Há poucas décadas
proliferava pelo mundo um optimismo assente na esperança que a ciência, a
tecnologia e novos estados de “consciência colectiva” nos transportariam para
uma espécie de paraíso na Terra. O fim, talvez exagerado, da ideologia
colectivista e determinista do comunismo soviético, abria fronteiras de
liberdade individual e de transformação social com a resolução de velhas
opressões: de raça; de género; de orientação sexual; de classe; de acesso à
educação entre outras.
O consenso social
democrata, e o seu primo, o marxismo de paladar mais europeu e selecto, repousavam nas universidades, em particular
nos departamentos de linguística onde eram desenvolvidas utopias de mais “homem
novo”, agora um ser de sexualidade fluída livre de preconceitos, do passado e
das amarras materiais. O welfare state morrera, mas felizmente o dinheiro barato e o
crédito universal colocavam o consenso de Washington e o mercado (ou seja o
capitalismo) ao serviço de todos. E, todos ficariam contentes. Liberdade económica e liberdade de costumes. Uma
sociedade livre de seres livres e iguais e, próspera, com seres ricos como
Gates que achavam que os impostos deveriam ser mais altos e financiar uma visão
mais igualitária.
Mas algo correu
mal. As elites iluminadas e frequentadoras de Davos e de outros lugares prenhes
de panache, categoria e charme, alimentaram e alimentaram-se de uma ilusão que
deixou na penumbra os “deplorables”. E os deplorables
vêm em várias tribos, alguns até de colete amarelo. E do arrumo que era uma
sociedade com classes, mas poucas e sem complexidade assinalável, ao fim ao
cabo eles e nós são categorias simples, damos por nós submersos numa cacofonia
de vozes agressivas e polarizadas. Infelizmente o mundo é hoje uma imensa
balcanização de tribos de consumidores e de estilos de vida que não parecem acomodar-se
aos padrões desejados pelos próceres da engenharia social dos departamentos de
estudos de género nem das business schools.
O controlo social,
que no fundo todos desejavam, perdeu-se num mar de tecnologia que proporcionou
voz e espaço social a toda a sorte de pessoas. Ampliando até ao delírio as
fantasias e os preconceitos de todos. E, em vez de liberdade de costumes temos
hoje um espaço social cada vez mais hostil, agressivo, anti-científico em que
tudo se dilui e relativiza. Pior, a riqueza gerada foi também presa fácil de
gente mais criativa nos processos de corruptela e de invenção de esquemas de
ponzi, a que a banca se acabou por dedicar de modo bastante claro. E aqui
estamos, com a noção de que a evolução
do paradoxo formulado pelo biólogo Edward Wilson; temos emoções paleolíticas,
instituições medievais e tecnologia dos deuses, não parece ser a mais
promissora.
As elites, sem
surpresa, de ambas as aisles do political spectrum, reagem com sugestões de supressão de liberdade que já conhecemos no e do passado. As divisões sociais escancaradas e muito visíveis remetem-nos igualmente para tempos sombrios do
passado. Dark times ahead.
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