terça-feira, julho 17, 2007

Hard Line

A concretização do negócio da compra da Chrysler pela Cerberus parece simbolizar o triunfo da visão “hard line” em Gestão. Isto é, o abandono do pós modernismo que atribuía misteriosos good will a empresas cujos activos cresciam, as despesas explodiam e as vendas eram pouco mais que anedóticas, mas as acções subiam de modo consistente e incompreensível para aqueles que foram formados na escola da análise fundamental e que nunca tinham sido seduzidos pelos head and shoulders dos programas tipo MetaStock. O crash da “economia da bolha” terminou com esses delírios. De volta ao mundo real, a aterragem da Banca, entre outros, foi dolorosa. Hoje, a exigência de resultados palpáveis, i.e. mensuráveis em dinheiro é um must. Voltámos mesmo à sabedoria mais “ancestral” de um marketing em que dos quatro pês, só o pê do preço é que é mágico porque gera cash inflow. Todos os outros representam dinheiro a sair...

A Cerberus é uma private equity com uma, aparente, estratégia de portfolio de base financeira pura e dura. Embora se consultarmos o seu website sejamos presenteados com uma linguagem mais tranquilizadora e com uma aparente vocação industrial, o carácter do negócio parece ser bem mais simples. Comprar empresas falidas e produzir um turnaround rápido e eventualmente doloroso mas eficaz. Depois a empresa pode ser recolocada no mercado para venda. A Cerberus mereceu alguma atenção, recentemente, porque segundo a Business Week comprou nos últimos tempos empresas em valor superior a dez biliões de dólares.

Em boa verdade o fenómeno não é novo. A Omnicom , a Cendant , a LVHM, são apenas alguns exemplos de empresas cuja vocação financeira aparece aliada à vocação de gestão de marcas para segmentos ou actividades específicas. Mas a base financeira é inequívoca. A exigência de rendibilidade mínima de x% por ano é imperativa. Estas empresas, algumas cotadas na bolsa outras completamente privadas, utilizam métodos de portfolio para avaliar o sucesso dos posicionamentos das empresas que titulam e, em geral, são constituídas por meia dúzia de especialistas com formação em finanças. Uma das coisas curiosas sobre estas empresas é que toda a gente é vice presidente, mas basicamente vice presidente de si próprio...

Quem sabe, este será o modelo de gestão de futuro reservado ao ocidente. Massas monetárias geridas por magos financeiros sem espírito empreendedor nem interesse pela inovação, muito menos pelos produtos e serviços, nem pelos clientes ou colaboradores, mas que garantem rendibilidades interessantes aos participantes privados/accionistas/obrigacionistas. Sob o guarda-chuva protector de marcas telúricas, criadas para que os consumidores estabeleçam relações de lealdade para além da materialidade dos produtos, numa verdadeira dimensão e domínio de transcendência, (com as quais a própria Igreja aprenderá), com produções totalmente deslocalizadas, com I&D deslocalizadas, com serviços administrativos deslocalizados, com assistência técnica e call-centers deslocalizados. Tudo a caminho das actuais periferias, permanecendo nos centros, eventualmente, apenas as private equities que gerem estas verdadeiras networks de actividades e processos como puzzles organizacionais descartáveis e efémeros e que em gestão de modo entusiasmado se tipificam como loose couplings.

Entre nós, esta visão pura e dura, assente na separação clara entre propriedade e gestão, com a gestão contratada sem eufemismos para gerar efectivo e inequívoco valor para o detentor do capital não colhe muitos adeptos. Entre nós, além dos colaboradores e dos clientes são ainda claramente preteridos os accionistas em favor dos gestores de circunstância.

Possivelmente esta visão é um bocado “dantesca” e manifestamente exagerada. Não obstante tem algumas “virtualidades” como costumam dizer algumas pessoas em politiquês. Nomeadamente, e, como membros da private equity deste país, a de permitir perguntar se existirá algum inconveniente em proceder ao outsourcing de governação desde Bangalore...

©José Manuel Fonseca

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