Uma das coisas mais recorrentes nas minhas aulas, mormente por parte de alunos mais velhos e mais “batidos”, é a irrupção de comentários sobre a distância, quando não mesmo a oposição, entre os “modelos” académicos e a “prática” nas empresas.
Esta "esquizofrenia" é tanto maior quanto mais nos aproximemos de posições mais pós-modernas que salientem o "valor do capital humano", ou da "gestão dos activos imateriais como a lealdade dos clientes", ou dos "novos modelos de lideranças transformacionais". Às vezes a coisa começa se por acaso se fala do ‘paper' do Coase sobre porque é que há empresas e não só mercados, que lhe deu o prémio Nobel. Daí à pergunta para que é que queremos, hoje, empresas pode ser um ápice. Em princípio, as empresas são a mais eficiente maneira de produzirmos produtos escrutinados no mercado, e cujo "comportamento" agregado gera riqueza para todos.
Não obstante esta conhecida litania, os meus alunos salientam crescentemente a distância que vai dos sucessos estrondosos que são enunciados e anunciados em todas as operações de fusões e aquisições, pelo menos a ter em conta o que consta, habitualmente, dos comunicados para as "cêémevêémes" e para a imprensa especializada, e as vivências dos que ficam na "nova empresa" após o emagrecimento das estruturas e obtenção de sinergias. E, que por vezes se traduzem em bizarrias de termos directores de primeira linha que ganham menos que os seus subordinados que tinham na empresa anterior um regime mais vantajoso do ponto de vista da política de remunerações, passando toda a gente a fingir que isso realmente não é importante na vontade indómita de todos em fazer da fusão uma equação em que 1+1 é superior a dois, não fora aquele maçador ‘complot' de condições subjectivas e imprevisíveis que veio a produzir o 1,87 final...
E que dizer do contraste entre a extraordinária bondade da transformação de custos fixos em custos variáveis, que nos motiva a enviar para ‘outsourcing' tudo o que não faz parte do ‘core business', sendo que a dada altura já ninguém sabe muito bem qual era o ‘core' e já se confunde o ‘business'. Por exemplo, a assistência ao cliente que é subcontratada em verdadeiras cascatas até ser finalmente executada pelo Joaquim Epaminondas Desenrrascanços ao Domícilio Unipessoal Ld.ª, pese embora a declaração na missão que nos aponta como valor essencial da empresa o tratamento do cliente enquanto nosso maior activo... Estes processos geradores de esplêndidas cadeias de descontentamento com o "serviço", serão posteriormente, apaziguadas em frustrantes chamadas para ‘call centers' em que estudantes contratados a pataco nos pedem para fazermos o obséquio de aguardarmos, agradecendo de seguida os minutos de espera, oferecendo uma solução que envolve a espera de mais qualquer incerta diligência que acaba por se diluir no quotidiano.
Aparentemente ficamos sempre distantes dos "ideais" que vêm nos manuais ou que os professores transmitem. E pouco importa a disciplina de que falemos. Gestão de recursos humanos, estratégia ou marketing, os sublinhados são, em geral, os mesmos. Existe um mundo idealizado e "bondoso" nos livros, em que as pessoas são tratadas como indivíduos apreciados, valiosos e participativos, retribuindo com criatividade, empenho e diligência, o que contrastaria com a ‘rat race' que ocorre na realidade e que se traduz em aumentos de consumos de ansiolíticos e em sofrimento desnecessário que leva a que a saúde mental se torne uma fonte de preocupação entre a população activa e uma bela linha de investigação daquelas que garantem financiamentos para a investigação. Parece mesmo que um hospital privado duplicou nos últimos meses o número de psiquiatras tal a dimensão da procura dos serviços de gente empregada, desempregada, em vias de se reempregar ou de ficar sem emprego, num fenómeno verdadeiramente interclassista, com subordinados, gestores, directores e administradores a queixarem-se do mesmo. De facto, para que é que queremos empresas?
sábado, maio 09, 2009
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
4 comentários:
De facto o mundo (empresarial) na universidade é pintado em tons muito alegres, quando na realidade não é bem assim, e no que me toca a mim, mesmo que tenha professores que mantenham uma actividade empresarial, salvo algumas excepções, acabam sempre por transmitir o conhecimento que está nos livros e as vezes parece que se sentem "acanhados" em partilhar as suas experiências, será dos programas, será para esconder a terrível verdade, porque dificilmente meninos (as) de 22, 23 anos vão sair de universidade e gerir alguma coisa, vão ter de lutar muito e para isso de certeza muitos não estão preparados.
o q vai dar dinheiro a partir de agora é abrir uma espécie de franchising de psiquitras no centro comercial mais perto de si....
olhe dps fale cmg p/ avaliar o VLA da coisa!!
De facto, a realidade é de dar em doido! Olho à minha volta e só o impossível acontece!
Começa a emergir o Slowdown, talvez a coisa pegue. Espero que pegue rápido!
Mas já no departamento de Filosofia da FLUL, no meu tempo, os alunos se queixavam do mesmo: do desenquadramento entre a realidade e o que ali se ensinava, se aprendia e se lia.
Gregory Bateson disse uma coisa de que nunca me esqueci e que talvez esteja também aqui implicada: é que "a escola mata tudo quanto toca". Suponho que levar a realidade à escola, seja liquidá-la!
Enviar um comentário