão suave porque sim. Uma hora depois, estas coisas pereceram, e foram substituídas por novas afirmações sobre outras coisas quaisquer. O período de vida útil de um “evento” é inferior ao de um iogurte. É também, o triunfo final do nihilismo. Tudo se torna igual e equivalente. Muito embora não seja realmente verdade, parece que todos poderemos aceder a tudo. Todos podemos ser famosos. Esta é a suprema ilusão de uma sociedade sem memória e sem tempo. Parece. Tudo parece. Pouca coisa é.

© José Manuel Fonseca

sábado, fevereiro 10, 2007

O Retorno

Daqui a algumas horas (dia e meio...) regresso à minha actividade de iluminar as almas que se me apresentam sequiosas de aprender as mágicas.... adiante...regresso, portanto, à actividade docente. Ironicamente, é uma espécie de restart, porque foi justamente no arranque do semestre anterior, perante uma turma a quem fiz a apresentação da cadeira, que me começou a dar aquilo que mais tarde aprendi ser um enfarte agudo do miocárdio. Portanto, após seis meses de multiplas aprendizagens sobre problemas coronários, antiagregantes plaquetários, vasodilatadores, tensões arteriais, necroses, escleroses e outros interessantes assuntos, eis que, de novo, e já no entusiasmante contexto da interpretação nacional do sistema de Bolonha, volto a comparecer perante uma mole humana para dizer coisas inteligentes e inteligiveis. Enfim, melhores dias virão.