Antes de mais, um ‘disclaimer’ (como se diz em “internetês”…). Eu sou sócio número 13488, há quase trinta anos, da instituição que utilizo para ilustrar o argumento deste artigo. Afianço desde já, e antes de algum reflexo pavloviano em que a indústria é pródiga, que não sou nem candidato a segundo assessor do terceiro ajudante do décimo adjunto do sector de observação e recrutamento de talentos na área de Santana de Cambas, nem faço parte de nenhum sinistro grupo internacional de conspiradores que visa derrubar ninguém…
Mas adiante. Trata-se de discutir, neste artigo, algumas curiosidades do processo de formulação de uma estratégia. Devemos começar pelo negócio em que realmente estamos. Por exemplo, algumas pessoas podem presumir que vendem ferramentas de jardinagem, quando realmente estão no negócio dos ‘hobbies’ de fim-de-semana ao ar livre e em contacto com a natureza, competindo com as excursões do Centro Nacional de Cultura, ou com os passeios pedestres ao Jardim Botânico, ou com as actividades de prevenção dos AVC. Uma empresa que transporta crianças de casa para a escola pode equivocar-se e definir-se como empresa de transportes, quando o que realmente presta é um serviço de segurança. Entendido qual é realmente o negócio em que estamos presentes, podemos então definir como queremos actuar. Em que segmentos e com que produtos específicos devemos posicionar-nos, tendo em conta as acções de outros concorrentes, fornecedores, regulamentos e demais variáveis que podem facilitar ou constranger as nossas intenções e acções.
Verdadeiramente essencial é que fixemos objectivos claros a alcançar, que assumam uma dupla utilidade. Mobilizam as energias dos que colaboram no empreendimento e fornecem um farol e um padrão contra o qual podemos, permanentemente, comparar o que estamos alcançando e quão distante estamos do que pretendemos.
Quando as coisas correm mal, isto é, os objectivos fixados não foram atingidos, podemos sempre lançar mão do recurso ao processo soviético de revisão da História, dizendo, por exemplo que os 14,5% de EBITDA não foram cumpridos porque as condições de mercado se alteraram drasticamente, ou mesmo houve intenção malévola do governo, ou que a autoridade reguladora faz batota, mas em compensação as vendas cresceram 23% acima do esperado e quase 46,3% acima da mediana do sector. Ou então que conseguimos, numa revisão defensiva da nossa estratégia e, em face, da elevada volatilidade evidenciada pela economia a partir do segundo quadrimestre, uma significativa redução dos custos fixos com as operações logísticas que nos permitiram uma libertação de meios assinalável mantendo o nível de criação de valor para o accionista dentro das bandas normais na empresa e muito acima do que os nossos concorrentes directos conseguiram. De qualquer modo, os bónus parecem assegurados mesmo em face de estrondosos insucessos.
Estendendo a lógica anterior, e na fronteira da inovação radical, encontra-se o meu clube. De futebol, convém salientar para ajudar a posicionar a questão. Que tem acumulado EBITDAS muito apreciáveis segundo os resultados divulgados. Multiplicado as “casas”, como extensões do ‘supply chain’ de ‘merchadising’. Estabelecido parcerias estratégicas com sete sextos do mundo empresarial inclusive com a (passe a publicidade) Auto Mecânica de Mértola onde, como sócios do clube, temos 10% de desconto. Temos telemóveis próprios, seguros especiais, descontos em restaurantes de Alferrarede e Marzovelos, fabricantes de tintas desenvolveram cores especialmente para decorarmos a casa no interior e exterior, soluções financeiras especiais, descontos em serviços de alarmes e segurança, e muitíssimo mais que o catálogo dos benefícios por ser sócio é maior que as antigas listas de telefone da cidade do México. O problema é o da definição do negócio. É que, estou convencido, o que os sócios deste clube queriam era somente e singelamente ganhar o campeonato. Nada mais. Suspeito mesmo que trocávamos o desconto nas lojas de pneus de Estombar e de Arcozelos para evitar o quarto lugar. Mas não deixa de ser interessante o processo, contínuo, de revisão de objectivos estratégicos que são periodicamente actualizados com justificações mais que plausíveis, mesmo inovadoras e revolucionárias. Eu, aliás, posso fornecer, completamente livre de encargos com propriedade intelectual, o sistema de equações diferenciais não lineares de quarto grau que explica o modelo de fixação de objectivos do meu clube, bem como a retórica utilizada para o explicar de modo eloquente e simples. Mas fico com a secreta esperança que, eventualmente, um dia destes alguém consiga entender a verdadeira natureza do negócio.
publicado no Diário Económico
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