A coisa ainda não acabou, portanto, ainda é cedo para a agenda mediática ser dominada por aqueles que nos relembrarão que “nos tinham avisado”. Ou por aqueles que propõem inovadoras panaceias para que nunca mais possa acontecer. Ainda não é o tempo de balanços profundíssimos nem para serem exigidos mecanismos “que de uma vez por todas” previnam estas crises. Ou novas autoridades de regulação. Quem sabe, daqui a algum tempo alguém virá falar de meta sistemas e de Kurt Godel. E da necessidade de um supra organismo acima de todos que regule o sistema financeiro a nível mundial uma vez que os “fenómenos” são transnacionais e as fronteiras são um conceito inútil neste mundo electrónico em que se esvaziam os cofres de um banco através do pânico dos “ratos”...
Por enquanto os rostos são de perplexidade e desorientação. Os psicólogos poderão falar dos modelos de negação, pânico, acomodação, superação e sei lá que mais. Não faltam já especialistas em ‘crisis management’ a vender boas soluções. Mas em boa verdade ainda ninguém sabe realmente as “medidas” da crise. É como uma nova “besta” para a qual procuramos comparações com outros monstros mas sem a convicção que já temos um nome certo para a nomear. No jargão das mini crises os analistas pronunciam com autoridade a palavra “volatilidade”. Que quer dizer não estamos a ver bem o filme mas a poeira vai assentar lá mais para a tarde. No presente contexto as palavras são mais voláteis. Crise, recessão, ajustamento, correcção, choque. Pior que no inicio do século vinte. Grande depressão. Até um candidato presidencial primeiro arriscou que os fundamentais estavam sólidos, mas depois de perceber que ninguém parecia escutá-lo veio falar dos malandros de Wall Street que entretanto são dos principais financiadores da sua campanha.
Quando pára? Quem são os próximos? Ninguém arrisca dizer. Eu por mim só posso dizer não será a última vez. Nem a penúltima. Os seres humanos são muito optimistas e cavalgam euforicamente ilusões de riqueza incomensurável rápida e fácil. Mesmo em face de evidências claras do contrário. Como aquelas que faziam o ratio Dupont em estilhaços com promessas de valor infinito, mesmo na véspera do ‘crash’ da bolha da Internet. Companhias como a Yahoo que vendia pouco ou nada, valiam em bolsa centenas ou milhares de vezes mais que os seus activos tangíveis. Era a época do imaterial em explosão. ‘The sky was the limit’. Na altura, o sentido de urgência tomou conta de todos. Era o momento de investir em projectos arrojados que seriam premiados em ciclos virtuosos na Net, ‘overnight’...
E os bancos aprovavam operações lunáticas. E entalaram-se. E com eles, todos os que achavam que a gestão financeira tinha sido reinventada e que os fundamentais das finanças já não implicavam que uma empresa deve, idealmente, ter várias vezes a facturação superior ao activo líquido, e claro está, que este activo líquido seja bastante sólido... Entre nós algumas ‘rising stars’ da época deixaram um rasto de papel que hoje vale cêntimos...
Agora parece que a ilusão, bondosa e pia, de fazer de todos, orgulhosos proprietários de casas com preços inflaccionados num contexto de perda de rendimento disponível não era uma fórmula vencedora. Mas parece que já se suspeitava disso porque os promotores de tão venturosa política tratavam de vender e revender o risco a outros tão eufóricos e tão pouco convictos da robustez de todo o processo. E, circunspectos banqueiros, parece que caminharam sobre as águas. Agora alguns concluem que era uma mera ilusão de óptica.
A única coisa que sei é que daqui a uns anos assistiremos de novo a euforias semelhantes que no final todos acharão terem sido perigosas e incompreensíveis ilusões. E, talvez não se trate de dificuldades em aprender com os erros. Trata-se apenas de mecanismos psicológicos básicos que fazem gente sensata entrar em esquemas de pirâmide. Ou de gente que cai em contos de vigário. Estamos sempre disponíveis para isso. A vida pode ser demasiado curta para não enriquecermos já até amanhã de manhã cedinho.
publicado no Diário Económico
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