O espírito das férias anda no ar e não é propriamente a época de grandes reflexões. Sobretudo das que implicam a mudança de paradigmas e, desta vez, não falo do meu clube nem do mundo do futebol, mas antes de coisas mesmo sérias. Não obstante, e o mais rapidamente possível, vamos ter de repensar alguns modelos que conduzem o modo como pensamos e agimos sobre o quotidiano. Talvez mais pela fresca, que ultimamente a coisa anda um bocado bizarra. Nas últimas semanas chega a ser divertido o ciclo, que, à falta de melhor, poderemos chamar de Trichet. Cada vez que o governador do banco central europeu fala (e não age…), expressando a sua preocupação sobre a inflação deixando a “ameaça” de aumento de juros, segue-se que o dólar se afunda e o petróleo sobe. Numa ocasião, o petróleo recuperou em horas o que tinha perdido em duas semanas. Portanto, o senhor Trichet, estou certo que involuntariamente, cada vez que fala consegue provocar o efeito contrário ao que deixa patente nas suas palavras e nos seus desejos. Claro que o mundo não ficaria melhor só porque o senhor Trichet escolhesse falar menos. Mas, ainda assim, talvez devesse limitar-se a comunicar acções e decisões concretas em lugar de longas análises em que detalha o contrário do que acabará por acontecer como consequência das suas palavras. E escrevo isto em face de duas semanas de descidas contínuas do preço do crude...
Em todo o caso, desta vez, a subida do preço do dinheiro parece longe de provocar o efeito pretendido. Talvez porque ‘elsewhere’ o preço do dinheiro anda barato e há escassez de sítios onde aplicar o que se retirou de um sistema financeiro em colapso. Dinheiro salvo à revelia de todas as homílias sobre a ‘market freedom’ que afinal só se aplica quando a coisa corre bem. Quando corre mal, o mercado deve ser manietado, a mão invisível retirada para lugar seguro e os “pacotes” de dinheiro público entram em acção para salvar as burradas privadas. Ainda assim, e em face deste facto, não há mingua de quem requeira dose maior da terapia. Mais do mesmo mas em doses ainda mais cavalares. Talvez o paciente não resista a tanta boa vontade e com juros a 10% a terapia se calhar resulta sobre um cadáver. Mas há quem descubra virtudes inusitadas no “abrandamento”, como lhe chama o nosso primeiro ministro. O aumento do preço do combustível provocará a redução no consumo com consequente melhoria no ambiente. Por extensão do argumento, poderemos prever que o aumento do preço da comida provocará a redução dos diabetes, do colesterol e, em última análise, a solução para a crise financeira dos sistemas públicos de saúde ocidentais. Paradoxalmente, os partidos verdes e alguns de esquerda parecem pretender aumentos de subsídios para o consumo de combustíveis fósseis que, entretanto, culpam pelo efeito estufa. Isto está confuso.
Tudo isto não passaria de borbulhagem exógena, portanto sem significado, não fora o problema do crescimento económico ser também arrastado para a maré de linearidades em colapso. É que parece que tudo se conjuga para fazer sol na eira, com temperaturas de 50 graus e chuva no nabal com chuvas torrenciais e enxurradas. Na repartição da grande divisão do trabalho pós mercados livres presumimos que os mercados a oriente se alargariam com a exportação dos empregos pouco qualificados para lá, transferindo a economia industrial, resgatando uns milhões à pobreza que consumiriam alegremente os nosso bens e serviços, e nós no ocidente ficaríamos com a economia dos serviços e com a parte da economia do conhecimento. Para isso é que comprámos o ‘franchise’ do MIT, em Portugal, e no resto da Europa compraram-se outros ‘franchises’ semelhantes e multiplicaram-se os cursos “qualificantes” de todo o feitio e tamanho. Alas. A economia do conhecimento e o seu aumento de “empregabilidade” parece ter descoberto o caminho das terras do sol nascente. Nunca pensei dizer isto mas, agora, até a economia dos eventos me parece mais promissora juntamente com a economia do turismo de luxo, do turismo cultural e, como diz um amigo meu, as filigranas com design e investigação em cima podem ser produtos com futuro na área de uma oferta integrada de história e vivências aos novos ricos do oriente. No colapso de mais algumas linearidades simplórias, nós por cá vamos, por certo, descobrir novos pobres mas com menos obesidade e diabetes.
(publicado no Diário Económico)
sexta-feira, julho 25, 2008
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