terça-feira, janeiro 25, 2022

Tomorrow Never Comes

Ao longo da vida tive a minha quota razoável de "amanhãs que cantam". Muito novo envolvi-me com o conceito propriamente dito. E andei, como prócere do "homem novo" e do "amanhã radioso e inevitável" a fazer proselitismo. Verifiquei, nessa ocasião, que para alguns dos camaradas  o amanhã parecia já cantar e de um modo um pouco...dir-se-ia ...enviesado. Aborreci-me cedo. Desencantei-me cedo. As datchas nunca pareciam ser para todos e o amahã era muito radioso para alguns, pouco diferentes dos que eles criticavam, e ao fim ao cabo, iam apenas substituir.

É claro que todos os, diversos, amanhãs que cantam dependem inexoravelmente de "if we all pull together as a team". Se todos pensarmos da mesma forma, formos uma mole de vontades únicas, se todos agirmos como um ... qualquer futuro é sempre inelutável. Este é, aliás, o sonho e promessa do euroasianismo no presente. O retorno à eficiência do império de Xerxes e Dario. A promessa chinesa no século XXI. A promessa russa do inicio do século XX. A promessa de qualquer sopro totalitário. Um futuro "risonho" com a mesma anedota contada vezes sem fim. A anedota autorizada. 

Felizmente, pelo menos para mim, na Europa, desde a Grécia e Roma, a ideia de Europa, opuseram-se a esse pesadelo de ausência de atrito e de fricção social, identitária e ideológica. Felizmente, existe a redundância do debate. A pluralidade. O "desperdício" de outros modos de ver. Outros ângulos. Outras cores outros óculos outros paladares outros sons. Alternativas. Riqueza portanto. 



Mas o caminho do amanhã que canta, por certo uma ou outra qualquer canção, é sempre apelativo porque comporta tranquilidade. Segurança, Certeza. Meramente ilusórias, mas ainda assim a sereia é sempre cantadora de uma bela melodia que encanta. E nunca faltam à chamada os que vão no canto da sereia. E ninca faltam razões para a sereia cantar. 

A liberdade é uma coisa maçadora porque é individual. E solitária. E com ela vem a responsabilidade individual. Ainda que seja para, depois, negociarmos os contrato social que nos permitirá a todos um better off que não exclui ninguém. Mas partimos da liberdade. De um lugar solitário de pessoas adultas e firmes. E nada é gratuito e nada é sem espinhas. 

Depois, passei para os amanhãs que cantam empresariais. Muito semelhantes aos de onde vim, e igualmente irrespiráveis. Talvez menos grandiosos e mais facilmente risíveis. De novo a retórica da múscia dos Pink Floyd "if we all pull together as a team". E se todos fizermos o trade  do walk on part in the war for a lead role in a cage... 

O mais hilariante nos amanhãs que cantam empresariais é que nos fornecem prémios de plásico  e bónus de páscoa em amêndoas amargas pela nossa alma. E badges em latão para meter ao peito. Por esta extraordinária "aventura" empresarial em que somos bem vindos pelo menos até à próxima quarta feira em que sai lista de redundantes e rescisões. Se (ao menos) nos unirmos para fazer com que a "nossa" marca de pastéis de bacalhau congelados for a primeira o mundo será a nossa ostra. 

O amnhã que canta é cada vez mais simplório e de consumo rápido. Célere, breve, etéreo e levezinho. Insutentável. Exige adoração e não reflexão. Não admite objecção. 

Um dos problemas com o amanhã que canta que é inadiável, impreterível é que reduz o passado a uma colecção de erros. De que nos devemos envergonhar. 

O maior talvez seja prosaico e simples. Um amanhã que canta e nos une a todos nas mais das vezes impede-nos de ver o que no presente já é belo. O que no passado já nos deliciou e deixou espantados ou emocionados. O dia de hoje é quase sempre formidável e se escutarmos o som é usualmente envolvente.


(to be continued)


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